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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS

MESTRADO EM LETRAS NEOLATINAS

A CONSTRUÇÃO DA TEMPORALIDADE E A CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA EM RELATOS DE DESLOCAMENTO NA REGIÃO

FRONTEIRIÇA BRASIL/VENEZUELA

DAVID SENA LEMOS

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A construção da temporalidade e a constituição identitária em relatos de deslocamento na região fronteiriça Brasil/Venezuela

David Sena Lemos

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos, opção: Língua Espanhola).

Orientador: Profa. Doutora Leticia Rebollo Couto

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TERMO DE APROVAÇÃO

A construção da temporalidade e a constituição identitária em relatos de deslocamento na região fronteiriça Brasil/Venezuela

David Sena Lemos

Orientador: Profa. Doutora Leticia Rebollo Couto

Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos Opção: Língua Espanhola).

Examinada por:

_________________________________________________ Presidente, Profa. Doutora Leticia Rebollo Couto – UFRJ

_________________________________________________ Profa. Doutora Maria Mercedes R. Quintans Sebold – UFRJ

_________________________________________________ Prof. Doutor Xoán Carlos Lagares Diez – UFF

_________________________________________________ Prof. Doutor Pierre François G. Guisan UFRJ, Suplente

_________________________________________________ Profa. Doutora Jussara Abraçado Almeida – UFF, Suplente

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

L555c Lemos, David Sena.

A construção da temporalidade e a constituição identitária em relatos de deslocamento na região fronteiriça Brasil/Venezuela / David Sena Lemos. – Rio de Janeiro, 2012. 150 p. : il.

Orientadora: Profa. Dra. Leticia Rebollo Couto.

Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas.

1 – Narrativas. 2 – Temporalidade. 3 – Identidade. 4 –

Fronteira. I - Título. II – Couto, Leticia Rebollo (orientadora).

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RESUMO

A construção da temporalidade e a constituição identitária em relatos de deslocamento na região fronteiriça Brasil/Venezuela

David Sena Lemos

Orientador: Profa. Doutora Leticia Rebollo Couto

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas

(Estudos Linguísticos Neolatinos Opção: Língua Espanhola).

Na fronteira do Brasil com a Venezuela, as cidades de Pacaraima (RR) e Santa Elena de Uairén formam uma região que se caracteriza por intenso contato linguístico (português, espanhol e línguas indígenas das famílias linguísticas Aruaque, Caribe e Ianomâmi). Nesse ambiente multicultural realizamos esta pesquisa envolvendo questões de narrativa e identidade. Recolhemos e analisamos um corpus constituído a partir de uma narrativa oral de fala espontânea e onze narrativas escritas a partir do relato oral, tudo produzido por alunos do ensino médio de uma escola pública em contexto experimental. Objetivamos descrever os processos e recursos linguísticos na construção da temporalidade no relato oral e escritos; analisar como se constitui a identidade dos sujeitos, de si e do outro nos

textos relatados nesse “cruzar a fronteira”; além de estudar como os sujeitos

(actantes) são introduzidos, retomados, nomeados ou qualificados pelos narradores a fim de caracterizar a dinâmica da mobilidade nessa região. Embasamo-nos teoricamente em conceitos da linguística textual, da análise do discurso, além de outras vertentes teóricas. É uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa e se orienta a partir do ciclo de pesquisa proposto por Minayo (2009). Os resultados obtidos evidenciam que a temporalidade se constrói a partir da coesão dos tempos verbais, predominando as formas do mundo narrado (pretérito). Estas identificam os momentos da fala (MF), do evento (ME) e de referência (MR), embora este último seja localizado de forma extralinguística. Sequenciadores e localizadores espaciais e temporais também caracterizam a temporalidade, mas de forma imprecisa e distinta nas duas modalidades, e para tal se necessita do conhecimento do contexto da fronteira. Os actantes são introduzidos ou retomados distintamente: aos

“estrangeiros” sempre se lhes atribui um tom negativo, marcando um

posicionamento identitário de alteridade em relação aos brasileiros, que podem assumir distintos papéis (turistas, supostos traficantes de combustível, imigrantes ilegais, etc.), o que caracterizaria este sujeito que cruza a fronteira.

Palavras-chave: Narrativa, Temporalidade, Identidade, Fronteira.

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RESUMEN

La construcción de la temporalidad y la constitución identitária en relatos de desplazamiento en la región fronteriza Brasil/Venezuela

David Sena Lemos

Orientador: Profa. Doutora Leticia Rebollo Couto

Resumen da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas

(Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção: Língua Espanhola).

En la frontera del Brasil con Venezuela, las ciudades de Pacaraima (RR) y Santa Elena de Uairén forman una región que se caracteriza por intenso contacto lingüístico (portugués, español e idiomas indígenas de las familias lingüísticas Aruaque, Caribe e Ianomâmi). En este ambiente multicultural hemos llevado a cabo esta investigación sobre narrativa e identidad. Recogimos y analizamos un corpus constituido de una narrativa oral de habla espontánea y once narrativas escritas producidas por alumnos de la enseñanza media de una escuela pública en Pacaraima a partir del relato inicial, en ambiente de experimentación. Objetivamos describir los procesos y recursos lingüísticos en la construcción de la temporalidad en el relato oral y escrito; analizar cómo se constituye la identidad de los sujetos, de

sí y del otro en los textos relatados en ese “cruzar la frontera”; además, estudiar

como los sujetos (actantes) involucrados en los relatos son introducidos, reanudados, nombrados o calificados por los narradores con el fin de caracterizar la dinámica de la movilidad en esa región. Para tal nos embazamos en conceptos y definiciones de la lingüística textual, análisis del discurso, además de otras vertientes teóricas. Es una investigación descriptiva, con abordaje cualitativo, que se orientada al ciclo de investigación propuesto por Minayo (2009). Los resultados obtenidos evidencian que la temporalidad se construye a partir de la cohesión de los tiempos verbales, predominando las formas del mundo narrado (pretérito). Estas identifican los momentos de habla (MF), del evento (ME) y de referencia (MR), aunque este último sea localizado por formas extralingüísticas. Secuenciadores y localizadores espaciales y temporales también caracterizan la temporalidad, pero de manera imprecisa y distinguida de las dos modalidades, y para eso se necesita del conocimiento del contexto de la frontera. Los actantes son introducidos o reanudado

distinguidamente: a los “extranjeros” siempre se les atribuye un tono negativo,

destacando un posicionamiento identitário de alteridad relacionado a los brasileños, que pueden encargarse de diferentes roles (turistas, presuntos traficantes de combustible, inmigrantes ilegales, etc.) lo que caracterizaría este tipo que cruza la frontera.

Palabras-clave: Narrativa, Temporalidad, Identidad, Frontera.

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ABSTRACT

The construction of temporality and identity construction in narrations of displacement in the region bordering Brazil / Venezuela

David Sena Lemos

Orientador: Profa. Doutora Leticia Rebollo Couto

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos – Opção: Língua Espanhola).

