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3. A POLÍTICA DE COMERCIALIZAÇÃO DO PRÉ-SAL E A POLÍTICA EXTERNA

3.3 Coordenação com a política de comercialização

3.3.2 China

Na presente subseção é avaliada a possibilidade de que a China seja o comprador preferencial do óleo extraído da camada pré-sal e em que medida o Brasil pode atrelar as negociações envolvendo petróleo a uma série de contrapartidas em termos de investimentos chineses no Brasil.

No que concerne à possibilidade de que a China venha a se tornar um parceiro comercial de destaque da PPSA, mas também da Petrobras, o Entrevistado nº 685 destaca que naquele país há um enorme potencial de crescimento do mercado doméstico e uma expansão prevista do parque de refino muito destacada para os próximos anos. Segundo dados da Platts Oilgram News 02/11/2012 – republicados pelo Monitor IBP edição de outubro de 2012 - no período 2012-2013 a China deverá aumentar sua capacidade de refino em mais de um milhão de b/d. Até 2017, segundo a publicação, o acréscimo será até 2,9 milhões de barris diários, o que é superior a todo o parque de refino brasileiro, com capacidade da ordem de 2 milhões de barris diários. Por essas razão, o Entrevistado nº 6 enxerga um enorme potencial de crescimento para as exportações de petróleo para a China. Por sua vez, a Agência Internacional de Energia estima que a procura por petróleo alcance 99,7 milhões de barris/dia em 2035, a maior parte na Ásia. A China consumirá cerca de 15% desse petróleo, num total de 15,1 milhões de barris diários. O órgão estima que em 2035 a dependência externa chinesa de petróleo será de 80%, quando em 2011 era da ordem de 50%.

Como há a concorrência de outros produtores, para o Entrevistado nº 6 caberia à diplomacia brasileira estabelecer sólidas relações de confiança segundo as quais os chineses dessem preferência ao petróleo brasileiro. Segundo a Agência Internacional de Energia, junto com o óleo iraquiano, os 3,5 milhões de barris adicionais brasileiros exportáveis representarão 75% do óleo adicional no mercado em 2020. Para o

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Entrevistado nº 286, que cita sua experiência à frente da diretoria de Gás e Energia da Petrobras, essa relação de confiança já pode ter começado a ser gestada entre a Petrobras e a China quando, por volta de 2003-2004, aquele país se comprometeu a financiar a expansão da malha de gasodutos brasileira, sobretudo para o Nordeste, tendo como contrapartida a compra de petróleo brasileiro. De fato, como mostra o gráfico 15 abaixo, de 2004 em diante as exportações de petróleo brasileiro para a China aumentaram bastante. Se em 2004 essas exportações eram da ordem de 18.000 barris diários, em 2011 estas somaram mais de 130.000 barris diários.

Gráfico 15 - Exportações de petróleo para a China em barris/dia

Fonte: Elaboração própria com dados do MDIC

Barros, Schutte e Pinto (2012, p. 48) mostram que nos últimos anos têm ocorrido negociações entre a China e o Brasil envolvendo o tema do petróleo. Em 19 de maio de 2009, em visita do presidente Lula a China, foi assinado o Memorando de Ententendimento sobre Petróleo, Equipamento e Financiamento. Este estabeleceu preferência ao fornecimento brasileiro de forma estável e de longo prazo para a China, assegurado por compromisso de financiamento à Petrobras pelo China Development Bank Corporation (CDBC). Além disso, está previsto que as empresas participem no segmento upstream brasileiro e que se dê preferênica à utilização do financiamento para compra de bens e serviços chineses. Em 3 de novembro do mesmo ano foi assinado contrato entre a Petrobras, o CDBC e a China Petroleum & Chemical Corporation (SINOPEC), onde se estipulou o financiamento de US$ 10 bilhões por dez anos do CDBC para a Petrobras. Segundo os autores, o acordo estipulou que em 2010 a Petrobras oferecesse obrigatoriamente à sua contraparte chinesa a primeira opção para a

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compra diária dos volumes mencionados. Nos nove anos seguintes este volume aumentou para 200.000 barris diários.

De fato, como explicam Bridge e Le Billon (2012, p.91) os chamados “loan-for-

oil deals” fazem parte de uma tendência por parte dos chineses de tentar

“compartimentar” o mercado. A interpretação de Lee (2012) é que a China tem procurado “enclausurar” suprimentos de petróleo em países com os quais mantém boas relações diplomáticas em face das suas preocupações geopolíticas com o suprimento do petróleo. Neste sentido, desde 2009 Pequim concluiu mais de 12 desses “loan-for-oil-

deals” em que promessas de produção cativa são emitidas em troca de empréstimos

(ibidem, p. 86). De acordo com Gallagher, Irwin e Koleski (2012, p.1), desde 2005 a China forneceu US$ 86 bilhões em compromissos de empréstimos a países latino americanos, dos quais 69% em troca de petróleo. Em outro trabalho (EBELING, 2012) foi argumentado que o aumento do número desses contratos reflete uma mudança na percepção da lógica hegemônica no mercado internacional de petróleo. Se há uma nação com grande poderio econômico ofertando contratos que fogem à lógica do mercado, a tendência é que países com visão geopolítica mais independente possam aceitar os termos desses contratos, que podem ou não ser os mais vantajosos. Para o Entrevistado nº 687 não há problemas “em conceder cartas de intenção de venda de petróleo desde que se observe o preço do mercado”. Para ele, já seria uma grande vantagem ter um destino certo para o petróleo produzido.

