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3. A POLÍTICA DE COMERCIALIZAÇÃO DO PRÉ-SAL E A POLÍTICA EXTERNA

3.2 A criação do Departamento de Energia e a importância do pré-sal

A partir do governo Lula a internacionalização da Petrobras na América Latina deixou de objetivar somente a integração regional visando a segurança energética. Segundo Felipe (2010, p. 174) esta tarefa passou a ser encarada pela diplomacia brasileira como um instrumento para aumentar a influência econômica e política brasileira na região. Neste sentido, a Petrobras torna-se cada vez mais um ator político e o BNDES, através da sua capacidade de efetuar empréstimos, passa a ser incorporado à estratégia (ALÉM e CAVALCANTE, apud FELIPE, 2010, p. 174).

Neste sentido, durante o governo Lula surge “a necessidade de concretizar e dar uma dimensão mais pragmática à integração energética sulamericana” (Santos, 2009, p. 129, tradução livre). Como a relação com os países vizinhos passou a focar-se cada vez mais em relativos à energia, decide-se pela criação do Departamento de Energia dentro do Itamaraty, no ano de 2006 (ibidem). Para Santos (ibidem) o objetivo da criação do referido Departamento era alinhar as questões energéticas da região com os interesses da diplomacia brasileira. Segundo ela, havia a percepção de que a eficácia da atuação do Itamaraty na intermediação diplomática das questões envolvendo a integração

energética seria maximizada se seus objetivos e instrumentos fossem alinhados com as demais políticas do Estado.

Segundo a autora, a relação entre o Departamento de Energia e a Petrobras nos anos que se seguiram à criação do primeiro pode ser descrita como próxima e profícua. Para o conselheiro Breno de Souza Brasil Dias Costa, entrevistado por ela em 2009, depois da mudança em principio o Itamaraty poderia continuar auxiliando diplomaticamente a Petrobras em situações conflitivas em países nos quais mantivesse atividades, mas somente por decisão do Governo Federal. Isso também permite concluir que um dos objetivos principais da criação do Departamento foi alinhar a atuação diplomática com a política mais geral do Estado.

Retomando Diniz (1995, 1996, 1998a, 1998b), conclui-se que uma maior formalização da relação entre a Petrobras e o Itamaraty a partir de 2006 pode ser analisada sob a ótica do conceito de governança. Talvez seja possível interpretar que essa nova configuração institucional esteve inserida num plano de melhor “definir as estratégias gerais de ação e as grandes diretrizes que“ (..) dali em diante passariam a nortear “as decisões governamentais, evitando assim metas contraditórias” (DINIZ, 1995, p. 401-2).

De fato, em artigo escrito em 2006 - no qual discute a crise energética e diplomática daquele ano na Bolívia em um contexto de alguma dependência de fontes externas de energia-, Bicalho (2007, p. 40-41) já atentava que era necessária uma maior integração entre as políticas energética e externa do país. A atuação da política externa seria necessária à época para assegurar que o acesso às fontes externas de energia se desse da forma mais eficiente e contínua possível, que são alguns dos objetivos da política energética. Em seu artigo, Bicalho destacou ainda que “a política energética é estratégica e a garantia do suprimento energético crucial, portanto não podem ser subordinados aos objetivos da política externa (ibidem, p.41). Assim, ele critica eventuais perdas impostas pela política externa brasileira à Petrobras quando da nacionalização de algumas instalações de exploração e produção e de transporte de gás na Bolívia em 2006. Vale destacar que para o Entrevistado nº 2, à época diretor de Gás

e Energia da Petrobras e atualmente Diretor do Instituto de Eletrotécnica da USP66, essas perdas foram pontuais.

