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2.1 Cultura de morte

2.1.2 Aspecto jurídico do aborto no Brasil

Neste item, serão apresentados quais os casos em que a prática do aborto é autorizada perante a Lei brasileira. E no caso que toca ao feto desprovido de cérebro, será apresentado o projeto de Lei que visa ampliar a legislação, pois, até que não seja incluída a anencefalia no Código Penal, necessária é a autorização judicial.

Numa tentativa de definição o que é o aborto do ponto de vista legal, pode-se dizer que é a interrupção da gravidez com o objetivo de provocar a morte do concepto, não fazendo alusão à idade gestacional. Todavia, a grande maioria das legislações mundiais apontam 12 semanas.218

Segundo o Código Penal Brasileiro219, pode-se verificar o seguinte:

O aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento incorre no artigo 124. Provocar aborto em si mesmo ou consentir que outrem lhe provoque, sofre a pena de detenção de 1 (um) a 3 (três) anos.

No caso de aborto provocado por terceiro, incorre no artigo 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: sofre a pena de reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos.

O que prescreve o artigo 126 diz, que, provocar aborto com o consentimento da gestante, incorre a pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

No parágrafo único do Código Penal, diz, que, aplica-se pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

No artigo 127 diz que, as penas aplicadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

No artigo 128 diz, que, não se pune o aborto praticado por médico, em dois casos específicos: se não há outro meio de salvar a vida da gestante e no caso de gravidez resultante

      

218 Cf. DE PAULO DE BARCHIFONTAINE, Christian. Bioética e Início da Vida: alguns desafios. São Paulo: Ideias e Letras, 2004, p. 108.

219 Cf. CÓDIGO PENAL BRASILEIRO. 35ª edição, São Paulo: Saraiva, 1997, Decreto-lei n. 2848, de 7 de dezembro de 1940, Artigos 124 a 128.

de estupro. Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.220

Partindo desses artigos do Código Penal Brasileiro, conclui-se, que o aborto no caso de anencefalia fetal é claramente proibido pela lei, uma vez que, a gravidez de um nascituro anencéfalo não seja resultado de estupro tampouco incorra em uma ameaça para a vida da mãe.

No entanto, mesmo que não haja na legislação brasileira e, precisamente falando, no Código Penal, a aprovação do aborto para os casos de anencefalia fetal, existe atualmente um projeto de Lei que está tramitando no Congresso Nacional Brasileiro de autoria da deputada Sra. Luciana Genro e do deputado Sr. Dr. Pinotti com o intuito de ampliar a legislação que diz respeito ao aborto também para a questão dos fetos anencéfalos.221

O referido projeto de Lei acrescenta um inciso ao artigo 12 Decreto-lei n.

º

2.848, de 7 de dezembro de 1940. O Congresso Nacional decreta: Art. 1º O art. 128 do Decreto-lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa a vigorar acrescido do inciso III: se o feto é portador de anencefalia, comprovada por laudos independentes de dois médicos (NR). O Art. 2º diz que esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.222

O primeiro projeto de Lei (PL 632/1972) a ser apresentado no Congresso Nacional sobre interrupção da gestação por má-formação foi em 1972 pelo deputado federal Araújo Jorge do MDB-RJ. Em contrapartida, no ano de 2003, o deputado Severino Cavalcanti do PPB-PE propõe um projeto de Lei criminalizando a interrupção da gestação de fetos inviáveis, qualificando como aborto eugênico. Nos últimos quinze anos não foi realizado nenhum projeto de Lei nos termos do PL 632/1972, sendo este período de maior concentração da discussão no legislativo e no jurídico em torno da questão da má-formação do feto.223

      

220 Cf. DE PAULO DE BARCHIFONTAINE, Christian. Op. cit., pp. 109-110.

221 Além desses projetos outros vão surgindo no intuito de ampliar a legislação brasileira no que diz respeito à anencefalia fetal, tais como, o Projeto de Lei Nº 227/04, do Senador Mozarildo Cavalcanti, que prevê a possibilidade de aborto se o feto apresentar anencefalia e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. Também tramita o Projeto de Lei Nº 312/04, do Senador Marcelo Crivella, que assegura o aborto quando, mediante consentimento da gestante ou, se incapaz, de seu representante legal, for atestada a ausência de vida no gestado, diagnosticada na forma do art. 3º da Lei Nº 9.434, de 04 de fevereiro de 1997. A referida Lei autoriza o transplante de órgãos e estabelece que a comprovação da morte se dá perante o diagnóstico de morte encefálica. Ou seja, a ausência de vida no gestado seria decorrente da anencefalia do feto, comparada com a morte encefálica. In: J. ARNS, Flávio. “Questões e perspectivas a partir do Direito.” In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Instituto Nacional de Pastoral. A dignidade da Vida Humana e as Biotecnologias, p. 83.

222 Cf. TELMO DE TONI, Antonio. “Anencefalia: uma visão jurídica.” In: CARLOS HOCH, Lothar e H. K. WONDRACEK, Karin. Bioética. Avanços e dilemas numa ótica interdisciplinar. Do início ao crepúsculo da vida: esperanças e temores. Leopoldo-RS: Sinodal; EST; Fapergs, 2006, p. 52.

223 Cf. DINIZ, Debora. “Aborto e inviabilidade fetal: o debate brasileiro.” In: ANDRÉA LOYOLA, Maria (org.). Bioética. Reprodução e gênero na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro/Brasília: Letras Livres, 2005, p. 84.

Numa retrospectiva histórica sobre a interrupção da gestação por má-formação fetal no Brasil, o debate assumiu três espaços: o legislativo, o Judiciário e o Ministério Público e o Supremo Tribunal Federal.

