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1. MARCO TEÓRICO

1.4 O papel do Estado

1.4.1 O questionamento do Estado autônomo e insulado

Seguindo Jessop (2001), diversas abordagens sobre o Estado29 concordariam em que seria possível “destronar o Estado se sua posição superordenada na sociedade,

28

O termo é usado por Fine (2006, p. 102). 29

Para Jessop (2000, p.14) os marxistas não mais veriam o Estado como o capitalista coletivo ideal; os neo-estatistas não mais o veriam como um sujeito legal soberano; o Estado foi desconstruído pelos foucaultianos; as feministas não mais o viriam como o “general patriarcal” (ibidem, tradução livre), e

passando a analisá-lo como uma entre diversas ordens institucionais (tradução livre, 2000, p.1, tradução livre)”. O Estado, prossegue Jessop, passaria “a ser visto como um sistema instável e interdependente com relação aos demais sistemas de uma ordem social complexa” (ibidem, p.14, tradução livre). Neste sentido, mudaria a forma como o Estado exerceria seu poder, ocorrendo uma transição de um Estado que anteriormente exercia o poder através da coerção física para um em que o Estado agiria como coordenador. Lister e Marsh (2005, p.256, tradução livre) chamam essa transição de “da coerção para o consentimento”.

Como explicam Leopoldi, Mancuso e Iglesias (2010), o conceito da nova agenda introduzida pelo livro de Evans, Rueschmeyer e Theda Skocpol é o de “autonomia inserida do Estado”, “que rejeitaria simultaneamente a ideia de Estado insulado da sociedade, bem como da ideia de Estado capturado por interesses especiais dominantes”

(ibidem, p. 16). Para Evans (2001, p.72), a posição weberiana de um Estado insulado da

sociedade faria sentido, uma vez que sem determinado grau de precedência em relação à sociedade, a atuação estatal seria ineficaz. No entanto, a eficácia da atuação estatal poderia ser ainda maior se aceita a ideia de “projetos compartilhados”, onde o estabelecimento de “conexões sólidas com grupos sociais seria fundamental à eficácia do desenvolvimento” (ibidem). Embora o autor defina os Estados desenvolvimentistas como os principais responsáveis pela transformação industrial de um país, ele vai mais além e expande essa noção. Além de um padrão de intervenção estatal desde um ponto de vista insulado e necessariamente direto, passa a ser possível outro em que é importante certo grau de autonomia, mas que não abra mão dos necessários vínculos com a sociedade e do diálogo com os interesses dos setores econômicos (EVANS, 2004,

apud LEOPOLDI, MANCUSO e IGLESIAS, 2010, p.17). Cria-se um padrão

concertado de desenvolvimento – autônomo e inserido.

O argumento supracitado é aperfeiçoado em trabalho posterior, onde o autor defende a abordagem ou perspectiva do hibridismo, em que a eficácia das instituições públicas dependeria de hibridismo, qual seja um “balanço integrado entre três (algumas vezes contraditórios) modos de guiar as ações administrativas (EVANS, 2005, p.31, tradução livre).” Estes seriam: (I) a capacidade burocrática lastreada em critérios meritocráticos, normas profissionais e planos de carreiras; (II) a sensibilidade para

captar os sinais de mercados referentes a custos e benefícios, que facilitaria a alocação eficiente de recursos e asseguraria uma disciplina fiscal vis à vis à meta de alinhar recursos e objetivos; e (III) a participação democrática de “baixo para cima” para assegurar que os objetivos estatais estejam alinhados com as aspirações populares. Se entrelaçados, os três modos de guiar as ações administrativas assegurariam transparência e accountability na atuação governamental, permitindo ainda bloquear a ação predatória ou o rent-seeking (ibidem, p. 30).

Neste contexto, menciona-se também a contribuição de Weiss (1998, 2003, apud DINIZ, 2011, p.48). Seu conceito de “interdependência governada”, torna possível englobar os casos em que tanto o Estado como os grupos econômicos dominantes são fortes. Nessa perspectiva teórica escapa-se da lógica do confronto, pois se admite a existência de relações negociadas sem o sacrifíco da autonomia das partes envolvidas. De acordo com Diniz (ibidem), nesta ótica “os participantes públicos e privados mantém sua autonomia, sendo, ao mesmo tempo governados por metas abrangentes, estabelecidas e monitoradas pelo Estado” (ibidem). Ainda, “a liderança pode ser exida diretamente pelo Estado ou delegada ao setor privado” (ibidem); por um lado o Estado é insulado, por outro o setor industrial “é altamente organizado e ligado às instâncias de policy-making por meio de sólidas relações de negociação” (ibidem).

Por fim, outro exemplo de projeto concertado de desenvolvimento está contido na visão de Reinert sobre o papel do Estado (2007, p.101-165)30. Em oposição ao que chama de “modelo clássico”, onde um país torna-se mais rico por causa do desenvolvimento tecnológico de um setor mais dinâmico somente por que os preços diminuem, o autor apresenta seu “modelo colusivo”. Neste modelo, os frutos desse desenvolvimento seriam divididos entre a) empresários e investidores daquele setor, b) trabalhadores do setor, c) o restante do mercado de trabalho e d) o Estado (ibidem, p. 131). O “modelo colusivo”, argumenta Reinert, resultaria em aumentos generalizados do salário, dessa maneira aumentando a riqueza e o desenvolvimento das nações (ibidem, p. 133). O “modelo colusivo” reservaria ao Estado papel destacado na condução do desenvolvimento econômico. Em primeiro lugar, uma vez existindo

30Visão similar tem Rodrik (2012), que contrapõe o paradigma “mercantilista” ao “liberal”. Para ele, o

mercantilista iria muito além de uma primitiva acumulação per se de moedas preciosas, englobando também a visão de que é uma forma de organizar a relação entre o Estado e o mercado. Esta seria essencialmente corporativista, em que Estados e mercados seriam aliados, cooperando na busca de objetivos comuns tais como o desenvolvimento econômico ou o poder nacional.

diferenças salariais entre a indústria e a agricultura - entre o setor mais dinâmico tecnologicamente e o mais atrasado-, caberia ao Estado desempenhar diretamente ou

permitir que existisse um “poder compensatório”31

de tal maneira que, elevando-se os preços, o setor industrial não diminuísse o salário real do setor agrícola. Em segundo lugar, o autor argumenta que caberia ao Estado adotar políticas industriais as quais incentivassem o surgimento de um setor da economia que tivesse retornos crescentes de escala. Exemplificando com os casos da Mongólia e do Haiti, o diagnóstico de Reinert sobre o desenvolvimento é que este tem menor possibilidade de ocorrer quando um país se especializa em atividades com retornos decrescentes de escala, normalmente encontrados na agricultura.