In Brazil’s border with Venezuela, the city of Pacaraima (RR) and Santa Elena de Uairén form a region that is characterized by intense contact languages (Portuguese, Spanish and indigenous languages of the Arawak language families, the Caribbean and Ianomâmi). In this multicultural environment we conduct this research involving issues of narrative and identity. We collect and analyze a corpus constituted from a spontaneous speech and oral narrative eleven narratives written from the oral account, all produced by high school students in a public school in an experimental context. We aim to describe the processes and linguistic resources in the construction of temporality in oral and written reports; analyze how is the identity of the subject, of self and other texts reported that “cross the border”, as well as studying the subject (actantes) are introduced, resume, appointed or qualified by the narrators in order to characterize the dynamics of mobility in this region. To this end, we take as basis theoretical concepts of Textual Linguistics, Discourse Analysis and other theoretical aspects. It is a descriptive research with qualitative approach and is oriented from the research cycle proposed by Minayo (2009). The results obtained show that the temporality is constructed from the cohesion of tenses, predominating the forms of the world narrated (past tense). These identify the moments of speech (MF), the event (ME) and reference (MR), although the latter is located at extra-linguistic. Sequencers and spatial and temporal locators also characterize the temporality, but inaccurately and distinguished in two modes, and for that, one needs knowledge of the border. The actantes are introduced or resumed distinctly: the

“foreign” always gives them a negative tone, marking a position identity of otherness in relation to Brazilians, that can take on different roles (tourists, alleged fuel dealers, illegal immigrants, etc.), which characterize the subject that crosses the border.

Key words: Narrative, Temporality, Identity, Border

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Dedico à

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pai Supremo, pelo dom da vida, que concede meus pedidos.

À UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro e seus professores que me proporcionaram bons momentos de reflexão intelectual.

À UFRR - Universidade Federal de Roraima e APROFERR - Associação de Professores e Falantes de Espanhol do Estado de Roraima, que, em parceria trabalharam para a concretização do Minter UFRR/UFRJ.

A professora Leticia Rebollo Couto, pelo apoio em produções e eventos científicos, reflexões e orientação deste trabalho.

Aos meus colegas do curso, que me ajudaram direta ou indiretamente nas discussões teórica e partilharam momentos de descontração e amizade, tanto na convivência no Rio de Janeiro como em Boa Vista.

Aos professores do Programa de Neolatinas da UFRJ que ministraram as disciplinas em Boa Vista e no Rio de Janeiro, Leticia Rebollo, Mercedes Sebold, Sonia Reis, Ângela Correa, Pedro Paulo Catharina, Pierre Guisan, Tom Finbow, Tânia Cunha e Consuelo Lagorio, e também Márcia Pietroluongo, que além da partilha de conhecimentos, me permitiram momentos de amizade e descontração na cidade maravilhosa.

Aos demais professores que também contribuíram com seus valorosos saberes, José Ribamar Bessa Freire (UERJ), Manoel Gomes e Parmênio Citó (UFRR) e Alessandra Souza (UERR).

Aos demais membros da UFRR e UFRJ, em especial a Denise Veronese, que me ajudou em momentos dessa jornada.

Aos amigos, professores, alunos e demais pessoas que me apoiaram em Pacaraima – RR.

Aos meus pais, Benício e Romana, pelo exemplo de perseverança e incentivo intelectual desde que aprendi a falar; a minha esposa, Sandra, pela incomensurável paciência, compreensão pelas minhas ausências em função das viagens e pelo constante incentivo; aos meus filhos, por sempre acreditarem em mim; aos meus irmãos e irmãs, pela motivação.

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Gostaríeis de medir o tempo, o ilimitado e o incomensurável. Gostaríeis de ajustar vosso comportamento e mesmo de reger o curso de vossas almas de acordo com as horas e as estações. Do tempo, gostaríeis de fazer um rio, na margem do qual vos sentaríeis para observar correr as águas.

Contudo, o que em vós escapa ao tempo sabe que a vida também escapa ao tempo, e sabe que ontem é apenas a recordação de hoje e amanhã, o sonho de hoje, e que aquilo que canta e medita em vós continua a morar dentro daquele primeiro momento em que as estrelas foram semeadas no espaço.

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS... Apresentando o tema: o contexto multicultural e ambiente da pesquisa... O problema, hipóteses de pesquisa e objetivos... Justificando a pesquisa... A organização do trabalho...

CAPÍTULO 1 Narrativa e identidade: construindo um recorte teórico...

1.1. Narrativa e discurso... 1.1.1.A narrativa, o texto, o gênero e os modos de organização do discurso... 1.1.2. A narração, a narrativa ou o relato... 1.1.3. O relato de deslocamento... 1.1.4. A narrativa e a Sociolinguística... 1.1.5. A narrativa na escola e a produção escrita...

1.2. A temporalidadee a narrativa... 1.2.1. O que é tempo?... 1.2.2. A construção da temporalidade... 1.2.3. A relação temporalidade e narrativa...

1.3. Identidade, mobilidade e fronteira: os actantes do relato... 1.3.1. A mobilidade na fronteira... 1.3.1.1 O contexto sociolinguístico... 1.3.1.2 A fronteira norte: o contexto Pacaraima / Santa Elena... 1.3.2. A questão da identidade... 1.3.3. A identidade e a narrativa... 1.3.4. Os actantes e demais sujeitos da narrativa...

CAPÍTULO 2Fundamentos Metodológicos... 2.1 O contexto (cenário) e os sujeitos da pesquisa... 2.2 Tipo de pesquisa, materiais e processo para obtenção dos dados...

13 13 14 15 17

19 19 19 23 25 27 29 31 31 34 40 46 46 47 49 52 56 60

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CAPÍTULO 3 Análise das narrativas...

3. Análise da narrativa oral... 3.1. A temporalidade: os tempos verbais... 3.2. As referências temporais... 3.3. Os sequenciadores e os localizadores... 3.4. Os actantes e as representações identitárias...

CAPÍTULO 4...

4. Análise da narrativa escrita... Narrativa escrita 01... 4.1. A temporalidade: os tempos verbais... 4.2. As referências temporais... 4.3. Os sequenciadores e os localizadores... Narrativa escrita 02... 4.4. Os actantes e as representações identitárias...

CAPÍTULO 5 – Resultados... 5.1. A construção da temporalidade nos relatos oral e escritos... 5.2. Contrastando os relatos oral e escritos... 5.3. Sequenciadores e os localizadores... 5.4. Os agentes das narrativas e a constituição identitária...

CONSIDERAÇÕES FINAIS...

Referências...

Anexos... 81 81 82 91 93 99

107 107 107 109 112 115 118 125

128 128 132 135 138

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Apresentando o tema: o contexto multicultural do ambiente da pesquisa

Por ser um país muito extenso, o Brasil possui uma faixa fronteiriça de 27% de seu território, sendo que 11 (onze) de seus estados se limitam com 10 (dez) países sul-americanos. São limites formados tanto por linhas de água quanto por linha seca. Sua população é de origem diversa, já que historicamente tem se observado intenso fluxo migratório interno e externo. Assim, é uma nação cuja realidade social é multicultural e, sendo a língua parte das culturas envolvidas, é comum a prática multidiscursiva em todas as suas regiões, sobretudo nos espaços fronteiriços, e particularmente no norte do Brasil.

No Norte, o Estado de Roraima faz fronteira com a República Bolivariana de Venezuela e a República Cooperativa da Guiana (Guiana inglesa), países que falam, respectivamente, o espanhol e o inglês como línguas oficiais, resultantes do processo de colonização, além de diversas línguas indígenas que transcendem os limites fronteiriços dos três países, povos que ocupavam o território americano antes do processo colonizador, presentes em toda a América, chamados “First Nations” na América anglossaxônica, ou “pueblos originários” na América hispânica. Além dos municípios de Uiramutã, Amajari, Alto Alegre e Iracema, Pacaraima é a última cidade roraimense no norte do estado e se limita com Santa Elena de Uairén, sede do município Gran Sabana, Estado Bolívar, sul da Venezuela. Mesmo distantes 15 quilômetros (acesso por uma rodovia asfaltada) essas duas cidades compartilham características geográficas, políticas e econômicas, por isso podem ser definidas como cidades-gêmeas, pois compõem núcleos urbanos de cada um dos lados territoriais e mantêm um intenso intercâmbio de pessoas, serviços, comércio, turismo e informações de modo geral.

