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Governabilidade, governança e o aperfeiçoamento das capacidades estatais no Brasil

1. MARCO TEÓRICO

1.5 Governabilidade, governança e o aperfeiçoamento das capacidades estatais no Brasil

Diniz (1995) faz uma gênese e discute a evolução do conceito de governabilidade. De um lado, ressalta a linha de Huntington, que escreve sobre as democracias avançadas. Este enfatiza o descompasso entre as demandas sociais e econômicas, cada vez mais diversificadas, e as pressões, cada vez mais fortes. Assim, ocorreria um descasamento entre o patamar de expectativas e o desempenho do governo, que se traduziria em um forte sentido de ineficácia política. A “ingovernabilidade” seria produto não de uma falta de democracia, mas de um excesso de (ibidem, p. 390). Uma segunda linha discutida por Diniz tem como foco o contexto

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O’Donnell (2010) concebe o Estado enquanto uma coletânea de quatro “caras”, ou dimensões: (I) o conjunto de burocracias, (II) o sistema legal, (III) a identidade coletiva que provê as decisões e monopólio da força com credibilidade e (IV) a dimensão do filtro, que representa o contato com as questões de cunho externo.

da social democracia europeia, onde um grande número de pressões distintas diminuiria a governabilidade do welfare state (ibidem, p. 390-2). Uma terceira linha de interpretações tem como foco a América Latina. A interpretação seria que a democratização – que traz consigo um aumento expressivo do número de demandas sociais e econômicas -, implicaria ingovernabilidade. Neste sentido, uma solução possível seria restringir os direitos políticos ou postergar a implementação de políticas, que teria como possível consequência a continuidade das soluções autoritárias. Por outro lado, optar-se-ia pelo fortalecimento do executivo. No Brasil, a primeira solução foi a adotada antes da democratização. Esgotada a via autoritária, optou-se pelo fortalecimento do executivo (ibidem, p. 392-3).

Neste sentido, Diniz (1998a, p.2) faz uma leitura dos dois primeiros governos da Nova República no Brasil e critica o diagnóstico dominante de que na área de política econômica a crise teria sido consequência de uma incapacidade de tomar decisões, isto é, uma “paralasia decisória”. Para a autora, uma das razões da crise na esfera econômica é encontrada na baixa capacidade de fazer cumprir as decisões tomadas e assegurar a continuidade dos programas governamentais.

Neste sentido, a autora cita Mann (1986, apud Diniz, 1998a, p.2), que divide o poder do Estado em duas óticas: “poder despótico” e “poder infraestrutural”. O primeiro diz respeito à capacidade das elites estatais de tomar iniciativas que transcendam à negociação institucionalizada com grupos da sociedade civil e de implementar logisticamente as decisões políticas em todo o território sob sua jurisdição. No Brasil recém-democratizado o poder despótico seria muito grande, com especial destaque para a capacidade do executivo de tomar decisões. Haveria uma grande concentração decisória no que a autora chama de “cúpula tecno-burocrática”, o que teria acentuado o desequilíbrio entre os poderes. A autora embasa seu argumento citando a enorme quantidade de MPs que foram decretadas tanto no governo Sarney como nos governos Collor, Itamar e Fernando Henrique Cardoso, mas que não foram todas implementadas de forma satisfatória (DINIZ, 1998a, p. 4).

Por outro lado, Diniz ressalta a debilidade do “poder infraestrutural” nos anos 1980, que se traduziria tanto, de uma forma geral, na “erosão da capacidade estatal de realizar suas funções básicas e intransferíveis, como a garantia da ordem e segurança públicas e de condições mínimas de existência para expressivas parcelas da população”

(ibidem, p.3), como de forma particular, na baixa capacidade de tornar efetivas as decisões das MPs - fiscalizar, regulamentar, e assim por diante.

O insulamento burocrático do executivo, consequência de um elevado poder despótico que não foi acompanhado de um aumento do poder infraestrutural -, teve como consequências não só a ineficácia da ação estatal, mas também o comprometimento do processo de consolidação democrática pelo debilitamento da instância parlamentar-partidária e uma crescente insuficiência dos mecanismos capazes de gerar accountability. Isso teria tido como resultado a consolidação de uma estrutura de oportunidades e incentivos favoráveis à tendência de irresponsabilidade pública das elites estatais e à extensão das práticas de clientelismo e corrupção (ibidem, p.5).

