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O princípio da responsabilidade em defesa da vida humana

Diante das novas pesquisas e descobertas da biologia, o homem parece ter entrado em uma nova época da sua história, quando se verifica que a manipulação do mundo nos seus mais variados elementos naturais, caminha, paralelamente, sempre mais na manipulação do homem ou da parte do homem, chegando ao ponto de uma manipulação descida ao nível da própria vida humana nascente. Frente a esse quadro, faz-se urgente a responsabilidade do homem no tocante ao resguardo da vida humana, sobretudo, daquela vida indefesa que ainda está para nascer. Porém, o assumir tal responsabilidade pela vida humana se faz na busca e na reflexão sincera dos valores e dos princípios morais como norteadores de cada ser humano.

Na Carta Encíclica Evangelium vitae Sua Santidade, o Papa João Paulo II, termina sua introdução no último parágrafo definindo a Igreja como “povo da vida e pela a vida”:

A todos os membros da Igreja, povo da vida e pela vida, dirijo o mais premente convite para que, juntos, possamos dar novos sinais de esperança a este nosso mundo, esforçando-nos por que cresçam a justiça e a solidariedade e se afirme uma nova cultura da vida humana, para a edificação de uma autêntica civilização da verdade e do amor.541

Também no último capítulo deste referido documento, a saber, o capítulo IV, que trata de apresentar a ação pastoral da Igreja em favor da vida humana, o pontífice usa a mesma definição:

Somos o povo da vida, porque Deus, no seu amor generoso, deu-nos o Evangelho da vida e, por este mesmo Evangelho, fomos transformados e salvos (...). Interiormente renovados pela graça do Espírito, Senhor que dá a vida, tornamo-nos um povo pela vida, e como tal somos chamados a comportar-nos.542

Como já dizia o Papa Paulo VI: “Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar.”543 E tal evangelização

também implica em anunciar o Evangelho da vida como parte integrante do Evangelho que é

       541 EV 6.

542 Idem, n. 79. 543 EN 14.

Jesus Cristo. É deste evangelho que toda a Igreja está a serviço! “Estar a serviço da vida não é para nós um título de glória, mas um dever que nasce da consciência de sermos o povo adquirido por Deus para proclamar as suas obras maravilhosas.”544

Deste modo, este último capítulo da EV expõe a atuação eclesial da Igreja a favor da vida humana fazendo menção à tríplice missão eclesial: profética, sacerdotal e real.

A evangelização é uma ação global e dinâmica que envolve a Igreja na sua participação da missão profética, sacerdotal e real do Senhor Jesus. Por isso, a evangelização compreende indivisivelmente as dimensões do anúncio, da celebração e do serviço da caridade. É um ato profundamente eclesial, que compreende todos os operários do Evangelho, cada um segundo os seus carismas e o próprio ministério.545

A defesa e a promoção da vida humana, mesmo sendo um ato profundamente eclesial, devem ser compreendidas e acolhidas como tarefa a ser desempenhada por todos os homens independentemente de sua crença religiosa.546 Portanto, “são muitos os agentes, os meios e as formas para realizar esta tríplice missão em favor do bem da vida.”547 “Todos juntos sentimos o dever

de anunciar o Evangelho da vida, de o celebrar na liturgia e na existência inteira, de o servir com as diversas iniciativas e estruturas de apoio e promoção.”548

A saber, pode-se considerar a defesa da vida humana como responsabilidade dos educadores, professores, catequistas, teólogos549, bem como a todo o pessoal da saúde: médicos, farmacêuticos, enfermeiros, capelães, religiosos e religiosas, administradores e voluntários, pois a sua profissão pede-lhes que sejam guardiães e servidores da vida humana550.

Nos últimos tempos, com nossa responsabilidade de bispos, temos frequentemente lembrado ao legislador e à opinião pública a sua obrigação de proteger a vida humana, inclusive a vida pré-natal indefesa. E, apesar das suspeitas públicas, não deixamos de falar de maneira clara e sem mal- entendidos, chamando a atenção dos responsáveis políticos para essa obrigação.551

       544 EV 79.

545 Idem, n. 78.

546 TEIXEIRA CUNHA, Jorge. Bioética breve. São Paulo: Paulus, 2002, p. 46.

547 VIDAL, Marciano. O Evangelho da vida. Para uma leitura da Evangelium vitae. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 131.

548 EV 79.

549 Cf. VIDAL, Marciano. Op. cit., p. 133. 550 Cf. idem, p. 136.

551 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Declarações de Conferências Episcopais. A Igreja e o Aborto. Declaração da Conferência dos Bispos Alemães. Petrópolis-RJ: Vozes, 1972, p. 80.