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indígenas são faladas nessa região (por exemplo, o Makuxi, dos dois lados – idioma que representa uma das maiores etnias nessa região, além de Wapixana e Taurepang). O acesso rodoviário (BR-174) a Pacaraima (desde Manaus, capital do Amazonas) impulsiona e facilita a grande mobilidade populacional, principalmente em função do comércio e turismo, o que provoca intenso contato linguístico e multicultural. Quanto à educação, nessa região há alunos venezuelanos estudando em escolas públicas brasileiras da fronteira (níveis fundamental, médio e superior) e alunos brasileiros que estudam do lado venezuelano em Santa Elena e outras cidades próximas. Além disso, há alunos hispânico-falantes oriundos de outros países. E é nesse ambiente de diversidade e mobilidade que se situa esta pesquisa, que traz como tema a temporalidade e identidade em relato de deslocamento na região fronteiriça Brasil/Venezuela.

O problema, hipóteses de pesquisa e objetivos

A construção do recorte teórico e a investigação empírica deste trabalho foram embasadas pelos seguintes questões que nortearão as análises:

(a) Como se constrói a temporalidade nos relatos de deslocamento e quais as diferenças entre narrativas orais e escritas de um mesmo evento?

A sequencialidade temporal nas narrativas constrói-se por recursos linguísticos e extralinguísticos que se diferenciam nas modalidade de expressão oral e escrita. Ao levar em consideração o ambiente e o contexto de produção supomos que o conhecimento desses pelos narradores favoreça a ocorrência de lexemas de ordem dêitica e que, linguisticamente, se conjuguem com elementos gramaticais, como advérbios, conjunções, numerais, adjetivos e principalmente o verbo que,

sendo a “palavra temporal” por excelência, deva ocorrer com maior incidência nas duas modalidades de textos.

A segunda questão é:

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As duas modalidade de relatos se efetivam semântico-discursivamente valendo-se de diversificados expedientes linguísticos e extralinguísticos que sequencializam e localizam temporalmente as ações, e diferenciam-se no texto oral e escrito por formas léxicas das variantes consideradas padrão e coloquial da língua. Além disso contribuem para especificar os momentos na linha do tempo nos relatos.

A terceira questão é:

(c) A partir de relatos de deslocamento e da referenciação dos agentes da narrativa, como o morador brasileiro (pacaraimense) constrói a identidade do morador venezuelano?

A partir de nossas observações prévias acreditamos que é possível que o

brasileiro considere a identidade do venezuelano como o “outro” (alteridade) em

relação a si mesmo (identidade).

Esta pesquisa tem como objetivo central descrever como se constrói a temporalidade e a constituição das identidades sociais em relatos de deslocamentos oral e escritos, produzidos em língua portuguesa por alunos brasileiros e

“estrangeiros” no Ensino Médio de uma escola pública do município brasileiro de

Pacaraima. Temos como objetivos específicos: (a) Descrever os processos e recursos linguísticos na construção da temporalidade oral (interativa cara a cara), e na escrita (mais afastada do eixo dêitico de interação nos relatos); (b) A partir das estruturas narrativas, analisar como se constitui a identidade dos sujeitos, de si e do

outro nos textos relatados nesse “cruzar a fronteira”; e (c) Estudar como os sujeitos (actantes) envolvidos nos relatos são introduzidos, retomados, nomeados ou qualificados pelos narradores a fim de caracterizar a dinâmica da mobilidade nessa região fronteiriça.

Justificando a pesquisa

Narrativas são práticas sociodiscursivas que se distinguem de outros

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dimensão temporal está intrinsecamente ligada à narrativa. A temporalidade, portanto, refere-se a um processo que garante a sucessão, a ordenação externa de certos eventos, já que estes ocorrem naturalmente num determinado tempo. Este

processo está relacionado a três “pontos temporais”, conforme formalização de uma interpretação temporal das línguas naturais feitas por Reichenbach (1948 apud CORÔA, 2005): o Momento de Fala, que é o tempo da realização da fala, a enunciação sobre o evento; o Momento do Evento, que é o tempo em se dá o evento, o processo ou ação; e o Momento de Referência, tempo relativo à perspectiva para contemplação do ME simultaneidade e anterioridade.

Nesse sentido outro aspecto teórico interessante para investigação relaciona-se ao tempo, a compreensão do funcionamento dos tempos predominantes do relato e tempos comentadores, além do uso das conexões entre as proposições importantes para a construção da temporalidade. Sendo o estudo baseado em um relato oral produzido em interação e em narrativas reescritas a partir desse relato, torna-se importante investigar os processos de organização diferentes nos registros para identificarmos os aspectos sendo mais ou menos coloquial. Isso justifica analisar a diferença entre a narrativa oral e a escrita. Com essas análises temos a expectativa de que na produção oral haja mais coloquialidade, e assim seja mais centrada no eixo dêitico; e a escrita seja menos coloquial e mais distante do eixo da dêixis. É possível que esses processos tenham a ver com as intervenções do professor no processo de ensino de língua.

Consideramos a identidade como um constructo sociocultural que o indivíduo adquire ou constrói historicamente em interação com o outro. Conforme Silva (2000, p.74), a “identidade é simplesmente aquilo que se é”. Assim estudamos a identidade nos relatos para verificar se os moradores brasileiros dessa região identificam o

morador venezuelano como “mesmo” (identidade) ou “outro” (alteridade). Tomamos

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intenso contato entre esses dois países, dessa forma os deslocamentos referem-se, portanto, a um movimento transitório de pouca duração, e que, a partir daí teríamos relatos curtos produzidos por esses indivíduos.

A organização do trabalho

O percurso para analisarmos o relato de deslocamento começa pela busca de definição de termos, seguido das análises das narrativas e os resultados. Assim organizamos esta dissertação em cinco capítulos.

O primeiro capítulo traz um recorte da teoria com as definições necessárias à compreensão do objeto de estudo. Assumindo um caráter interdisciplinar, baseamo-nos em teóricos da linguística textual, análise do discurso, passando pela teoria literária até a semiótica da narrativa, que propõem definições sobre texto e as modalidades oral e escrita, além de considerações sobre os modos de organização do discurso (ou sequências textuais), narrativa e o relato, conforme concepções de Adam (2008), Bronckart (2009), Charaudeau (2009), entre outros. O relato de deslocamento é uma prática discursiva pela qual o sujeito reflete sobre sua autodefinição, suas relações sociais e demais práticas que denotam traços de pluralidade e individualidade identitários no dia a dia. Para essa reflexão apresentamos as concepções de Anna de Fina (2009), que expõe resumidamente estudos que focalizam a relação entre a identidade e a narrativa. Além desse aspecto, enfocamos a temporalidade na construção dessas narrativas.

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2010, época da realização da Copa do mundo de futebol, evento que se tornou um dos obstáculos enfrentados para a construção dos dados.

O terceiro capítulo apresenta a análise dos dados coletadas em ambiente escolar da fronteira. Nesta seção apresentamos a análise do relato oral produzido por um aluno em sala de aula. Analisamos inicialmente a temporalidade, quais os tempos verbais que mais ocorrem nessa modalidade textual. Além disso, analisamos as ocorrências dos sequenciadores e localizadores temporais no texto. Outro aspecto analisados são as referências temporais que mais se manifestam no relato. E concluímos o capítulo analisando a identidade e os actantes da narrativa.