O primeiro foi o Legislativo, considerando que, do ano de 1972 a 2004 foram apresentados 12 projetos de lei sobre o tema de má-formação fetal grave. No segundo semestre deste mesmo ano, seis projetos foram apresentados após a tramitação da ação sobre anencefalia no Supremo Tribunal Federal (STF). A forte participação do Senado Federal tem sido uma característica do debate legislativo mais recente com a proposição de três projetos, uma vez que, o tema do aborto foi discutido, tradicionalmente, na Câmara dos Deputados.

O segundo espaço de negociação foi o poder Judiciário e o Ministério Público, onde, inclusive, os primeiros casos de interrupção foram autorizados. Foi o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios a instituir, no ano de 1997, o primeiro programa de atendimento a mulheres grávidas de fetos com anomalia fetal considerada incompatível com a vida. Neste sentido, as mulheres que desejassem interromper a gestação eram encaminhadas do serviço público a uma promotoria especializada, que fazia a autorização em 24 horas.

O terceiro espaço de discussão pública foi o Supremo Tribunal Federal (STF) com um projeto apresentado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) em 2004, que possuía o objetivo de garantir o direito à interrupção da gestação em casos de anencefalia e proteger os profissionais de saúde que socorressem as mulheres. A partir deste momento, o governo brasileiro se comprometeu em revisar o caráter punitivo da legislação de aborto.224

Atualmente, a realização do aborto no Brasil é ilegal em gestante cujo feto apresenta anencefalia. Nesse sentido, até que tal anomalia não seja inclusa no Código Penal, se faz necessária a autorização do poder judiciário: “Em razão da demora no julgamento pelo STF, os juízes e tribunais dos Estados se valem de saídas jurídicas diferenciadas para superar o impasse no STF e liberar as cirurgias em 80% a 90% dos casos.”225 Neste sentido, se percebe que a

interrupção da gravidez nos casos de anencefalia fetal se tornou praticamente uma regra no Judiciário enquanto o Brasil aguarda uma palavra final do STF, que cerca de oito anos vem discutindo tal questão.

Assim, de ordem prática, uma vez verificada a anencefalia e resolvida a interrupção do estado gravídico, os interessados deverão procurar um       

224 Cf. idem, pp. 85-86.

225 RECONDO, Felipe. “Após sete anos, STF retoma processo que autoriza aborto de anencéfalo.” Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso%2capos-sete-anos-stf-retoma-processo-que-autoriza-aborto- de-anencefalo%2c681622%2c0.htm. Acesso em: 13/03/2012, 14:08.

profissional do direito, já providenciando os documentos imprescindíveis e necessários que são: 1. Relatório médico, que informe ao Juiz da Vara, objetivando o suprimento judicial, a constatação de que a patologia é letal em 100% dos casos; 2. Exames de ultra-som morfológico com avaliação de idade gestacional e descrição da patologia; 3. Avaliação psicológica e 4. Assinatura do casal.226

Em Brasília, esses casos já nem passam pela análise de um juiz. A mulher grávida de um feto anencéfalo pode procurar o Ministério Público tendo em mãos um laudo médico de algum hospital de referência. O Ministério Público analisa essa documentação e, confirmando a anencefalia, encaminha a mulher para um médico com a determinação de que a interrupção da gravidez seja feita. Nesta situação, o caso não passa, portanto, pelo Judiciário. Tendo em vista a simplicidade desse trâmite, mulheres de outros Estados, como Piauí, Minas Gerais e Bahia, têm recorrido ao Ministério Publico do Distrito Federal.

Embora, a aprovação da interrupção da gravidez em caso de anencefalia fetal tenha sido uma regra no Judiciário como se pode notar até então, a decisão do STF ainda é apontada como importante pelos defensores do aborto anencefálico, pois sem ela, juízes podem se negar, por questões de consciência, a autorizar o tratamento médico. Portanto, se por um lado os defensores da interrupção da gravidez no caso de anencefalia esperam uma manifestação definitiva do STF, por outro lado, temem que uma decisão contrária impeça que juízes e tribunais dos diversos Estados brasileiros continuem a autorizar, caso a caso, o aborto.227

No dia 11 de março de 2012, a Comissão de juristas nomeada pelo Senado que elabora o anteprojeto de lei de um novo Código Penal aprovou um texto que propõe o aumento das possibilidades para que uma mulher possa realizar abortos sem que a prática seja considerada crime. O anteprojeto garante às mulheres que possam interromper uma gestação até os dois meses de um anencéfalo ou de um feto que tenha graves e incuráveis anomalias para viver.228

Qualquer atentado contra a vida humana, seja qual for o estágio em que ela se encontra, mesmo que tal gesto esteja amparado pela legislação civil de seu país, jamais será considerado como sendo moralmente lícito, pois o desrespeito a dignidade humana se torna sempre uma afronta à consciência, quando norteada pelo reto uso da razão. Esta posição da Igreja Católica também se justifica com relação aos fetos anencefálicos, pois o direito à vida é

      

226 CARLOS HOCH, Lothar e H. K. WONDRACEK, Karin. Op. Cit., p. 54.

227 RECONDO, Felipe. “Após sete anos, STF retoma processo que autoriza aborto de anencéfalo.” Disponível em: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso%2capos-sete-anos-stf-retoma-processo-que-autoriza-aborto- de-anencefalo%2c681622%2c0.htm. Acesso em: 13/03/2012, 14:08.

228 BRITO, Ricardo. “Comissão do novo Código Penal amplia regras para aborto legal e eutanásia.” In: O Estado de São Paulo, 10 de março de 2012, A24.

um direito decorrente da própria natureza ontológica do ser humano e não se ele tem ou não uma de suas partes.