Todavia, a Evangelium Vitae destaca, de modo todo especial, a importância da família na defesa da vida humana:552“O amor conjugal fecundo exprime-se num serviço à vida em variadas formas, sendo a geração e a educação as mais imediatas, próprias e insubstituíveis.”553

A família, dentro do projeto de Deus, é chamada a descobrir não somente a sua identidade, mas também a sua missão: cuidar, revelar e comunicar o amor e a vida, através de quatro atos fundamentais: 1. A formação de uma comunidade de pessoas; 2. O serviço à vida; 3. A participação no desenvolvimento da sociedade e 4. A participação na vida e na missão da Igreja.554 “Ser como o santuário da vida, serva da vida, já que o direito à vida é a base de todos os direitos humanos. Este serviço não se reduz só à procriação, é antes auxílio eficaz para transmitir e educar em valores autenticamente humanos e cristãos.”555

Este é o objetivo deste último capítulo da EV: fazer uma exposição das práticas pastorais da comunidade cristã a favor da vida humana nos diversos setores da própria sociedade, como no meio educacional, da saúde, da política e da família.

Estas estruturas e lugares de serviço à vida, e todas as demais iniciativas de apoio e solidariedade, que as diversas situações poderão sugerir em cada ocasião, precisam ser animados por pessoas generosamente disponíveis e profundamente conscientes de quão decisivo seja o Evangelho da vida para o bem do indivíduo humano e da sociedade.556

Nesse sentido, a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, apresentou em seu texto conclusivo, algumas propostas de ações em defesa da vida humana, que devem ser assumidas pelos discípulos-missionários de Jesus Cristo nos mais diversos âmbitos:557

1. Os cursos que tratem a respeito da família e das questões éticas, devem continuar sendo promovidos, tanto nas Conferências Episcopais, quanto nas dioceses, de modo que os bispos e os agentes de pastorais tenham fundamentos para provocar e sustentar diálogos sólidos a respeito dos inúmeros problemas que giram em torno da vida humana; 2. Investir na formação dos presbíteros, diáconos, religiosos e leigos por meio de estudos universitários de moral familiar, questões éticas e, na medida do possível, formações específicas de bioética; 3. Procurar refletir, por meio de fóruns, painéis, seminários e congressos, sobre as diversas temáticas atuais sobre a vida, e sobretudo a vida humana, especialmente no que se refere à

       552 Cf. idem, p. 131.

553 FC 41. 554 Cf. idem, n. 17.

555 CONFERÊNCIA EPISCOPAL LATINO-AMERICANO E DO CARIBE. Santo Domingo, n. 214.

DOCUMENTOS DA IGREJA. Documentos do CELAM. 556 EV 89.

defesa pela vida na sua origem e no seu término; 4. Promover no âmbito das universidades católicas programas de bioética acessíveis a todos; 5. Criação de um comitê de ética e bioética nas Conferências Episcopais a fim de estudar, discutir e atualizar a sociedade no debate público; 6. Dispor aos casais programas de formação em paternidade responsável e como fazer uso adequado dos métodos naturais de regulação da natalidade; 7. Oferecer assistência pastoral, tanto àquelas mulheres que decidiram não abortar, como àquelas que praticaram o aborto, no intuito de ajudá-las na cura de seus traumas, uma vez que a prática abortiva possui duas vítimas, ou seja, a criança e a mãe; 8. Preparar leigos competentes que defendem a vida e a família, de modo que sejam animados a participar em organismos nacionais e internacionais; 9. Assegurar a incorporação da objeção de consciência nas legislações, de modo que esta seja respeitada pelas administrações públicas.

No entanto, como as pessoas vivem em meio a uma sociedade pluralista no que diz respeito ao modo de conceber a temática do aborto, sobretudo neste tempo presente em que se vive, quando o próprio Congresso Brasileiro discute a possibilidade de ampliar o aborto para os casos de fetos anencéfalos, a Igreja entende e assume a sua missão de promover uma cultura da vida frente à cultura de morte, que tenta se expandir.

Existe distribuição massiva de anticoncepcionais, em sua grande maioria abortivos. Imensos setores de mulheres são vítimas de programas de esterilizações massivas. Também os homens sucumbem ante estas ameaças. Nosso continente sofre as causas do imperialismo contraceptivo, que consiste em impor a povos e culturas toda forma de contracepção, esterilização e aborto, que se considera efetiva sem respeito às tradições religiosas, étnicas e familiares de um povo ou cultura.558

Viu-se que no item 3.6 que a Igreja no Brasil tem realizado um admirável trabalho de conscientização sobre a relevância de se discutir sobre tal questão. Muito tem se falado sobre a possibilidade de ampliar a legalização do aborto no Brasil, mas como fazer tal reflexão sobre o assunto? Aqui está o contributo da Igreja: lançar luzes em meio às sombras, que muitas vezes tentam ofuscar as consciências, seja cristão ou não, pois existe um caminho convergente neste debate, isto é, o caminho da ética filosófica ou aquilo que a própria Igreja chama de lei natural como já comentado no item 3.3.