O quarto capítulo também corresponde à análise dos dados coletadas em ambiente escolar da fronteira, sendo agora as narrativas reescritas produzidas em sala de aula pelos alunos a partir do texto oral. Esses textos foram transcritos e constituem o corpus das análises, e para isso estão organizadas em proposições (ou fases), de acordo com proposta teórica de Adam (2008) e Bronckart (2009). Estão, portanto, dispostas estruturalmente em situação inicial (orientação), complicação (desencadeamento), ações (acontecimentos), resolução (desenlace) e a situação final; além da avaliação o resumo.

E no quinto capítulo apresentamos os resultados das análises seguido da comparação entre o relato oral e os textos escritos. Inicialmente constatamos que a temporalidade se constrói a partir da coesão e alternância dos tempos verbais, mas com a predominância do tempo de base do mundo narrado (pretérito). Os sequenciadores e os localizadores espaciais e temporais também se alternam para estabelecimento temporalidade e progressão temática, mas com uma diferenças do relato oral para os textos escritos, ou seja, naquele destacando-se expressivamente os marcadores conversacionais, sem ocorrências nestes. Já os agentes das narrativas são introduzidos ou retomados de forma que se atribui aos “estrangeiros”

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CAPÍTULO 1

Narrativa e identidade: construindo um recorte teórico

1.1. NARRATIVA E DISCURSO

1.1 .1 A narrativa, o texto, o gênero e os modos de organização do discurso

As definições de relato ou narrativa, seja como organização ou gênero discursivo, são extensões das definições de texto. Uma das noções mais consensuais que se tem é que textos são estruturas linguísticas que servem para a comunicação em sociedade (KOCH, 2005 e 2006; ADAM, 2008; BRONCKART, 2009). Bronckart (2009) parte do entendimento de língua natural. Nesta concepção a língua funciona sempre baseada em um sistema linguístico que se realiza em uma comunidade e se concretiza mediante o uso dos recursos verbais veiculados pelos textos. Evidencia-se, assim, a importância do texto na comunicação humana, e isso dá a esse constructo um matiz mais concreto ao ser considerado uma realização que resulta da experiência dos sujeitos.

O texto representa muito mais que uma estrutura linguística ou gramatical,

deve, portanto, ir muito além da forma. Logo, “não deve, de forma alguma, ser visto

como uma unidade gramatical, mas como uma unidade de outra espécie: uma

unidade semântica”, de acordo com Halliday e Hasan (1976 apud ADAM, 2008,

p.22). Percebemos, assim, que se trata de um “processo”, por isso Koch (2005)

considera que uma dada estrutura linguística só será um texto a partir da interação entre os envolvidos (interactantes). E são os interactantes que constroem o sentido

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constrói a partir dele, no curso de uma interação” (KOCH, 2005, p.30, grifo da autora). Portanto destaca-se a concepção interacional da língua, em que os

envolvidos na produção são atores/construtores sociais, e assim “o texto passa a ser

considerado o próprio lugar da interação e os interlocutores, como sujeitos ativos

nele se constroem e são construídos” (KOCH, 2006, p.17). Esta é a concepção

adotada pelos estudos contemporâneos da Linguística Textual.

O texto se materializa na forma oral e escrita. Essa duas modalidades também divergem quanto à definição e natureza. Para Bronckart (2009) o texto oral e o escrito são definidos pelo contexto de produção, por isso um texto oral pode ser transcrito logo após sua produção, e um texto escrito pode ser reproduzido

oralmente. Adam (2008) afirma que “Há uma forma de oralidade que podemos denominar escriturada, a das transcrições das entrevistas da imprensa escrita, e

uma oralidade estilizada, a dos romances (...)”. E conclui que “as variações de forma entre o polo escrito e o polo oral são muito numerosas” (ADAM, 2008, p.208). Em sentido pragmático, os textos se organizam em gêneros textuais (BAKHTIN, 1996) –

construtos relativamente estáveis dotados de uma unidade composicional, temática e estilo –, assim há textos que originalmente são orais e outros que são escritos.

O texto escrito demanda uma maior elaboração, isto é, maior densidade lexical e informacional, abundância de nominalizações, frases complexas,

predomínio de orações subordinadas, entre outros aspectos. No texto oral, “devido à

co-presença dos interlocutores e do caráter on-line” da produção (BRONCKART,

2009, p.185) destaca-se o uso de dêiticos, redundâncias, pouca densidade informacional, frases curtas ou incompletas, predomínio de orações coordenadas, menor densidade lexical, além de marcadores conversacionais1. Nesse aspecto se

pode falar, enquanto modo de organização textual, em narrativa oral e escrita, modalidades que são determinadas por contextos sociais, históricos e culturais.

1 Os marcadores conversacionais, segundo Fávero et. al. (2007) designam elementos não somente

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Os gêneros se caracterizam por outra dimensão denominada de organização sequencial ou linear (BRONCKART, 2009). Adam (2008) considera que todos os textos são formados por sequências linguísticas consideradas básicas e que se (re)estruturam conforme a natureza dos gêneros textuais, e ainda representam

“agrupamentos semântico em unidades textuais de níveis crescentes de

complexidade” (ADAM, 2008, p.203). Nesse sentido Adam (2008) destaca o papel das macroproposições na constituição da sequência, afirmando que estas “são

unidades textuais complexas, compostas de um número limitado de conjuntos de proposições-enunciados”. Macroproposições são, portanto, “uma espécie de período cuja propriedade principal é a de ser uma unidade ligada a outras macroproposições, ocupando posições precisas dentro do todo ordenado da

sequência” (ADAM, 2008, p. 204).

Ainda para Adam (2008), “as macroproposições que entram na composição

de uma sequência dependem de combinações pré-formatadas de proposições”.2 (ADAM, 2008, p.204). Essas combinações constituem “modelos abstratos de que os

produtores e reprodutores de textos disporiam” (BRONCKART, 2009, p.218) para

comunicação e são chamadas descritiva, argumentativa, narrativa, explicativa e dialogal, que podem ser combinadas numa mesma estrutura, caracterizando a heterogeneidade composicional dos textos. Por fim, Bronckart (2009) acrescenta

que as sequências são “unidades estruturais relativamente autônomas, que integram

e organizam macroproposições, que, por sua vez, combinam diversas proposições, podendo a organização linear do texto ser concebida como produto da combinação

e da articulação de diferentes tipos de sequências”3 (BRONCKART, 2009, p.218,

grifo do autor).

Para Charaudeau (2009) os gêneros são “representações linguageiras” que

resultam das experiências dos indivíduos de um determinado grupo ou comunidade, e essas representações se organizam seguindo uma estruturação resultante da

2 Em geral a proposição é entendida como uma unidade narrativa mínima, ou seja, “Trata-se de uma

construção analítica que visa formalizar as unidades de base da sintaxe narrativa” (REIS, 1988,

p.183). É constituída, portanto, por actantes (normalmente representado por seres individuais ou antropomórficos), que assuem distintos papéis; e predicado, que pode ser verbal (representa processos mais dinâmicos) e adjetival.

