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3. A POLÍTICA DE COMERCIALIZAÇÃO DO PRÉ-SAL E A POLÍTICA EXTERNA

3.3 Coordenação com a política de comercialização

3.3.3 Articulação com a OPEP

Uma última prioridade de comercialização, em que a leitura diplomática do Itamaraty pode ser útil, diz respeito à possibilidade do Brasil optar por algum tipo de articulação com a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP), possivelmente utilizando a PPSA para esse fim. A importância dessa possível articulação se embasa em duas possíveis tendências: a de que os preços petrolíferos internacionais reflitam cada vez menos os fundamentos e cada vez mais a vontade geopolítica de grande atores; e uma crescente importância da OPEP como fornecedora de petróleo entre 2020 e 2035.

No que diz respeito à primeira possível tendência, Bridge e Le Billon (2012, p.90) argumentam que, embora não esteja claro qual papel a especulação teve nos elevados preços petrolíferos após 2002, os sinais de preços que emergem dos mercados petrolíferos não têm induzido as mudanças esperadas em termos de demanda e oferta de petróleo. Para os autores, em função da demanda asiática os aumentos do preços nem derrubaram a demanda de forma espetacular nem induziram um aumento substancial da oferta. O comprometimento dessa capacidade de sinalização poderia significar uma transição para um regime em que o preço do óleo não mais reflitisse o seu custo marginal de produção. Os preços ficariam separados dos custos de produção e do valor final cobrado ao consumidor. Para Bridge e Le Billon, neste cenário, o óleo deixaria de ser uma commodity para transformar-se em um bem estratégico (ibidem). O uso de “loan-for-oil-deals” é uma prova do que poderia acontecer. Por outro lado, organizações como a OPEP poderiam ter também um papel importante na governança, pouco democrática, desse bem estratégico.

No que tange à segunda possível tendência, a Agência Internacional de Energia estima que até 2015 os incrementos da produçao virão de países fora da OPEP, que

naquele ano irão produzir 53 milhões de barris diários. Para a agência, esta cairá para 50 milhões de barris diários em 2035. Por sua vez, a OPEP aumentaria sua produção a partir de 2020, contribuindo com cerca de 50% do total em 2035, quando a produção mundial de petróleo computaria 100 milhões de barris diários. Neste sentido, se a crescente produção norte-americana de petróleo convulsionará o mercado de petróleo nos próximos 10-15 anos, existe uma tendência a que a OPEP recupere terreno nos próximos 15-20 anos.

Neste sentido, o Entrevistado nº 292 argumenta que a prosperidade recente do Brasil resulta dos termos de troca das suas commodities, que atualmente seriam favoráveis. No entanto, para ele seria possível que a China, em função da sua rápida industrialização, consiga reverter esses termos de troca. Para ele:

“temporariamente a evolução do óleo de folhelho, óleo e gás de folhelho, que é uma nova fronteira, poderá criar dificuldades para a política da OPEP, mas não para sempre. A demanda existe, e o coordenador da oferta, que é a OPEP, só pode vender o que é demandado. Do contrário, a lei das rendas, como formulado por Ricardo e Marx, deixa de valer, como foi nos anos 1960, e 1980 e 1990. São duas possibilidades, eu não posso antever qual vai acontecer. As duas são possíveis, por que depende da correlação de organização e forças, da OPEP manter sua coesão, no sentido de perder o mercado americano, e de perder de 8 a10 milhões de barris. A Arábia Saudita pode, em coordenação com a Rússia, assumir isso. E por aí vem a preocupação deles com o Brasil, por que o Brasil nos planos anunciados, só com recursos das concessões, tem uma quantidade imensa de blocos ainda não explorados, tem uma quantidade imensa explorada entrando em produção, a previsão é de que o Brasil possa exportar entre 3 e 4 milhões de barris em 2020. A OGX93 acrescentaria 1 milhão e 200 mil, quase o que a Líbia produzia. Tudo para exportação. Ele não pode atuar fora do âmbito de coordenação, então é essa preocupação que eu vejo, de natureza geopolítica.”

Dessa forma, o Entrevistado nº 294 defende que o Brasil atue em conjunto com a OPEP com o objetivo de coordenar, com seus países membros, uma quantidade ideal de oferta que resulte em um preço cuja renda extraordinária se situe em uma patamar adequado. De fato, segundo Barros, Schutte e Pinto (2012, p. 46) em 2008 um representante do Irã convidou o Brasil para se associar à organização. À época o convite

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A entrevista foi realizada no dia 21/11/2012. 93

A OGX é a empresa de petróleo da holding EBX, de Eike Batista. 94

foi declinado pelo Ministro Edison Lobão com base no argumento de que o Brasil ainda era um exportador líquido de petróleo (PIMENTEL, 2011, p. 186). Para Barros, Schutte e Pinto (2012) a principal vantagem do Brasil associar-se ao cartel seria política, secundada por algumas oportunidades no campo econômico. Eles argumentam que:

“O país teria voz e voto em um dos principais centros de decisão das relações internacionais. Com o acirramento da “corrida por recursos naturais”, o papel da organização em um mundo com poder menos concentrado tende a se fortalecer, projetando a influência dos exportadores. Atores pivô do Movimento dos Países Não Alinhados, do G 77 e da Liga Árabe, os países membros da organização também podem promover o multilateralismo ativo do Brasil, apoiando as posições do país nas principais organizações intergovernamentais. (ibidem, p. 46)”

Prosseguindo, para Barros, Schutte e Pinto (ibidem) as vantagens econômicas resultariam do possível estabelecimento de relações comerciais com os países-membro fora da esfera do petróleo. Um bom exemplo seria a Nigéria, que é um vibrante mercado emergente. Por outro lado, a entrada na OPEP poderia ser não vantajosa por que, com uma possível entrada, não poderiam existir garantias de que o Brasil de fato participasse das decisões estratégicas do cartel. Ademais, o Brasil não necessariamente se contentaria com a possível cota de produção que lhe seria outorgada. De fato, esse tipo de conflito envolvendo a insatisfação de alguns países com a cota que lhes é outorgada não é novidade na história da organização.

Antes de seguir para a próxima seção, afirma-se que uma eventual decisão de aderir ao cartel da OPEP pode ser interpretada de acordo com os conceitos de governança (DINIZ, 1995, 1996, 1998a, 1998b) e de governabilidade (DINIZ, 2007). No que diz respeito ao primeiro conceito, destaca-se que sua primeira dimensão – capacidade de comando – a qual diz respeito à definição e ao ordenjamento de prioridades e à capacidade de definir estratégias de ação é válida também para a dimensão externa (DINIZ, 1995, p. 401-2). Neste sentido, aquela instância que exerce a capacidade de comando definirá se é pertinente a estratégia de alinhamento com o cartel da OPEP vis-à-vis os demais objetivos. Finalmente, no que tange o conceito de governabilidade (DINIZ, 2007), trata-se de que dificilmente um Estado conseguirá alterar em seu favor o equilíbrio de forças sem levar em consideração as instituições globais de governança. Neste sentido, o Brasil negociaria politica (geopoliticamente)

com os países da OPEP sua inserção internacional, buscando um melhor posicionamento diante do equilíbrio de forças global.