Para Diniz, o diagnóstico da crise do Estado vai além da questão de um excesso de poder despótico acompanhado de um déficit de poder infraestrutural no âmbito do executivo. Faltaria ainda um olhar sobre a baixa capacidade de gerar adesão e garantir sustentabilidade política para as decisões tomadas. Para tal, ela demonstra que, a despeito de um número crescente de demandas e da pressão por novas formas de inserção política, permaneceu expressivo o número de setores à margem do sistema político. Neste sentido, como forma de maximizar a eficácia da ação estatal, a autora ressalta a necessidade de uma abordagem ampla, que focalize não somente os aspectos técnicos e administrativos, mas também a dimensão política, em especial os requisitos políticos (ibidem, p.7).

Para atingir esse objetivo, no trabalho anterior Diniz (1995, p.393) já tinha proposto um olhar mais demorado para uma segunda geração de interpretações, no contexto da democratização. Este se distanciaria tanto do tecnicismo de Huntington quanto das interpretações mais elitistas, dando ênfase à dimensão política.

Neste sentido, já com um conceito mais apurado de governabilidade, nota-se que o grande gargalo no caso brasileiro residiria não na formulação, mas na implementação dos programas governamentais. Assim, para Diniz (ibidem, p.394) o êxito das estratégias governamentais requer a mobilização não apenas dos instrumentos institucionais e dos recursos financeiros, mas também dos meios políticos de execução. Isto é, a capacidade de articular coalizões e alianças que dêem sustentabilidade às políticas governamentais. Como a sustentação política não se produz de forma espontânea e nem tampouco decorre automaticamente da pertinência das decisões, a

garantia dessa condição implica a construção e a manutenção de arenas de negociação que dêem respaldo às ações estatais. Adquire relevância a dimensão política, para além das considerações de ordem técnica. Dessa maneira, a governabilidade tornar-se-ia plenamente compatível com a democracia.

Mais adiante, Diniz defende, no âmbito da democratização, a necessidade de se definirem novas formas de gestão, mediante a criação de mecanismos e instrumentos que viabilizem a cooperação, a negociação e a busca de consenso. Neste sentido, o que se requer não é um Estado insulado e que tutele a sociedade. As novas condições de democratização pressupõem um Estado com maior flexibilidade, capaz de descentralizar funções e transferir responsabilidades, mantendo, ao mesmo tempo, instrumentos de supervisão e controle (ibidem, p. 399).

Pode-se afirmar que a capacidade de descentralizar funções e transferir responsibilidades, aliadas à capacidade de preservar instrumentos de supervisão e controle extrapola o conceito de governabilidade. De fato, a autora argumenta que a redefinição do conceito de governabilidade faz com que este se confunda com o de governança (governance), principalmente em razão da imprecisão conceitual deste último (ibidem, p. 399).

Neste sentido, a autora faz também alusão ao conceito de governance (posteriormente adotou-se no Brasil o termo governança) e discute a sua evolução (p. 399-400). Para ela, este surge em uma discussão no âmbito do Banco Mundial para abarcar, além das considerações econômicas, também as políticas. A capacidade governativa passaria a ser avaliada não somente em função dos resultados das políticas, mas também em função da forma pela qual os governos exercem seu poder. Isso levanta a possibilidade de que viessem à tona definições de cunho normativo para o conceito de

governance, tal como “good governance”. Este último convencionou-se associar,

sobretudo, à democracia. Mas, como mostra Leftwich (2001), essa relação é no mínimo dúbia, uma vez que em países de escassa democracia essa característica pode ser bem avaliada. No âmbito do Banco Mundial, como mostra Van Waeyenberge (2006, p. 29), era comum condicionar a ajuda financeira às práticas de “good governance”, nos moldes da economia ortodoxa. Mas, como argumenta Khan (2006), isso é altamente criticável, haja vista que haveria “escassa evidência (...) de que a ‘good governance’

pudesse ser praticada de forma significativa antes de que as condições de rápido crescimento tivessem sido alcançadas” (ibidem, p. 216, tradução livre).