3 No âmbito da teoria do texto narrativo, Reis (1988) considera que as sequências são “unidades

narrativas mínimas [que] organizam-se em ciclos que o leitor reconhece intuitivamente, dado o seu

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combinação de outros elementos. Assim o teórico francês apresenta procedimentos (mais ou menos equivalentes às sequências apresentadas por Adam) denominados modos de organização do discurso, que são argumentar, contar, enunciar e descrever. Gêneros e modos de organização apresentam características específicas que não permite confundi-los, já que um mesmo gênero pode resultar de mais de um modo de organização de discurso. Ainda para Charaudeau (2009, p.78) “Os gêneros

textuais tanto podem coincidir com um Modo do discurso que constitui sua

organização dominante quanto resultar da combinação de vários desses modos”.

Os modos de organização ou sequências discursivas se classificam de acordo com as funções. O enunciativo tem a ver com o posicionamento dos sujeitos (os protagonistas), ou seja, a influência, o ponto de vista e a retomada do que já foi dito pelos sujeitos. O descritivo visa identificar, localizar ou qualificar coisas ou seres, de forma objetiva ou subjetiva. O argumentativo objetiva expor e tentar provar um determinado ponto de vista, convencer o interlocutor através de argumentos. O modo narrativo visa construir uma sucessão de ações de uma determinada história num dado tempo e espaço, com a finalidade de fazer um relato. O modelo de Adam (2008) apresenta ainda a sequência explicativa, que visa explicar uma proposição que apresenta um problema, e a dialogal, que se caracteriza apenas nos segmentos de discursos interativos, ou seja, no engajamento dos interactantes em uma conversação. Contudo, convém aqui apresentar o esquema resumido de Charaudeau (2009):

Os modos narrativo e descritivo se coadunam para construção da narrativa. Faz-se necessário descrever seres, lugares ou cenas que compõem o contexto a ser narrado. A descrição apresenta o mundo como algo já constituído e de forma imutável, necessitando apenas ser mostrado. E essa mostra é fundamental para que o modo narrativo construa uma realidade sucessiva e contínua de ações, ou seja, para que o encadeamento da série de ações seja concretizado. Dessa forma as funções do descritivo e do narrativo, com suas respectivas visões de mundo (o imutável e o em processo) e, considerando os papéis que seus respectivos sujeitos

DISCURSO

(23)

desempenham (o observador e o “contador”), compõem o discurso da ordem do narrar e assim constroem a narrativa. No âmbito da narrativa literária, considerando tradicionalismo escolar no trato do texto narrativo (CHARAUDEAU, 2009), Genette (2008) afirma que:

Toda narrativa comporta com efeito, embora intimamente misturadas e em proporções muito variáveis, de um lado representações de ações e de acontecimentos, que constituem a narração propriamente dita, e de outro lado, representações de objetos e personagens, que são o fato daquilo que se denomina hoje a descrição (GENETTE, 2008, p.272).

A descrição assume um importante papel na construção da narrativa, tanto que Genette (2008) acrescenta que sem a descrição uma narração pode não existir, embora a descrição possa ser concebida independentemente. Em consonância com esse posicionamento, Reis (1988, p.23) acrescenta ainda que fragmentos de descrição que informam sobre personagens, tempo e espaço são facilmente identificados no conjunto da narrativa, pois “tendencialmente estáticos,

proporcionam momentos de suspensão temporal, pausas na progressão linear dos

eventos diegéticos”. Portanto, salvo o destaque que o modo descritivo assume na

construção do discurso narrativo, este trabalho se deterá mais às exposições da sequência narrativa ou modo de organização narrativo.

1.1.2 A narração, a narrativa ou o relato

(24)

transformações que ocorrem numa ordem temporal. Ainda que se postule de forma genérica que narrar é contar fatos ou uma história, Charaudeau (2009) acredita que uma definição não é tão simples assim, por isso suas análises partem da função do narrativo (CHARAUDEAU, 2009).

A narrativa é o ato de contar uma história, relatar conteúdos de eventos numa ordem sequencial (DE FINA, 2009; REIS, 1988). Essa definição leva à conclusão de que há uma nítida distinção entre o modo de organização narrativo, entendendo este como uma sequência ou uma estrutura organizacional, e a narrativa, considerado aqui como o gênero, ou seja, uma manifestação concreta de uma história contada.

Essa concepção é corroborada por Charaudeau (2009) ao afirmar que a “narrativa é uma totalidade, o narrativo é um de seus componentes” (CHARAUDEAU, 2009,

p.156, grifo do autor). Portanto o modo de organização narrativo se refere ao

processo de construção, enquanto que a narrativa seria o “resultado” do processo.

Pode-se ainda observar que há uma discussão terminológica relativamente fluida entre narrativa e narração. Adentrando no campo da teoria literária, Moisés

(1992) adota o termo “narrativa” para designar de forma ampla o gênero, enquanto que “narração” seria um recurso expressivo da prosa de ficção, equivalente ao modo

de organização do discurso (NUNES, 2003). A essa concepção de Moisés (1992) alinha-se Genette (2008) que, ao propor distinção entre descrição e narração, parece evidenciar uma diferença entre narração e narrativa, ao afirmar que a

“narração liga-se a ações ou acontecimentos considerados como processos puros, e por isso mesmo acentua o aspecto temporal da narrativa” (GENETTE, 2008, p.275). A narração é um processo que se organiza em torno do relato de acontecimentos, seguindo uma lógica de ações, estruturado em início, meio e fim, em sequências textuais. O relato seria o produto da narração.

Ante as noções teóricas apresentadas, para o caso específico dessa investigação, adotaremos o termo relato, assumindo para este uma definição “de manera sucinta, como la construcción progresiva por la mediación de un narrador, de un mundo de acción e interacción humanas, cuyo referente puede ser real o

(25)

(GENETTE, 1982). Portanto é algo consubstancial ao ser humano, pois, entre outras considerações, acredita-se que é uma das formas de expressão mais utilizadas pelo homem ao longo de sua história, e dessa forma se relaciona com a maneira como as pessoas apreendem o mundo, podendo aproximar os indivíduos dos conhecimentos em geral em todos os tempos, lugares, culturas e distintas classes sociais.

Podemos concluir que há uma infinidade de tipos de relatos, assim como uma grande variedade de gêneros, que, considerando distintos pontos de vista, pode servir como instrumento de estudo e análise para diversas áreas de investigação, como a linguística, a sociologia, a psicologia, a história, entre outras. Além disso, fazendo parte da existência humana desde o começo dos tempos, pode-se assegurar que o relato tem como função dar sentido aos fenômenos humanos, causar prazer, construir a realidade e veicular conhecimento da realidade social, explicando-a. Afinal, “el contenido narrativo es un mundo de acción humana cuyo

correlato reside en el mundo extratextual, su referente último” (PIMENTEL, 2005, 10). O relato pode ser manifestado pela articulação da linguagem, nas modalidades oral e escrita. Este é um ponto de discussão que apresentaremos neste trabalho.

1.1.3 O relato de deslocamento

(26)

tendo esse processo várias consequências. Pode-se falar de deslocamento de pessoas internamente e também pode se estender às fronteiras de países vizinhos.

Modernamente pessoas e objetos são passíveis de deslocamentos de diversas formas. Internamente ou em se tratando de uma fronteira transnacional, o deslocamento de pessoa, populações ou comunidades inteiras ocorre motivado por fatores, como catástrofes naturais, conflitos bélicos, turismo, emprego ou pelo comércio. Estes três últimos são os principais motivos dos deslocamentos que ocorrem de forma temporária na fronteira Brasil / Venezuela, respectivamente entre as cidades-gêmeas de Pacaraima e Santa Elena de Uairén. Nesse ambiente o deslocamento é significativo para o sujeito brasileiro ou venezuelano que cruza a

fronteira diariamente, já que nesse evento ele entra em contato com o “outro” e

todos os seus aspectos socioculturais, questões relacionadas à linguagem, entre outros elementos, enfim, tem-se um encontro de culturas e identidades. Esse aspecto será tratado mais adiante nesta dissertação.

