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A defesa da vida humana e a Igreja no Brasil frente ao aborto

3.2 O princípio de defesa da vida em caso de anencefalia fetal

3.2.4 A defesa da vida humana e a Igreja no Brasil frente ao aborto

A CNBB tem dado à Igreja, e, sobretudo à Igreja no Brasil, um autêntico testemunho profético no seu duplo aspecto de denúncia da cultura de morte e de anúncio da cultura da vida, promovida pelo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Para tanto, pode-se citar como exemplo a 27ª Assembleia Geral dos Bispos, que tem sido sinal de uma reflexão e de uma acusação sobre comportamentos sociais de caráter paradoxal: “Se a sociedade se aflige diante de milhões de menores abandonados, não deveria também escutar o clamor silencioso de milhões de nascituros eliminados pela prática do aborto?”473

E ainda mais:

A verdadeira atitude ecológica (...) não pode conviver com a degradação física e moral do ser humano. Dessa forma, limitada é a ecologia que se preocupa com os animais em extinção, enquanto promove ou aprova a

       472 Idem, 48.

473 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Pronunciamentos de 1988 a 1989 da 27ª

Assembleia Geral (1989). “Um novo sim à vida.” Itaici, São Paulo, 14 de abril de 1989, p. 2. Disponível em: www.cnbb.org.br. Acesso em: 27 de outubro de 2011, 14:45.

esterilização das pessoas, o estancamento da fonte de transmissão da vida, a morte dos que estão para nascer.474

Que esta Declaração seja um apelo para a observância do mandamento do Senhor: ‘Não matarás!’ (Ex 20, 13), e uma conclamação para que todos possam dar ‘um novo sim à vida’.475

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, tendo como presidente Dom Luciano Mendes de Almeida, reunidos em Assembleia Ordinária no dia 06 de maio de 1988, cobraram um posicionamento das autoridades políticas em defesa da vida, emitindo reflexões, que vão servir de luzes para ajudá-los na elaboração da nova Carta Constitucional da República Federativa do Brasil na pessoa do Excelentíssimo Sr. Dr Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, já em fase de aprovação, para que esta esteja, de fato, comprometida com o valor da vida humana, tomando como base a encíclica Humanae Vitae do Papa Paulo VI, que nesta ocasião comemorava o seu vigésimo ano. Pois, a própria Constituição proclama como sendo fundamental a inviolabilidade do direito à vida: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida...”476

Os bispos consideram atual o apelo que o Papa Paulo VI em sua encíclica supracitado dirige aos governantes:

Não permitais que se degrade a moralidade das vossas populações; não admitais que se introduzam legalmente naquela célula fundamental, que é a família, práticas contrárias à lei natural e divina. Existe outra via, pela qual os poderes públicos podem e devem contribuir para a solução do problema demográfico: é a via de uma política providente, de uma sábia educação das populações, que respeite a lei moral e a liberdade dos cidadãos.477

Tal Assembleia Ordinária dirigiu uma série de apelos à sociedade na tentativa de sensibilizar e conscientizar os brasileiros sobre o dever de todos quanto à promoção da vida em todos os seus aspectos:

Queremos ajudar os casais, sobretudo os das classes humildes, nas suas reais angústias e situações aflitivas, através da orientação para a maternidade e paternidade responsáveis nos moldes de métodos naturais,       

474CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Orientação da Presidência e da Comissão

Episcopal de Pastoral (CEP) da CNBB aos Católicos do Brasil. Documento da Presidência. “Ouvir o eco da vida.” Itaici – SP, 07 de maio de 1992, p. 39. Disponível em: www.cnbb.org.br. Acesso em: 27 de outubro de 2011, 15:25.

475 Cf. idem, p. 2.

476 CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA, artigo 5, caput. 477 HV 23.

cuja validade e eficácia são reconhecidas pela própria Organização Mundial da Saúde; apelamos para os médicos e enfermeiros no sentido de respeito e amor à vida, conforme seu juramento; apelamos para os meios de comunicação social para que não se orientem pelo lucro e pelas pesquisas de audiência, mas pela autocrítica, segundo os ditames da ética profissional.478

A defesa da vida exige políticas sociais mais amplas, tornando, portanto, a população capaz de enfrentar também outras formas de agressão à vida:

Seja no campo da saúde valorizando a luta contra a mortalidade infantil, promovendo a medicina preventiva, o saneamento básico e o uso de remédios naturais e caseiros; seja no campo da ecologia, protegendo as populações contra todas as formas de poluição; seja combatendo a violência urbana e rural; seja esclarecendo a opinião pública; seja esclarecendo a opinião pública sobre os males trazidos pelas drogas, pelo alcoolismo e pelo tabagismo.479