O aspecto primordial na visão de Diniz é a complementariedade entre o conceito de governabilidade e o de governança. Nas palavras da autora (Diniz, 1996, pp. 12-13):

“Governabilidade refere-se às condições sistêmicas mais gerais sob as quais se dá o exercício do poder um uma dada sociedade, tais como as características do sistema político, a forma de Governo (parlamentarismo ou presidencialismo), as relações entre os poderes (maior ou menor assimetria, por exemplo), os sistemas partidários (pluripartidarismo ou bipartidarismo), o sistema de intermediação de interesses (corporativista ou pluralista), entre outras. A propósito, cabe lembrar que não há fórmulas mágicas para garantir governabilidade, já que diferentes combinações institucionais podem produzir condições favoráveis de governabilidade. Governança, por outro lado, diz respeito à capacidade governativa no sentido amplo, envolvendo a capacidade de ação estatal na implementação das políticas e na consecução de metas coletivas. Refere-se ao conjunto dos mecanismos e procedimentos para lidar com a dimensão participativa e plural da sociedade, o que implica expandir e aperfeiçoar os meios de interlocução e de administração do jogo de interesses. As novas condições internacionais e a complexidade crescente da ordem social pressupõem um Estado dotado de maior flexibilidade, capaz de descentralizar funções, transferir responsabilidades e alargar, ao invés de restringir, o universo dos atores participantes, sem abrir mão dos instrumentos de controle e supervisão.”

Diniz (1995, p. 400) aponta outra vertente percorrida pelo conceito de

governance. Este passa a englobar, além do modus operandi, questões mais amplas

relativas a padrões de coordenação e de cooperação entre atores sociais e políticos. A categoria de governance passou a ser aplicável à avaliação sistêmica de arranjos institucionais, que coordenam e regulam as transações no interior e através das fronteiras de um sistema econômico37. Neste contexto, vale ressaltar a contribuição de Hollingsworth e Boyer, de 1997, os quais mapeiam a diversidade de mecanismos de coordenação utilizados na governança da atividade econômica. Indo além da distinção tradicional entre tipo mercados, essa abordagem inclui as comunidades, os Estados, as redes e as associações. Esses seis tipos de mecanismos de governança diferem em duas dimensões: o grau de auto-interesse ou obrigações para os atores e o grau em que o poder é distribuído horizontalmente ou exercido verticalmente (JACKSON E DEEG,

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2006, p. 24). Para Hollingsworth e Boyer (1997, p. 6-19) cada mecanismo de governança possui sua própria estrutura organizacional, regras de intercâmbio, fraquezas e pontos fortes.

A tabela 1 abaixo, elaborada por Lütz (2003, p. 12), compila algumas das características ideais-típicas dos tipos de governança que existiriam.

Tabela 1 – Tipos de coordenação

Mercados Firmas Redes Associações Estados

Modo de coordenação central Preço, concorrência atomística Controle, Instrução Confiança, intercâmbio de recursos com base na reciprocidade Concertação intra- e interorganizató ria Controle hierárquico, ordem Base normativa da associação Contratos, direitos de propriedade Relação de trabalho Pontos fortes complementare s Associação formal Cidadania Tipo da relação de troca entre os membros Simétrica, anônima, objetos de intercâmbio claramente especificados Assimétrica e não-anônima, disposição da força de trabalho mediante pagamento Simétrica e não-anônima, objeto da troca não especificada Assimétrica e não-anônima, lobby ou incentivos seletivos contra willingness to follow Assimétrica e anônima, Produção de decisões coletivas contra willingness to follow Regulação de conflitos através de..

Ação judicial Instrução, ordem, incentivo, lealdade Discurso, negociação Participação paritária, voto em pacotes Coerção, monopólio estatal da força Tipo do bem produzido

Bem privado Bem privado Bem de clube, bem público de acordo com determinadas condições Bem de clube, bem público de acordo com determinadas condições Bem público Vantagens Alocação eficiente, baixos custos de transação Previsibilidade; eficiência somente com transações repetidas, grande especificidade dos recursos, grandes incertezas e rendimentos crescentes de Flexibilidade, processos de aprendizado Distribuição mais simétrica das prerrogativas, previsibilidade Minimização de riscos, tratamento isonômico da coletividade

escala Desvantagens Falhas de mercado gerariam externalidades; bem coletivos necessários ao funcionamento do mercado não podem ser produzidos por estes Pouca flexibilidade Exclusão, tendência à formação de cartéis Oligarquização do comando da associação, formação de cartéis aos custos dos não- associados; incentiva a desparlamentar ização da política Falhas de governo, tendência à burocratização, oligarquização da condução política, falta de precisão

Fonte: Lütz (2003, p.12, tradução livre)

