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2. DUAS INTEPRETAÇÕES SOBRE A LEI DA PARTILHA

2.2 Uma interpretação das recentes transformações da indústria brasileira de petróleo à luz da

2.2.3 A Petrobras e sua relação com as esferas institucionais

A primeira das esferas institucionais consideradas por Hall e Soskice (2001, 2009) é por eles chamada de “Relações industriais”. Nesta dimensão a firma barganha com os sindicatos e demais associações de classe as condições de trabalho e o ritmo do crescimento salarial. Hall e Soskice consideram ainda uma quinta esfera institucional, que chamam de “Relações com os empregados”, que trata da relação da firma com seus próprios funcionários. Simplificando um pouco, embora esta primeira seja uma relação da firma com a indústria, faz sentido pensar, no âmbito da Petrobras, “relações industriais e “relações com os empregados” são algo muito similar. Quando a Petrobras

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No livro “Carbon Democracy”, Mitchell (2011, p. 195-197) descreve de forma muito precisa como se deu o processo de difusão das ideias neoclássicas sobre o campo da economia da energia a partir dos anos 1970. Segundo o autor, Robert Solow teria resgatado as ideias de Harold Hotelling sobre como o mercado poderia regular de forma ótima o ritmo de extração dos recursos naturais. O trabalho de Solow, por sua vez, motivou a elaboração de uma série de estudos e teses de doutorado que ajudaram a difundir a ideia de que a condução da política energética poderia ser confiada aos mercados. Passaria a caber aos governos as tarefas de facilitar o cálculo através dos mercados. Isso seria feito tanto através da criação de mercados futuros (que remete à premissa dos mercados completos dos modelos de equilíbrio geral) como através da criação de órgãos que compilassem informações e preços (tese da informação completa). Neste movimento surge nos Estados Unidos o Energy Information Administration do Departamento de Energia e na Europa a Agência Internacional de Energia. Do acima exposto, percebe-se que a ANP foi criada com tarefas análogas àquelas pensadas na década de 1970.

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negocia com o sindicato dos petroleiros, em grande medida ela está negociando com seus próprios funcionários, o que é uma herança da época do monopólio. O gráfico 7 a seguir constitui uma proxy para entender esse possível conflito distributivo, no âmbito da Petrobras. Observa-se que nos últimos trimestres o indicador “% salário/vendas brutas” situou-se no patamar dos 4%. O objetivo mais racional a ser perseguido pelos trabalhadores da Petrobras é aumentar essa proporção, enquanto a companhia pode pretender mantê-lo razoavelmente baixo.

Gráfico 7 – Percentual Salários/Vendas Brutas

Fonte: Elaboração própria com dados da Petrobras

De fato, no dia 25 de setembro de 2012 o Sindicato dos Petroleiros decidiu entrar em greve de advertência. A Petrobras fez uma proposta de reajuste salarial de

2,5%, acima da inflação, mas abaixo dos 10% pedidos pela categoria60. Como se pode

ver no gráfico acima, no quarto trimestre de 2012 o indicador subiu até 6,0%, o maior percentual da série. De uma forma geral, constata-se que as negociações entre o Sindicato dos Petroleiros e a direção da companhia tendem a ser permanentes e muitas vezes turbulentas. Em função do limitado espaço, não será possível traçar um perfil da rica história desse conflito.

A segunda esfera institucional considerada por Hall e Soskice (2001, 2009) é por eles chamada de “Treinamento e Educação”. Trata-se da esfera onde a firma decide de que maneira irá treinar a mão-de-obra necessária, parte da qual ela mesma poderá formar. No que diz respeito a esta esfera, observa-se uma grande participação do

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Estado na formação de recursos humanos para a indústria de petróleo como um todo, não somente para a Petrobras. Destacam-se: o Programa de Mobilização da Indústria

Nacional de Petróleo e Gás – doravante PROMINP61, criado pelo Governo Federal em

2003; e o Programa de Recursos Humanos da ANP62, que se iniciou em 1999. A própria

empresa dispõe de sofisticada instituição para treinar seus recursos humanos, a Universidade Petrobras.