Mais recentemente, de acordo com a Entrevistada nº 388, os esforços diplomáticos se tem voltado para garantir junto à China uma melhor contrapartida à exportação de petróleo. Como mostram os gráficos 16 e 17 abaixo, a pauta exportadora para a China tem se especializado em produtos de baixa intensidade tecnológica, e a importadora em produtos de alta intensidade tecnológica. Fazendo justiça ao petróleo do pré-sal, é necessário destacar que sua cadeia industrial é muito complexa e demanda uma tecnologia muito avançada. O custo de desenvolvimento tecnológico é refletido no preço. O problema é que, para Acioly, Pinto e Cintra (2011, p. 346) esse progresso técnico se restringe aos setores exportadores – sobretudo aos grupos econômicos industriais produtores de commodities.

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A entrevista foi realizada no dia 14/11/2012. 88

Gráfico 16 – Pauta exportadora do Brasil com a China, por intensidade tecnológica do produto

Fonte: Acioly, Pinto e Cintra com base no Comtrade/ONU

Gráfico 17 – Pauta importadora do Brasil com a China, por intensidade tecnológica do produto

Fonte: Acioly, Pinto e Cintra com base no Comtrade/ONU

A Entrevistada nº 389 explica que, em relação a China, o Departamento de Energia participa:

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“dentro da comissão Brasil-China, de um sub-grupo de energia, que é chefiado pelo Ministro de Minas e Energia. A China tem vários interesses aqui em termos de compras, sobretudo de minérios, de petróleo também. Nós temos fornecido a eles, a Petrobras tem um contrato com as empresas chinesas, tem empresas chinesas que estão participando em "joint ventures" na exploração de pré-sal e de outras áreas. Então, o que nós temos dito à China, e quem ressaltou isso foi a nossa própria Presidenta, é que se eles querem a nossa matéria prima, nós agora queremos também que os chineses invistam aqui no Brasil para o desenvolvimento tecnológico do pais. Qual seria a contrapartida chinesa? Um dos pontos seria trazer fábricas para cá. Fábricas de chips, por exemplo. Mas, além disso, temos interesse de trazer empresas para cá na área de petróleo também, para desenvolvimento tecnológico.”

Como destaca ainda a Entrevistada nº 3, seria possível formar um pacote de negociações em que o petróleo fosse um item importante. Para o Entrevistado nº 790, Consultor Sênior da Statoil no Brasil, não é possível pensar o petróleo de forma isoladamente como uma ferramenta de política externa. É necessário atrelá-lo a outros itens. Para ele:

“o Brasil se tornando um produtor relevante de óleo, e não só isso, um produtor relevante de soja, de bens industriais, o Brasil se tornando uma economia mais forte, transforma-se em um ator muito mais relevante no cenário internacional. O petróleo é um desses fatores que fazem do Brasil um ator mais relevante. O petróleo isoladamente não é uma ferramenta de política externa.”

Se até agora as ações diplomáticas entre o Brasil e a China envolvendo o petróleo tiveram como agente executor a Petrobras, quiçá no futuro a PPSA tenha também papel importante. Neste sentido, seguindo o Entrevistado nº 191, talvez a atuação conjunta do Itamaraty, da PPSA, da Presidência e do CNPE possa fazer com que se alcance o objetivo de atrelar uma política de Estado – que pode ter como um dos seus objetivos o progresso e a diversificação tecnológica do país – à exportação de

commodities como o petróleo. Para Acioly, Pinto e Cintra (2011, p. 348) é necessário

que se pense as negociações – as quais visam diminuir o fosso tecnológico entre o Brasil e a China e diminuir o déficit de competividade brasileira - de forma ampla. Para eles, as negociações pontuais não bastam, seria preciso avançar com urgência nas definições de estratégias amplas e específicas. Os autores alertam que a “mão que

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A entrevista foi realizada no dia 9/11/2012. 91

afaga” – a que concede empréstimos e investimentos diretos estrangeiros - “pode ser também aquela direciona os vínculos externos da economia brasileira para uma dinâmica empobrecedora”, que ficará visível apenas no médio e no longo prazo. Afortunadamente, em face da importância do petróleo no mundo, este ainda constitui uma boa base de negociação para a política externa do país. Neste sentido, a interação entre PPSA e Itamaraty poderá ser de grande importância no âmbito das negociações com a China.