Cabem alguns poucos comentários à compilação de Lütz. Em primeiro lugar, há de se ressaltar que se tratam de características estilizadas. Em segundo lugar, no que diz respeito à eficiência no mercado e nas firmas, talvez caiba uma esclarecimento quando à definição do termo. Quando a autora menciona a “alocação eficiente”, ela provavelmente se refere à eficiência alocativa encontrada nas transações estáticas no mercado, que Jessop (2005, p. 121) chamaria do tipo “ricardiano”. Por outro lado, a eficiência das firmas seria do tipo que o mesmo autor chamaria de “schumpeteriano”. A eficiência dinâmica se refere ao ímpeto à inovação que visa a obtenção de rendas extraordinárias. Como argumentam Hill e Myatt (2010, p. 132, tradução livre), a inovação “é o que capitalismo sabe fazer de melhor”. Dessa forma, questiona-se esses dois tipos de eficiência são realmente comparáveis enquanto vantajens dos dois arranjos de governança. De fato, como argumentam Deraniyagala e Fine (2001, apud DERANIYAGALA e FINE, 2006, p.51, tradução livre), haveria “modelos alternativos que indicam que a atividade inovativa é promovida algumas vezes em estrutruras de mercado oligopolísticas”.

Entretanto, talvez a principal contribuição de Lütz (2003, p.12-13, tradução livre) resida na afirmação de que é o Estado quem estabelece “as condições de participação no mercado e as regras para que seus participantes internalizem as suas externalidades negativas” e que, ademais, é este quem fornece a ajuda governamental e quem faz as sanções que possibilitam a coordenação através das redes. Em outras palavras, é a coordenação na esfera do Estado que embasa e fomenta a existência dos demais tipos de coordenação, mesmo quando a atuação deste é insatisfatória. Neste último caso, a coordenação privada “compensaria” os déficits na coordenação a nível de

estatal. Mais adiante, a autora argumenta que os Estados podem incentivar diferentes tipos de coordenação (ibidem, p.27). Análise similar à de Lütz (2003) já tinha sido feita por Jessop (2001). Para ele, a transição de um “Estado nacional keynesiano de bem- estar” para um “Estado schumpeteriano de competição” teria acarretado uma mudança do papel do Estado. Embora esta mudança não tenha implicado no seu eclipse, teria significado um “reposicionamento dos Estados na hierarquia das escalas” (ibidem, p. 214, tradução livre). Neste movimento, para manter inalterada a competividade em escala global, caberia então ao Estado não somente a governança das suas próprias políticas, mas também a “meta-governança” da governança dessas diferentes escalas. Isto é, o Estado realizaria o steering da governança de redes, firmas e associações.

Voltando a Lütz (2003, p.34), tem-se que um capitalismo mais liberal, o qual ela chama de “economia de mercado descoordenada” (ibidem, tradução livre), tenderia a optar pelas formas de coordenação “mercado” e “firmas”, ao passo que um capitalismo menos liberal – por ela chamado de “economia de mercado coordenada” (ibidem, tradução livre) -, tenderia a fomentar as formas de coordenação mais estatais, as associações ou as redes. Não há, entretanto, determinismo, já que a autora admite que são muitas as possíveis combinações de coordenação. Finalmente, vale destacar que Lütz aborda as “complementariedades institucionais” e as “vantagens institucionais comparativas”. Dessa forma, é possível concluir que sua análise é incompatível com as ideias relativas à “systemness” de uma economia nacional, tal como em Becker (2007).

Voltamos às contribuições de Diniz (1995, 1996, 1998a, 1998b), para a qual governança diz respeito “à capacidade governativa em sentido amplo, envolvendo a capacidade de ação estatal na implementação das políticas e na consecução das metas coletivas (DINIZ, 1998b, p. 278).” Neste sentido, governance (ou governança) diz respeito a quatro dimensões essenciais (DINIZ, 1995, p. 401):

1. a capacidade de comando e de direção do Estado, tanto internamente, em face do conjunto da máquina estatal e da sociedade, como externamente vis-à-vis a inserção do país no sistema internacional;

2. a capacidade de coordenação do Estado entre as distintas políticas e os diferentes interesses em jogo;

4. a capacidade de interlocução com os atores envolvidos (DINIZ, 1998b, p. 279). No que tange a primeira dimensão, a capacidade de comando, vale ressaltar que esta não trata apenas da direção efetiva do processo de produção de políticas públicas realizado pelo conjunto da máquina. A capacidade de comando diz também respeito à definição e ao ordenamento de prioridades, à garantia de sua continuidade ao longo do tempo, e à capacidade de definir as estratégias gerais de ação e as grandes diretrizes que nortearão as decisões governamentais, evitando assim metas contraditórias (DINIZ, 1995, p. 401-2)

