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2. DUAS INTEPRETAÇÕES SOBRE A LEI DA PARTILHA

2.2 Uma interpretação das recentes transformações da indústria brasileira de petróleo à luz da

2.2.5 As complementariedades institucionais

O último ponto da análise das variedades de capitalismo proposta por Hall e Soskice (2001, 2009) que aqui é aplicada à compreensão das recentes transformações no setor petrolífero brasileiro são as complementariedades institucionais, e seu inerente atributo de coerência institucional. Para os autores, as complementariedades

institucionais existem onde as instituições de uma economia aumentam o retorno uma da outra (HALL e SOSKICE, 2001, p. 17). Mesmo choques externos não seriam capazes de desestabilizar significativamente as complementariedades institucionais. Os atores da economia nacional trabalhariam em conjunto para restaurá-las, visando preservar a vantagem institucional comparativa. Peck e Theodore (2007) criticam essa abordagem sobre complementariedades institucionais por compreenderem que, após a ocorrência de choques externos, nem sempre existe a possibilidade de que estas continuem equilibradas (ibidem, p. 753). Os autores argumentam que a existência de atores estratégicos pode mobilizar recursos para impor ou defender uma ordem não ótima, ineficiente ou pouco igualitária (p. 755). Finalmente, em sua perspectiva dos sistemas abertos Becker (2007, p. 279-281) defende que há pressões externas e internas para que as instituições se agrupem de forma coordenada e sistêmica, mas isso não implica que esse objetivo seja necessariamente alcançado. Isso ocorreria também por que alguns dos atores estratégicos da economia nacional podem possuir objetivos que não permitiriam alcançar esse fim.

No que diz respeito ao Brasil, o fato do Estado brasileiro estar disposto a financiar a Petrobras represente uma complementariedade institucional entre a esfera produtiva – situada na Petrobras – e a esfera financiadora, que pode ser o Tesouro Nacional ou o BNDES. Conforme Figueredo (2011, p. 24), caberia ao Estado:

“garantir que a Empresa Nacional de Petróleo maximize a criação de valor. Se o acesso da ENP ao capital é excessivamente limitado e são sacrificadas as necessidades orçamentárias do governo no curto prazo, a ENP não poderá investir o suficiente para manter níveis de produção e para agregar novas capacidades. Em essência, a ENP deve contar com os recursos necessários para realizar sua missão e cumprir os seus objetivos estratégicos.”

No caso brasileiro, em grande medida ausentes mecanismos privados de financiamento, o Estado herdaria essa tarefa. Ademais, a existência de programas de governo como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ou o plano Brasil Maior para ajudar a Petrobras a atingir suas metas de conteúdo local possam também ser pensadas em termos complementares.

Esse tipo de complementariedades institucionais difere radicalmente das que se observam no setor petrolífero estadunidense, onde as instituições do setor seriam muito

mais liberais. Na plataforma continental daquele país não há rodadas de licitação; a posse da escritura de um terreno representa o direito de explorar o petróleo contido no subsolo65. Ademais, há no país um mercado de capitais extremamente desenvolvido para financiar o desenvolvimento das atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural. Outra característica marcante que atesta o “grau de liberalismo” no setor petrolífero norte americano é o fato de lá não existir uma National Oil Company (NOC). A presença do Estado no setor é, assim, muito menos destacada, restringindo-se a questões de cunho mais regulatório/informacional. Destaca-se a existência da Energy

Information Administration (EIA), criada para compilar as informações e preços do

setor, visando ao assessoramento dos atores (privados). Com base nessas informações e preços, a teoria de coorte mais ortodoxa assume que os agentes privados podem assim manejar da forma mais eficiente possível os recursos petrolíferos do país.

A mudança institucional que se processou em 2010 no Brasil pode ter sido pensada de forma a aprimorar a complementariedade institucional entre mais de uma instituição. Talvez seja possível argumentar que a capacidade de governança, tal como descrita por Diniz (1995, 1996, 1998a, 1998b) e por Lütz (2003) possa também dizer respeito à capacidade de gerar essa sinergia entre as instituições. Como se verá nos próximos capítulos, no caso das transformações analisadas, a capacidade de equilibrar instituições de tal maneira que uma aumente o retorno da outra é, na melhor das hipóteses, limitada, em linha com a análise de Becker (2007). Embora a capacidade de governança possa se beneficiar de uma curva de aprendizado, não é plausível que o complexo arranjo institucional brasileiro no âmbito do petróleo venha a configurar-se da mesma maneira que Hall e Soskice (2001, 2009) entendem as complementariedades institucionais, em equilíbrio. Deste modo, almeja-se a todo tempo uma coerência institucional, mas é difícil alcançá-la plenamente. O maior grau de coerência será obtido a partir de processos incrementais e lentos de mudança institucional, em linha com a perspectiva dinâmica, contínua e silenciosa de mudança institucional proposta por Streeck e Thelen no âmbito das instituições como regimes (2009). Em linha com o conceito de governança (DINIZ, 1995, 1996, 1998a, 1998b) essas mudanças institucionais podem se observar quando o Estado torna mais congruentes entre si as metas estabelecidas pela política, quando logra dirimir conflitos entre diferentes atores

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Como mostra Zalik (2012, p. 267), o mesmo não pode ser dito da plataforma continental do Golfo do Mexico, em que os arrendamentos offshore são de propriedade do governo e outorgados em rodadas de licitação, tal como é feito no Brasil.

envolvidos na execução da política ou quando melhora a alocação dos recursos necessários para que esta seja implementada. No caso analisado neste trabalho o desafio é grande por que no âmbito do pré-sal sob a partilha não só uma política – a energética - precisa ser aperfeiçoada nos termos descritos acima. Sendo assim, o objetivo da governança no caso do pré-sal é obter sucesso em pequenas mudanças institucionais que aumentem a coesão entre uma série de políticas como a externa, comercialização, industrial, ambiental, de recursos humanos, macroeconômica, etc.

2.3 Conclusões do capítulo

A primeira interpretação sobre a lei da partilha teve como objetivo inicial situá- la no tempo e no espaço, descrevendo ainda suas principais características e o ambiente institucional que foi criada. Como foi visto na introdução, no âmbito do pré-sal sob a partilha a política energética precisará ser coordenada em conjunto com políticas como a ambiental, macroeconômica, externa, de defesa, de recursos humanos, tecnológica, industrial, social, etc. Em grande parte esas políticas já existem, mas precisam ser redimensionadas em face do desafio do pré-sal. Neste sentido, a execução dessas políticas é “dependente da trajetória” de uma bem sucedida experiência acumulada ao longo de décadas, por exemplo, pela Petrobras. Para tal, foi profícuo o uso da imagem do “ciclo da política da pública”, pois este acomoda a possibilidade de que políticas sejam reavaliadas e redimensionadas.

O objetivo primordial da segunda interpretação foi trazer para o contexto petrolífero alguns dos conceitos teóricos desenvolvidos no primeiro capítulo. Assim, tem-se que o conceito de governança pode dialogar com conceitos como “complementariedade institucional”, mudança institucional e “open systemness” (BECKER, 2007) também no âmbito da governança do pré-sal. Como se verá nos capítulos 3 e 4, se bem executada a governança fará com que as “políticas aumentem uma o retorno da outra”. Entretanto, o caminho até lá é de lentas e muitas vezes pontuais aperfeiçoamentos, que podem ser entendidos como pequenas mudanças institucionais.

3.

A POLÍTICA DE COMERCIALIZAÇÃO DO PRÉ-SAL