O esforço de aprimorar a coordenação entre a política energética e a externa – no sentido de coadunar objetivos, delegar funções e dirimir conflitos, que são características do conceito de governança - pode ter justificado a redação do parágrafo único do Decreto Nº 5.979 de 6 de Dezembro de 2006 - atualizado pelo nº 7.304, de 22 de setembro de 2010 – o qual especifica que “no exercício de suas atribuições, o Departamento de Energia atuará em coordenação com o Ministério de Minas e Energia, demais órgãos da administração pública e entidades da sociedade civil relacionados com os temas em questão.” Segundo os incisos 1º e 2º do Artigo 35 do Decreto nº 7.304, de 22 de setembro de 2010 caberiam ao Departamento de Energia, no âmbito dessa relação interministerial, as tarefas de “propor diretrizes de política exterior no âmbito das relações bilaterais, regionais e nos foros internacionais relativos a recursos energéticos renováveis e não renováveis” e de “tratar das negociações internacionais na área geológica e mineral, inclusive acordos para importação e exportação de minérios”. Da Silva, Spécie e Vitale (2010) criticam essa definição argumentando que “se por um lado há um reconhecimento formal recente da coordenação de departamentos temáticos do MRE (ex.: Departamento de Energia) com outras pastas ministeriais temáticas, como é o caso de sua atuação em “coordenação com o Ministério de Minas e Energia, (...) por outro lado, não existem padrões ou critérios (ex.: mecanismos de audiências e consultas periódicas ou comissões permanentes e conselhos deliberativos) que organizem essa coordenação ou colaboração de modo previsível.” Assim, embora segundo Santos (2009, p. 139) o Itamaraty desenvolva um trabalho permanente com o MME e que os dois órgãos realizem reuniões constantes e troquem informações, essa relação não seria suficientemente institucionalizada.

Santos (ibidem) destaca ainda que de 2006 a 2009 a importância do referido Departamento teria aumentado bastante, de tal forma que o governo tenha criado a Subsecretaria de Energia e Alta Tecnologia para dar-lhe um status mais destacado. Esta entrou em funcionamento em outubro de 2008. Atualmente, a referida Subsecretaria passou a chamar-se “Subsecretaria-Geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia”, em face do Decreto nº 7.557, de 2011. Com base em entrevista realizada

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com o conselheiro Breno de Souza Brasil Dias Costa em 2009, à época chefe da Divisão de Recursos Energéticos Não-Renováveis (DREN), a autora destaca que a maior importância do Departamento pôde ser atestada também pela quantidade de foros, reuniões, seminários e demais encontros para os quais o Brasil e o Departamento de Energia foram chamados.

Para a Entrevistada nº3, embaixadora e Diretora do Departamento de Energia do Itamaraty67, este “foi criado em 2006 por que há mais de 20 anos não havia uma área de energia no Itamaraty”. Para a diplomata, o tema da energia nos últimos anos ganhou em espaço nas discussões internacionais em função do patamar de preços e de uma expectativa de escassez de petróleo em um futuro não muito distante. Neste sentido, haveria um movimento internacional em busca de segurança energética. Essa busca, em especial por parte dos países industriais do norte, diria respeito tanto a fontes não renováveis de energia como à procura por reservas não convencionais, que se teriam tornado viáveis com o patamar mais elevado de preços. Para a Entrevistada nº3, um exemplo relevante do segundo movimento seria a recente revolução do shale gas nos Estados Unidos. Neste sentido, ela explica:

“o Departamento de Energia do Itamaraty foi criado para inserir o Brasil neste cenário de discussão e tendências internacionais na área de energia. Nós temos que pensar como inserir o Brasil nessa discussão internacional por que ele é um país importante energeticamente. Hoje o Brasil é o país que se sabe que tem uma das maiores participações de energias renováveis em sua matriz energética. (...) Havia aqui no Itamaraty diversos setores que cuidavam um pouco de alguns temas energéticos, mas não havia uma coordenação, uma visão estratégica desse tema nas discussões internacionais.”

A descoberta do pré-sal tende a aumentar a relevância do Departamento de Energia. Sobre a nova inserção do Brasil na indústria mundial de petróleo, o Entrevistado nº 468, professor do Instituto de Economia da UFRJ e ex-diretor do BNDES, argumenta que com o pré-sal:

“o Brasil se torna um ator importante por duas coisas, no meu ponto de vista. Primeiro, os dados do EIA mostram que, um ou dois anos atrás, que se você projetasse daqui a 2030 o Brasil era a maior frente de expansão petrolífera do mundo. A segunda coisa é a fronteira aberta. Por mais que agora se tenha a lei da