Considerando que o relato é parte constituinte da natureza humana ao longo de seu percurso histórico, estando diante de acontecimentos importantes e simbólicos, como o deslocamento de fronteiras, o sujeito sente a necessidade de relatar esse movimento de troca, a natureza do contato e suas consequências.

Segundo De Fina (2010) é “a existência de expectativas compartilhadas sobre o

cruzamento da fronteira (...) que faz da travessia um evento que merece ser

narrado” (DE FINA, 2010, p.93). Daí a proposta de objeto de análise desta pesquisa,

o relato de deslocamento produzido no contexto fronteiriço. Com o ponto de vista da semiótica, Courtés (1997) define relato como a passagem de um estado para outro, o que supõe a articulação de dois estados que parecem opor-se ou complementar-se, assim estabelece três estruturas que ele denomina de relato mínimo: permanência x mudança; contínuo x descontínuo; e identidade x alteridade. Este último par opositivo será analisado no corpus desta pesquisa.

Em seus estudos sobre deslocamento de imigrantes De Fina (2010) entende

a narrativa como uma “prática social e discursiva, na qual narradores e ouvintes se

engajam em processos significativos de construção e reconstrução de experiências”.

(27)

nessa perspectiva significa tomar o relato não como um produto, mas como um processo que implica no entendimento de contextos locais e globais. E esse aspecto é observado na análise das narrativas coletadas na fronteira Brasil / Venezuela.

De Fina (2010) foca seus estudos na análise da orientação (fase proposta por Labov) das narrativas, e para isso leva em consideração que na produção da orientação os narradores apresentam problemas de informação e tendem a pedir ajuda de seus interlocutores, que frequentemente se engajam nos esclarecimentos dos detalhes dessa orientação (DE FINA, 2010). Esses aspectos são observados na narrativa oral analisada na pesquisa aqui proposta. No relato oral analisado, não somente na fase de orientação, mas em outras o narrador solicita ajuda de seus interlocutores, conforme ressaltaremos nos capítulos 3 e 4.

1.1.4 A narrativa e a Sociolinguística

Ao tomarmos a linguística como ciência que estuda a linguagem, adentramos em um campo que abriga inúmeras ramificações de estudos da linguagem humana. Dentre essas podemos falar em Sociolinguística, que passa a ser definida, segundo Calvet (2002), a partir do entendimento da natureza de língua. Conforme estudos de

Saussure a língua é a parte essencial da linguagem e esta é a “‘parte social da linguagem’, exterior ao indivíduo; não pode ser modificada pelo falante e obedece às

leis do contrato social estabelecido pelos membros da comunidade” (PETTER, 2007,

p.14). É a partir dessa concepção social da língua que a Sociolinguística estuda a língua em seu contexto social (CALVET, 2002), a fala correlacionada à sociedade, as influências dos aspectos sociais nas diferentes expressões de fala. De acordo com o contexto comunicativo ou áreas de interesse (MOLLICA, 2007), contato, surgimento e extinção das línguas, variação, mudança, dentre outros, a Sociolinguística pode assumir duas vertentes: a Sociolinguística Variacionista e a Sociolinguística Interacional.

(28)

extratificação social do inglês em 1964. Esse estudo sublinha o papel decisivo dos

“fatores sociais na explicação da variação linguística, isto é, da diversidade linguística observada” (ALKIMIN, 2006, p.30). Assim fixa um padrão de interpretação de fenômenos linguísticos relacionados a contextos sociais, ou seja, leva em consideração fatores como a idade, o sexo, o nível social, a origem étnica, etc. Essas características do locutor e do falante podem influenciar no modo como o indivíduo usará seu repertório ao se comunicar. Portanto a preocupação da Sociolinguística Variacionista é a variação linguística que se observa no meio social em que o indivíduo se insere. A principal constatação dessa Teoria é que a língua não é homogênea, existindo assim diversas variedades em um mesmo idioma.

Dentre as variações de assuntos que cobrem a Sociolinguística, surgiu a Etnografia da Comunicação. Segundo Camacho (2006), essa área interessou-se em

descrever as formas dos “eventos de fala”, analisando as regras relacionadas à “seleção que o falante opera em função dos dados contextuais”, voltado para a relação estabelecida com o interlocutor, o assunto da conversa, e “outras

circunstâncias do processo de comunicação, como o espaço e o tempo e, sobretudo, as regras que dirigem o modo como cada participante sustenta a

interação verbal em curso” (CAMACHO, 2006, p.49-50). Mais tarde essa área foi denominada de Sociolinguística Interacional, portanto, direcionando seus estudos sobre a linguagem na comunicação entre as pessoas e o contexto em que essa comunicação se desenvolve. Logo, dentro de certo ambiente social, o sujeito reage às situações de interação face a face. Estuda-se o modo de agir do falante no momento da interação, tendo como aspectos influentes quem fala, o assunto, o local e a circunstância do momento da fala.

(29)

Os interagentes levam em consideração não somente os dados contextuais relativamente mais estáveis sobre os participantes (quem fala para quem), referência (sobre o quê), espaço (em que lugar) e tempo (em que momento), mas consideram sobretudo a maneira como cada um dos presentes sinaliza e sustenta o contexto interacional em curso (TELLES, 2002, p.8).

Neste trabalho investigativo apoiamo-nos no posicionamento teórico da Sociolinguística interacional para o estudo do relato de deslocamento, pois consideramos que, ao propor “o estudo do uso da língua na interação social”

(TELLES, 2002, p.8), possibilitando o entendimento da interação face a face, essa disciplina possa dar suporte às análises, já que os relatos levam em consideração o contexto de produção e o envolvimento dos participantes como aspectos determinantes para compreensão dos diversos aspectos a serem analisados.

1.1.5 A narrativa na escola e a produção escrita

Quando se fala em produção textual na escola, sabe-se que tradicionalmente essa instituição tem como compromisso levar o aluno ao contato e domínio da modalidade escrita da língua, acreditando em sua função social na escola. É notório também que em todos os segmentos do ensino básico a narrativa é definida como um gênero escrito, normalmente denominado de redação escolar. A prática desta

“limitou-se à elaboração de um texto escrito sobre um tema proposto (ou imposto), em que o aluno deveria pôr em prática as regras gramaticais aprendidas num

momento anterior” (SUASSUNA, 2004, p.41). É nessa perspectiva que Ilari (1997)

considera que o objetivo da redação seria “basicamente, de obter uma expressão

correta, exigência genérica que depende de habilidades variadas: puramente

gráficas, gramaticais, de vocabulário, etc.” (ILARI, 1997, p.73).

(30)

que uma simples forma. Nesse aspecto é possível que não se leve em consideração o processo de interação que se estabelece quando se produz um texto na vida cotidiana. Por isso Suassuna (2004, p.41) acredita que dessa prática decorrem

muitas dificuldades de produção para os alunos, já que a escola “subtrai da práxis linguística marcas que lhe são tão peculiares, como a dialogicidade, a relação

intersubjetiva (...)” (SUASSUNA, 2004, p.43). O que se vê cotidianamente é o aluno produzir textos para cumprir uma tarefa escolar, visando à reprodução de um conhecimento verbal esperado pela escola e sociedade; assim, muitas vezes se escreve para o professor (possivelmente seu único leitor), que atribuirá uma média visando aprovação no final do ano letivo.