A terceira esfera institucional é denominada “governança corporativa”. Trata-se da arena onde a firma resolve seus conflitos relativos ao financiamento das suas atividades. Esta pode englobar tanto a relação com eventuais investidores privados, como com o Estado, que pode ser seu financiador também. No entanto, como a indústria do petróleo é historicamente muito lucrativa, é muito comum que as empresas de petróleo financiem suas atividades reinvestindo seu próprio capital. O gráfico 8 abaixo representa uma proxy do conflito que pode existir entre a Petrobras e seus investidores privados, os chamados “minoritários”.

Gráfico 8 – Percentual lucro líquido atribuível aos acionistas/Vendas Brutas

Fonte: Elaboração própria com dados da Petrobras

Trimestralmente, de acordo com seus resultados, a Petrobras pode pagar ou não aos seus acionistas um dividendo como forma de remunerar a propriedade das ações. Neste sentido, recentemente ocorreram conflitos distributivos - entre a companhia e o

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Voltado para o nível técnico. 62

Governo, de um lado, e os investidores privados, de outro - por que se atribuiu os piores resultados da companhia ao fato dos preços dos combustíveis no Brasil não acompanharem o mercado internacional. Isso está em linha com o que explica Busch (2009, p.123), para o qual na “Brasil S.A.” seria comum que “as grandes empresas estatais abdiquem de elevar tarifas ou mantenham postos de trabalho mesmo que isso afete os lucros e os dividendos, o que não agrada os acionistas” (tradução livre). Noutra clave, em função das pressões inflacionárias, o governo não costumava repassar as flutuações dos preços internacionais do petróleo aos consumidores brasileiros. Se reajustados, estes se refletiriam em melhores resultados para os acionistas. Assim, um objetivo racional para os investidores seria defender um aumento do indicador “% lucro líquido atribuível aos acionistas / venda brutas”. Vale ressaltar que a relação com investidores privados trouxe ganhos em termos do aporte de instrumentos de governança para a Petrobras que transcendem o aumento do seu capital disponível. Como explica Busch:

“A bolsa é uma importante fonte de capital para a Petrobras. Suas ações constam entre as mais transacionadas. A empresa se compromete a ser transparente e a prestar contas ao órgão que supervisiona as ações e a seus acionistas.” (tradução livre, p. 129, tradução livre)

A quarta esfera institucional é composta das “relações inter firmas”. Esta diz respeito à forma como a Petrobras se relaciona com as empresas que se situam na cadeia industrial do petróleo, ou ainda aquelas que direta e indiretamente lhe prestam algum tipo de serviço. A figura 3 abaixo, extraída de Fernandez y Fernandez e Musso (2011, p. 4), faz uma caracterização da cadeia de fornecimentos de bens e serviços offshore.

Figura 3 – Os elos da cadeia petrolífera

Fonte: Fernandez y Fernandez e Musso (2011)

Está claro que a Petrobras, enquanto operadora única no pré-sal sob a partilha, exercerá posição de absoluto protagonismo nesta cadeia, como já exerce sob o contrato de concessão. Desta forma, as “relações inter firmas” são completamente enviesadas a favor da Petrobras, que na maior parte dos casos poderá ditar regras e prazos. Não obstante, é possível antever uma série de conflitos “inter firmas”, referentes à possibilidade de que os equipamentos contratados pela empresa não sejam entregues em tempo. Ademais, quando se considera que a Petrobras é um conglomerado composto de setores relativamente diferentes – o setor de exploração e produção tem uma lógica bastante distinta do refino - existe a possibilidade de que a execução da política do pré- sal suscite conflitos entre esses setores da companhia, que poderiam ser caracterizados como “sub-firmas”. Um desses possíveis conflitos poderá decorrer do fato da direção da companhia eventualmente decidir diminuir o orçamento do refino em prol da exploração e produção.