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A entrevista foi realizada no dia 27/11/2012. 68

partilha, as empresas grandes ainda precisam de espaço para crescer. O que muda? Mudam duas coisas. A importância do Brasil para os Estados Unidos muda um pouco. Esse petróleo vai para os Estados Unidos? Vai, veja a proximidade. Estamos fora das áreas conflagradas. Nós não estamos no Oriente Médio, não estamos na África, não estamos no Mediterrâneo. Somos muito estáveis desse ponto de vista. Então, há um apreço à entrada do Brasil exportando em torno de 1 milhão de barris por dia. Ou seja, não é uma Brastemp, mas é algo relevante. Então, tem uma relevância, do meu ponto de vista, de grau. Nós não vamos ser a Arábia Saudita. Mas, do ponto de vista externo, é claro que o departamento de Estado, é claro que as empresas americanas começam a olhar de forma diferente, para bem ou para mal.”

Por sua vez, o Entrevistado nº 569, professor do Instituto de Economia, afirma, em linha similares, que:

“Na questão da política externa você tem uma agenda positiva. O pré-sal ajuda a política externa, o país se torna mais atrativo do ponto de vistas das relações internacionais, se torna mais cobiçado. O pré-sal é uma coisa que o Itamaraty gosta, ele prefere o Brasil com pré-sal do que sem o pré-sal.”

Neste sentido, Pinto Junior (2012, p. 4) defende que “a nova posição brasileira no cenário geopolítico internacional já despertaria, hoje, forte interesse de potenciais parceiros comerciais”. Para ele, a ação dos países em termos da busca por segurança energética tem se focado na ampliação da participação de fontes renováveis e mais limpas na matriz energética e na diversificação das fontes de suprimento de petróleo. Isso teria motivado as empresas e governos dos países dependentes de importações a entrarem no segumento de exploração e produção de petróleo do Brasil. Para Pinto Junior (ibidem) o novo cenário geopolítico petrolífero do Brasil pode acarretar e/ou requerer que se estabeleçam novas relações de comércio internacional de petróleo bruto e de derivados com os grandes países importadores; que se amplie a participação de empresas internacionais no upstream, seja através de leilões de novos blocos ou pela aquisição de direitos em blocos já licitados; que se elaborem no novas parcerias voltadas para a inovação tecnológica nas atividades de exploração e de produção; que se criem oportunidades de desenvolvimento da indústria de equipamentos e serviços vinculados à cadeia produtiva de petróleo e gás.

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Neste contexto, em função do maior interesse despertado pelo pré-sal a Entrevistada nº 370 explica qué é crescente o número de missões e consultas feitas ao Itamaraty com relação a esse tema. Ela afirma que:

“nós temos sido procurados por diversos países, governos que têm interesse em participar da exploração do pré-sal, inclusive sob o contrato de partilha. E também, sobretudo pela indústria, que se vale de serviços, fornecimento de equipamentos, que se está formando no entorno dessa exploração. Então nós temos procurado, em conjunto com o Ministério de Minas e Energia, com a Petrobras, e com outras empresas brasileiras, formar uma posição do país com relação a isso. O Brasil tem sido questionado por alguns países sobre o papel da Petrobras como operadora única, e também sobre o conteúdo local. O que nós temos explicados a esses países várias vezes é que, primeiro, o Brasil é hoje um dos únicos países com reservas dessa magnitude e que dá a possibilidade de participação das empresas internacionais, as petroleiras privadas, na exploração do pré-sal e do petróleo em regime de concessão. Além disso, no caso do conteúdo local, mesmo os 40% que não são de conteúdo local, são muitas oportunidades para essas empresas fornecerem. O Brasil está importando muitos equipamentos, é um mercado interessante, mesmo com a política de conteúdo local. E a nossa legislação é uma legislação equilibrada, foi negociada internamente, com toda a sociedade brasileira, e com as próprias empresas privadas que estão aqui presentes. Nós temos levado todas essas informações, negociado, trabalhando com esses países, com esses governos.”

Na próxima seção será visto que, além da tarefa de formular e conceder respostas diplomáticas oficiais, o Ministério poderá desempenhar também um papel na formulação da nova estratégia de comercialização de petróleo a ser executada pela PPSA.