Seguindo adiante, a capacidade de coordenação do Estado refere-se à integração entre as diferentes áreas de governo, de forma a garantir a coerência e a consistência das políticas governamentais. A capacidade de coordenação significa também gerenciar os diferentes interesses em jogo, compatibilizando as diferentes visões. Assim, embora não seja possível evitar o conflito, é possível enquadrá-lo dentro dos limites da aceitabilidade. Em outras palavras, trata-se da capacidade de conviver com o conflito e com o dissenso, integrando as visões distintas de diferentes atores e órgãos dentro de algo maior, as metas coletivas que se traduzem no interesse nacional (ibidem, p. 402).

Por sua vez, a capacidade de implementação está relacionada com a capacidade do Estado de mobilizar os recursos técnicos, institucionais, financeiros e políticos necessários. Esses recursos devem estar alinhados com as decisões tomadas e, se não existirem, deverão ser passsíveis de serem criados. Um atributo importante da capacidade de implementação é a competência técnica e a excelência do quadro administrativo; donde a meritocracia é um conceito-chave. A capacidade de implementação não prescinde das condições de sustentatação política das decisões, o que implica deixar abertos os canais de comunicação com a sociedade e com o sistema representativo. Neste sentido, um conceito chave é accountability, de tal maneira que a transparência deve ser considerada essencial para a consecução das políticas. (ibidem, p. 403).

Finalmente, Diniz (1998b, p. 278) pensa a capacidade de interlocução após constatar que “a estratégia de insulamento burocrático revela-se irrealista, se considerarmos que a meta almejada, qual seja implementar escolhas públicas imunes às pressões dos interesses particulares, não é factível” (ibidem). Neste sentido, seria necessário:

“estimular ou mesmo produzir um meio associativo favorável ao desempenho governamental eficiente, o que exige uma estratégia deliberada de ação voltada para encorajar a governança econômica e social, onde for apropriado e eficaz. Em outros termos, superar a dicotomia Estado-mercado implica um novo estilo de gestão pública, bem, como um novo padrão de articulação Estado-sociedade, reformulando as práticas mais convencionais de administração pública e construindo um Estado com maior capacidade de interlocução” (ibidem).

Antes de finalizar a seção, cabem duas considerações. Em primeiro lugar, o conceito de governança pode ser pensado tanto na análise convencional como na heterodoxa. Segundo Khan (2006, p. 203), a análise convencional da “boa governança” estaria explicitamente baseada na análise neoclássica do que o Estado deve fazer na promoção do desenvolvimento econômico. Segundo esta, caberia ao Estado somente estabelecer direitos de propriedade estáveis, diminuir a corrupção e criar um ambiente democrático. Esta baseia-se nas premissas de que o mercado é suficiente para fomentar o desenvolvimento econômico acelerado, e de que, desde que o Estado se abstenha de outras funções que não sejam a garantia dos direitos de propriedade e o fomento de um ambiente de baixos custos de transação, o mercado pode funcionar de forma eficiente. A análise heterodoxa, por outro lado, identificaria uma série muito mais ampla de questões envolvendo a governança. Segundo Khan (ibidem, p. 212), esta aceitaria “a importância das capacidades e poderes estatais de encorajarem a emergência de capitalistas locais, assistindo-lhes ainda na aquisição de tecnologia e nas suas ambições de comércio e investimentos internacionais” (ibidem, tradução livre). Por fim, a abordagem heterodoxa identificaria os problemas políticos e institucionais que atrapalhariam a consecução desses objetivos e se engajaria na formulação de políticas pertinentes. Conclui-se que a adição dessa análise comparativa da governança permite que se faça um juízo de valor sobre os tipos de instrumentos políticos, institucionais e econômicos adotados pelo Estado – ortodoxos e/ou heterodoxos – bem como sobre seu papel. O caso analisado nesta dissertação nitidamente é o de uma governança mais heterodoxa, com uma participação estratégica muito ampla do Estado, que vai muito além da garantia dos direitos de propriedade. Será argumentado também que essa governança poderia ser ainda mais heterodoxa.

E, em último lugar, é necessário ressaltar que o termo governança também foi pensado no âmbito do petróleo. Neste sentido, vale citar a já mencionada dissertação de mestrado, pelo PPED, de Miguel Osmar Nunez Figueredo (2011). Citando Lahn et al.