É neste mesmo horizonte, que se faz necessário deixar bem claro que a missão da Igreja de defesa da vida humana não está direcionada somente para o embrião ou para o feto humano. A atenção da Igreja é sensível para a vida nascente devido ao seu caráter de grande fragilidade e de indefesa, ainda mais quando se verifica uma mudança paradoxal do que era considerado “crime” para assumir legitimidade perante a legislação nacional como é o caso do aborto. Mas a Igreja se opõe rigorosamente contra todas as realidades que ameaçam a vida humana:

Assistimos hoje a novos desafios que nos pedem ser voz dos que não têm voz. A criança que está crescendo no seio materno e as pessoas que se encontram no ocaso de suas vidas, são exigências de vida digna que grita ao céu e que não pode deixar de nos estremecer. A liberalização e banalização das práticas abortivas são crimes abomináveis, como também a eutanásia, a manipulação genética e embrionária, ensaios médicos contrários à ética, pena de morte e tantas outras maneiras de atentar contra a dignidade e a vida do ser humano. Se quisermos sustentar um fundamento sólido e inviolável para os direitos humanos é indispensável reconhecer que a vida humana deve ser defendida sempre, desde o momento da fecundação. De outra maneira, as       

478 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Orientação da Presidência e da Comissão

Episcopal de Pastoral (CEP) da CNBB aos Católicos do Brasil. Documento da Presidência. “Ouvir o eco da vida.” Itaici – SP, 07 de maio de 1992, p. 5. Disponível em: www.cnbb.org.br. Acesso em: 27 de outubro de 2011, 15:25.

circunstâncias e conveniências dos poderosos sempre encontrarão desculpas para maltratar as pessoas.480

Um dos meios mais eficientes usados pela Igreja do Brasil, chamada a dar testemunho profético de denúncia à cultura de morte e de anúncio à cultura da vida, é a Campanha da Fraternidade, que tem significado um verdadeiro empreendimento em escala nacional, da força evangelizadora da Igreja no intuito de despertar as consciências para uma discussão ética cada vez mais humana e planetária, o que por sua vez, se torna um grande desafio, não somente para a Igreja, mas para todos os homens de boa vontade: “...a urgência de constituir e de fazer aceitar essa ética, profundamente humana e deveras planetária (...), brotando da convicção das consciências e se estendendo às diferentes camadas da cultura.”481

Neste sentido, alguns temas da CF são citados para ilustrar o quanto que a Igreja também se preocupa com as outras formas de ameaça à vida humana482: CF-85, tema: Fraternidade e Fome; CF-86, tema: Fraternidade e Terra; CF-87, A Fraternidade e o Menor; CF-88, tema: A Fraternidade e o Negro; CF-89, tema: A Fraternidade e a Comunicação; CF- 90, tema: A Fraternidade e a Mulher; CF-91, tema: A Fraternidade e o Mundo do Trabalho; CF-92, tema: Fraternidade e Juventude; CF-93, tema: Fraternidade e Moradia; CF-94, tema: A Fraternidade e a Família; CF-95, tema: A Fraternidade e os Excluídos; CF-96, tema: A Fraternidade e a Política; CF-97, tema: A Fraternidade e os Encarcerados; CF-98, tema: Fraternidade e Educação; CF-99, tema: Fraternidade e os Desempregados; CF-2000 Ecumênica, tema: Novo Milênio sem exclusões; CF-2001, lema: Vida Sim, Drogas não;CF- 2002, tema: Fraternidade e Povos Indígenas; CF-2003, tema: Fraternidade e Pessoas Idosas; CF-2004: Fraternidade e Água;CF-2005 Ecumênica, lema: Felizes os que promovem a paz; CF-2006, tema: Fraternidade e Pessoas com deficiência; CF-2007, tema: Fraternidade e Amazônia; CF-2008, tema: Fraternidade e Defesa da Vida Humana; CF-2009, tema: Fraternidade e Segurança Pública; CF-2010 Ecumênica, tema: Economia e Vida; CF-2011,

tema: Fraternidade e a Vida no Planeta; CF-2012, tema: Fraternidade e Saúde Pública.

A vida humana é sempre compreendida pela Igreja como maior dom do amor criador de Deus e, que, por este motivo, deve ser acolhida, defendida e valorizada, a fim de que possa desabrochar e crescer, até atingir maturidade e plenitude. “Em nome do Deus da Vida, somos

       480 DAp 467.

481 JOSAPHAT, Carlos. Op. cit., p. 398.

482 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. “Histórico das CFs [1964-1988] e [1989-2012].” Disponível em: www.cnbb.org.br. Acesso em: 14 de março de 2012, 14:30.

radicalmente contrários ao projeto de liberação do aborto”483, visto que, trilhar os caminhos da morte significa negar o próprio Deus e colocar em risco o futuro da humanidade. O aborto não pode ser admitido para justificar como solução para gravidez indesejada.