A prática de produção de textos no ambiente escolar contexto desta pesquisa, de acordo com informações de um professor de língua portuguesa da referida escola, não é diferente do que se apresentou acima. O enfoque principal é um direcionamento para a prática da escrita. Predomina então a primeira concepção de

escrita proposta por Geraldi (1993, p.135), a qual determina que se escreva “para a escola”, pois o aluno produz uma redação para o professor ler e atribuir nota, sem

demonstrar o seu ponto de vista. Outra concepção é denominada “na escola”,

responsável pela produção de texto, na qual o aluno atribui-lhe o seu ponto de vista, que pode contribuir na construção de novas produções ou até mesmo no trabalho da reescrita (GERALDI, 1993).

Na sala de aula escolhida para a aplicação da atividade visando à construção dos dados da pesquisa, propomos aos alunos a reescrita de uma narrativa baseada em uma narrativa oral previamente produzida por um dos alunos. Embora a narrativa oral tematizasse uma situação comum a todos os alunos, e, mesmo com a ausência do professor de língua portuguesa, observamos a preocupação de alguns alunos

(31)

1.2. A TEMPORALIDADE E A NARRATIVA

1.2.1 O que é tempo?

Igualmente a muitos fenômenos relacionados ao funcionamento da linguagem em sociedade, a temporalidade, sob vários prismas e distintos objetos de investigação, há muito desperta interesse de pesquisas de renomados teóricos de diversas áreas, como a filosofia, a física, a psicologia, a narratologia, a semiótica, entre outras. Mas para discorrer sobre esse tema e sua relação com a narrativa, antes é relevante percorrer por reflexões que tentam definir o que é tempo, categoria tão complexa de conceituação, conforme atestaram historicamente indagações dos lógicos e filósofos antigos. Inicialmente se pode conceber que uma concepção de tempo demanda das experiências do homem, sejam individuais, sociais ou culturais, logo se conclui que há impossibilidade de se estabelecer conceito único e absoluto4.

O tempo faz parte do cotidiano de todos os homens, que o vivencia subjetivamente sem a necessidade de conceituá-lo. Portanto está presente em todas as atividades práticas, o que permite o estabelecimento de classificações, como a que apresenta Nunes (2003), ao estudar a narrativa literária e a relação com o tempo. O tempo físico é o que pode ser mensurado, seguindo assim uma ordem objetiva com base na conexão causa e efeito, e está relacionada à sucessão dos

eventos naturais, “é um contínuo uniforme, infinito, linear, segmentável à vontade”

(BENVENISTE, 1989, p.71). O tempo psicológico se refere ao tempo vivido interiormente, isto é, a duração interior dos eventos que ocorrem de forma imprecisa e descontínua com relação à referências temporais objetivas; é de caráter eminentemente subjetivo, qualitativo e variável, portanto distinto de um indivíduo para outro.

4 Na esteira de definição de tempo, Corôa (2005) apresenta três teorias, propostas e analisadas por

(32)

No capítulo A linguagem e experiência humana Benveniste (1989) fala em tempo cronológico. Este é o tempo no qual estão situados os acontecimentos, que englobam a própria vida, a qual, por ser constituída de uma sucessão de eventos, está ligada ao tempo físico; é o tempo medido pelo relógio. Inserido na temporalidade cronológica se percebem três tempos: o tempo litúrgico, que é voltado para o calendário das celebrações religiosas e rituais. O tempo político, regido pelos eventos cívicos, como as festas patrióticas, etc. O tempo histórico, que se baseia na duração das formas históricas, variável conforme os diversos padrões culturais; representa intervalos que podem ser mais curtos, como guerras e revoluções, ou outros eventos longos, como o advento do capitalismo ou o desenvolvimento do feudalismo, o iluminismo, etc. (conforme o evento, o ritmo desse tempo pode ser lento ou célere). Essa classificação de tempo apresentada por Nunes (2003) pode assim ser resumida5:

Nessa classificação Benveniste (1989) dá relevo ao tempo cronológico, pois sua natureza implica na visão de mundo do homem e na representação das

experiências pessoais, ou seja, regula a própria existência cotidiana, assim “é o fundamento da vida das sociedades” (BENVENISTE, 1989, p.72). E ainda, ao se configurar em sequências contínuas de eventos este tempo abriga expressões

temporais específicas, conforme a cultura em questão. Por isso, para Benveniste “É

necessário que nos esforcemos para caracterizá-lo em sua estrutura própria e em nossa maneira de concebê-lo” (BENVENISTE, 1989, p.71). Igualmente ao tempo

5 Igualmente com intento de compreender a natureza do tempo, Corôa (2005) apresenta uma

classificação análoga a essa, comumente encontrada em estudos linguísticos e que representa uma posição comum de muitos estudiosos da língua, sendo: tempo cronológico, que se caracteriza

por um “ponto em contínua deslocação em direção ao futuro, de duração constante, uniforme e

irreversível” (CORÔA, 2005, p.22); tempo psicológico, cuja duração é inconstante e disforme, haja

vista sua ocorrência no mundo interno da pessoa. O terceiro é o tempo gramatical, que se caracteriza em português, pelo acréscimo de morfemas a um radical.

Tempo

Físico Psicológico Cronológico Linguístico

(33)

físico, o tempo crônico assume uma versão da realidade subjetiva e objetiva, essa muito buscada por distintas culturas e épocas; é o tempo socializado, que situa o homem na história.

A relação do sujeito com a linguagem fundamentalmente se processa pelo discurso, por conseguinte, além da noção de categoria de pessoa (ou interactantes), outra categoria relevante é o tempo. Tem-se assim, ao contrário do tempo cronológico, um tempo específico da língua: o tempo linguístico. Esse tipo de tempo é uma das formas linguísticas que revelam com mais propriedade a experiência subjetiva do indivíduo, e sua relação com a fala é muito profunda, conforme atesta Benveniste (1989, p.74) na afirmação de que o que particulariza esse tempo é “o

fato de estar organicamente ligado ao exercício da fala” e também “de se definir e de se organizar como função do discurso”.

O centro do tempo linguístico está no presente do momento da fala. Isso significa que quando uma pessoa fala com outra é agora que se fala, ou seja, a forma linguística agora marca o presente da enunciação, representando o eixo temporal a partir do qual outros acontecimentos se ordenam, ou em retrospecção (passado) ou em prospecção (futuro). Esse deslocamento temporal torna o tempo linguístico intersubjetivo, condição que efetivamente possibilita a comunicação linguística. Mesmo com a progressão do discurso o presente continua presente, ou seja, ele situa o acontecimento contemporaneamente ao instante do discurso, e os acontecimentos retrospectivos e prospectivos a esse momento atualizam-se através dos marcadores temporais explícitos hoje, ontem, amanhã, depois, etc. Sobre esse aspecto Benveniste (1989) afirma que:

(34)

Contribuindo com a discussão sobre o presente, numa concepção de cunho mais filosófico, em Confissões (2002), Santo Agostino conduz à conclusão de que o presente é o único tempo efetivamente possível, pois para ele o passado não existe realmente e o futuro ainda não chegou. Mesmo quando se fala do passado ou do futuro se está utilizando o presente, já que os eventos se realizam no presente, e este sim, tem a possibilidade de ser medido em longo ou breve, mas somente enquanto passa; quando se trata do passado ou do futuro tais mensurações não seriam possíveis. O filósofo indica ainda que a comprovação da existência do tempo se dá pela própria linguagem, afinal quando se fala do passado, por exemplo, o que vem à memória não são os fatos em si, mas as palavras que representam as imagens dos acontecimentos, que já não existem mais.