Sinal de grande empreendimento dos Bispos do Brasil em defesa da vida humana foi a 45ª Campanha da Fraternidade realizada no ano de 2008, que teve como tema a “Fraternidade e Defesa da Vida Humana”, sob o lema: “Escolhe, pois, a vida”.

Esta campanha, fortemente embasada no Documento Conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, Documento de Aparecida, assume uma posição muito clara em defesa da vida, desde a sua concepção até a sua morte natural, no que diz respeito à tríade: aborto-contracepção, células tronco e eutanásia.

Discípulos de Jesus, temos que levar o Evangelho ao grande cenário [das ciências], promover o diálogo entre ciência e fé e, nesse contexto, apresentar a defesa da vida. Esse diálogo deve ser realizado pela ética e em casos especiais por uma bioética bem fundamentada.484

Já no discurso do Papa Bento XVI na sessão inaugural da V CELAM, pode-se verificar tal argumentação em favor da vida humana:

Os povos latino-americanos e caribenhos têm direito a uma vida plena, próprias dos filhos de Deus, com condições mais humanas (...) Para estes povos, seus Pastores devem fomentar uma cultura da vida (...) Com esta vida se desenvolve também em plenitude a existência humana, em sua dimensão pessoal, familiar, social e cultural.485

Embora todo o Texto-Base da CF de 2008 esteja elaborado nesta perspectiva de defesa da vida humana, pode-se assinalar a Seção III, quando trata especificamente da questão do aborto.

Na medicina, considera-se como aborto espontâneo, a interrupção involuntária da gestação até a 20ª ou a 22ª semana. Como a partir desse tempo gestacional, há 40% de possibilidade daquele novo ser humano sobreviver fora do útero, a interrupção da gestação é chamada de parto prematuro.486

      

483 CONFERÊNIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Pronunciamentos de 1990 a 1991 da 29ª

Assembleia Geral (1991). “Vida para todos”, p. 19. Disponível em: www.cnbb.org.br. Acesso em: 27 de outubro de 2011, 16:05.

484 DAp 465.

485 Palavras do Papa Bento XVI. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 114.

486 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Campanha da Fraternidade 2008. Texto-Base. São Paulo: Editora Salesiana, 2008, n. 75.

Infelizmente, alguns países, preferem chamar de aborto provocado – o que na verdade deveria ser considerado de infanticídio, visto que pela própria medicina não se enquadra como aborto - quando ocorre a interrupção forçada da gravidez com a intenção de matar o feto, mesmo quando se trata de uma gravidez de nove meses.

Tem se obtido no Brasil algumas autorizações judiciais para a realização do aborto de fetos que se encontram com malformações, embora tal autorização seja ilegal. Trata-se neste caso do aborto eugênico ou eugenético. Estes casos de aborto eugênico são muitas vezes usados para diminuir a rejeição da opinião pública com relação ao aborto, uma vez que todos reconhecem o grande sofrimento dos pais.

Neste caso, pode-se verificar uma grande desvalorização da mãe e da criança, quando profissionais da saúde e até a mídia se referem a ela de “caixão ambulante” e a grave violação ética de negar o direito à vida a uma criança doente ou deficiente.

Verifica-se hoje em dia, com o intuito de buscar legitimar a prática do aborto aliviando a consciência frente ao infanticídio, uma discussão sobre o momento em que começa a vida humana. Um ponto a destacar no Texto-Base é a definição de início da vida humana, que se dá na fecundação:

É impossível negar que, com a união dos 23 cromossomos do pai com os 23 cromossomos da mãe, surge um novo indivíduo da espécie humana (...) É um novo indivíduo que apresenta um padrão genético e molecular distinto, pertencente à espécie humana e que contém em si próprio todo o futuro de seu crescimento.487

A Igreja reconhece o estado emocional da mãe por ter sofrido um trauma tão doloroso no caso de estupro, no entanto, o aborto não é uma solução, visto que também “constitui mais uma violência sobre a mãe, além de que um crime não apaga a lembrança de outro crime.”488 O aborto provocado fere profundamente a mulher que a pratica.

Há trabalhos bem fundamentados que mostram aumento de 100% em quadros de ansiedade, depressão e idéias de suicídio entre as adolescentes submetidas ao aborto provocado, em relação às que haviam levado a gravidez até o final.489

       487 Idem, n. 74.

488 Idem, n. 78. 489 Idem, n. 86.