1.2.2 A construção da temporalidade

Não é fácil chegarmos a uma definição rigorosa e absoluta do tempo, pois há quem diga que este é uma abstração, ou que é uma convenção social, entre outras especulações oriundas de pontos de vistas de distintas áreas. Contudo é fato a presença do tempo no cotidiano e em toda existência dos seres humanos. Tal existência se configura por um processo de mudança contínua dos acontecimentos, e a sucessão desses eventos, que ocorre naturalmente num determinado tempo, denomina-se temporalidade. Logo, esse componente define-se como a condição dos processos que envolvem relações temporais. A classificação do tempo apresentada anteriormente (1.2.1), especialmente o tempo cronológico, evidencia que a temporalidade se constrói de diversas maneiras no uso da linguagem. Para análise nesta dissertação interessa particularmente o tempo linguístico.

Os acontecimentos que representam a experiência humana têm papel

relevante na construção da temporalidade, já que esses se processam numa “linha”

(35)

que “as categorias de passado ou de futuro são definidas em relação ao presente da

enunciação”, ou seja, equivale ao momento da fala, portanto é “‘passado’ aquilo que é colocado como não sendo mais verdadeiro na situação de enunciação, é ‘futuro’ o que é colocado como não sendo verdadeiro ainda”. Nesse sentido, a temporalidade

do passado pode assumir várias distâncias dentro da experiência das pessoas, mas a temporalidade de futuro somente ocorre enquanto previsão de experiência.

Todas as línguas, flexionais ou não, apresentam formas linguísticas de expressão temporal, conforme se observa nos estudos de Benveniste (1989). E a articulação das oposições temporais presente, passado e futuro caracteriza um movimento necessário para expressão linguística. É o movimento de transcendência dessas oposições, seja no plano individual, cultural ou histórico, que caracteriza a temporalidade em sentido amplo. Esses deslocamentos de planos temporais se manifestam linguisticamente através das formas verbais – inclusive há línguas que

dão ao verbo a denominação de “palavra temporal”. Mas Corôa (2005) afirma que essa designação também se aplica a outras categorias gramaticais, como os advérbios, as conjunções, os numerais e os adjetivos, que também podem expressar a ordem temporal dos acontecimentos, embora a primazia seja do verbo, conforme concluem os teóricos estudados6.

É nesse sentido que pesquisas tradicionais costumam apresentar uma relação íntima entre os tempos verbais e a noção de tempo7. Além disso, para

Benveniste (1989), na análise dessa relação muitos estudos traçam sérias confusões, por exemplo, propor que somente as formas verbais traduziriam a noção de tempo, ou ainda, que o sistema temporal reproduz a natureza do tempo objetivo. Sobre isso o autor assegura que, tanto o tempo físico quanto o tempo cronológico comportam a versão objetiva e subjetiva da realidade. Mas o fato é que o verbo assume a tarefa de situar o processo de comunicação no tempo. Estudos recentes evidenciam que o verbo apresenta uma grande variedade em seu sistema flexional e

6 Esse aspecto refuta a noção ainda constante no ensino de língua, a de que somente a categoria

gramatical do verbo traduziria a ideia de tempo.

7 Os estudos de Corôa (2005) mostram a relação intrínseca do verbo com a noção de tempo, contudo

ela apresenta teóricos que, ao exemplificar uma variedade de línguas, mostram que a expressão temporal nem sempre se manifesta através das formas verbais. A autora apresenta ainda a definição de verbo, o que a leva a conclusão de que “os verbos estão sempre associados à noção temporal” (CORÔA, 2005, p.34). Consoante a isso Benveniste (1989) também apresenta exemplos

(36)

talvez esse vínculo não seja suficiente para explicar tal variedade, por isso é necessário acrescentar outras noções conceituais. Diante dessa variedade é que surgem as noções de aspecto e modos.

Os tempos verbais são importantes, segundo Bronckart (2009), para organizar temporal e/ou hierarquicamente os processos expressos semanticamente pelos verbos no texto e isso é assegurado pela coesão verbal. Esta representa um dos conjuntos de mecanismos de textualização, ao lado da conexão e da coesão nominal8, defendidos pelo autor. Em consonância com Corôa (2005), Bronckart (2009)

diz que não somente os morfemas têm essa função, mas também outros lexemas e principalmente os organizadores textuais9 (estes com ocorrência privilegiada nos textos

do modo de organização narrativo) apresentam valor temporal e assim atuam de forma coesa com as formas verbais nessa organização. Portanto, a coesão verbal consiste num processo de construção da temporalidade, já que se baseia na

“combinação” de elementos que organizam a ordem temporal dos acontecimentos.

Nesse processo Bronckart (2009) destaca os tempos verbais e suas respectivas funções. O tempo presente tem grande ocorrência, podendo ser este de valor gnômico (validade geral). No caso de texto narrativo, o pretérito perfeito e o imperfeito são tempos considerados de base, contudo podem assumir papéis diferentes na organização dos processos verbalizados. Esses pretéritos contribuem para a organização do que Bronckart (2009) chama de temporalidade primária da narração, ou seja, o que esclarece o tipo de relação que há entre “a progressão da

atividade narrativa e progressão efetiva dos processos constitutivos do conteúdo

temático” (BRONCKART, 2009, p.127). Ocorre também a função de temporalidade secundária, a qual estabelece a relação temporal entre dois processos verbalizados. Há ainda a função de contraste local, que visa colocar como pano de fundo um processo verbalizado em relação a um outro processo central, o que ocorre normalmente por encaixamento sintático.

8 O mecanismo de conexão utiliza os organizadores textuais para marcar as articulações da

progressão temática. A coerência nominal tem a função de introduzir o tema ou os personagens e assegurar as retomadas no desenvolvimento do texto (BRONCKART, 2009).

9 Os organizadores textuais a que Bronckart (2009) se refere são conjunções, advérbios ou locuções

(37)

As formas verbais de presente figuram mais na ocorrência de segmentos de discurso interativo, sendo assim consideradas tempo de base. Nesse sentido o presente possui um valor de simultaneidade, o que significa a coincidência entre o momento no qual se realiza a fala e o momento em que se processam os acontecimentos, ou seja, ao empregar um verbo no presente se está designando,

segundo Maingueneau (2008, p.106), “o próprio momento em que se produz o enunciado que contém esse presente”. Mesmo que na construção da temporalidade

se busque uma coesão entre os tempos verbais, esta não logra um forte rigor, pois, dependendo da intenção do narrador ou da natureza da narrativa, é possível que o tempo predominante do discurso se alterne com outros tempos. Tal fato pode caracterizar esses mecanismos como particularmente complexos.

Ao abordar a temporalidade, Bronckart (2009) afirma que os valores desta são expressos pelos determinantes dos verbos, ou seja, os tempos verbais presente, as variações do passado, etc., e às vezes, por alguns subconjuntos de advérbios. Destaca também que é importante que esses valores devam ser analisados considerando a relação entre o momento da fala (tempo de produção ou de enunciação) e o momento do processo expresso pelo verbo (momento do evento ou tempo da predicação), com esta perspectiva se identifica as relações de simultaneidade (expresso por formas de presente), anterioridade (expresso por formas verbais de passado) e posterioridade (expresso pelas formas verbais de futuro), estes dois últimos processados com base no momento da produção (simultaneidade).

Sobre esses momentos, ou “pontos” temporais, alguns estudos (CORÔA,

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