O respeito absoluto de cada vida humana inocente exige inclusive o exercício da objeção de consciência frente ao aborto provocado e à eutanásia. O “fazer morrer” nunca pode ser considerado um cuidado       

558 CONFERÊNCIA EPISCOPAL LATINO-AMERICANO E DO CARIBE. Santo Domingo, n. 219.

médico, nem mesmo quando a intenção fosse apenas a de secundar um pedido do paciente: pelo contrário, é a própria negação da profissão médica, que se define como um apaixonado e vigoroso “sim” à vida.559

A pergunta fundamental para as questões de bioética, especialmente neste contexto sobre o aborto em caso de anencefalia fetal é: o que é a vida humana?

Neste contexto, a vida não deve ser entendida no sentido amplo da palavra, ou seja, das plantas, dos animais etc, mas no sentido especificamente humana, esta vida que é própria e característica do homem como tal.560

Em termos sintéticos e elementares, pode-se afirmar que à luz da experiência universal e da reta reflexão racional, a vida humana é um bem, um valor. À luz também da fé, a vida humana se revela como um grande dom que vem de Deus criador:“Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insulflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente (Gn 2,7).”

Os homens de toda parte são chamados pelas suas próprias consciências como eco da voz divina, que aí ecoa561, a reconhecerem o quanto a vida humana sobre esta terra é preciosa, e por este motivo, precisa ser protegida e promovida. “Trata-se, com efeito, de um valor que todo se humano pode enxergar, mesmo com a luz da razão, e, por isso, diz necessariamente respeito a todos.”562

O respeito à vida humana corre tanto perigo, que não é suficiente o senso de responsabilidade do legislador. Não somente os cristãos fiéis, mas todos os que contam a vida humana entre os maiores valores da sociedade, são conclamados a não olharem calados e inativos as horríveis formas do desrespeito a ela.563

A vida humana está sob a proteção de Deus (cf. Gn 4,10) e dela, Deus pedirá contas ao homem:“Pedirei contas, porém, do sangue de cada um de vós. Pedirei contas a todos os animais e ao homem, aos homens entre si, eu pedirei contas da alma do homem” (Gn 9,5-6). O mandamento de Deus é categórico quanto ao assassínio:“não matarás”(Ex 20,13).

Nesse sentido, se de um lado, afirma-se que a vida é um dom que vem gratuitamente de Deus, por um outro lado, trata-se de uma responsabilidade a ser desempenhada por parte de todo ser humano. Recebida como um talento precioso (Cf. Mt 25,14-30), deve ser valorizada.

       559 Ibidem.

560 Cf. TETTAMANZI, Dionigi. Bioética. Nuove Frontiere Per L’Uomo. 2ª edição, Casale Monferrato-Italia, Edizione Piemme, 1990, p. 55.

561 Cf. GS 16. 562 EV 101.

563 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Declarações de Conferências Episcopais. A Igreja e o Aborto. Declaração da Conferência dos Bispos Alemães, p. 80.

O ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus, também possui altíssima dignidade que não podemos pisotear e que somos convocados a respeitar e promover. A vida é presente gratuito de Deus, dom e tarefa que devemos cuidar desde a concepção, em todas as suas etapas, até a morte natural, sem relativismos.564

Também com relação à vida biológica deve-se fazer menção. A vida do corpo humano é parte constitutiva e integrante do ser humano e que constitui uma parte fundante, no sentido de ser o ponto de partida para a subsistência e para o desenvolvimento de todos os outros valores e aspectos da pessoa: “A vida temporal é um bem fundamental, condição para todos os demais bens.”565

Por outro lado, a vida humana não se reduz toda e somente a vida biológica: o homem, enquanto ser espiritual, possui também uma vida psíquica e espiritual; e mais ainda, o homem é chamado a viver uma relação transcendente com Deus e com sua vida divina.566

O homem na verdade não se engana quando se reconhece superior aos elementos materiais e não se considera somente uma partícula da natureza ou um elemento anônimo da cidade humana. Com efeito, por sua vida interior, o homem excede a universalidade das coisas.567

É certamente legítimo, senão um dever, empenhar-se não por uma vida humana “qualquer”, mas por uma vida humana que possui qualidade. No entanto, o que não pode ser moralmente aceito, é que, em nome de uma falsa e ambígua concepção da qualidade de vida, se termine por atentar ou por eliminar a vida humana como tal por ser considerada “vida sem valor” para alguns casos. Esta vida estará sempre correndo riscos diante de interpretações redutivas e unilaterais, sustentadas pelos defensores de um certo eugenismo que privilegia, em termos mais ou menos exclusivos, os fatores físicos da vida humana, ou também algumas qualidades psíquicas ou intelectuais, descuidando de outros valores não menos importantes e significativos da pessoa. Na realidade, a vida humana não precisa de outras justificações para ser respeitada, e logo defendida e promovida, a não ser a de ser “vida humana”.568

Os avanços científicos da biologia do desenvolvimento oferecem uma contribuição inestimável no que diz respeito ao conceito de ‘individualidade somática, única e irrepetível’ do embrião humano em cada fase do estado de desenvolvimento intra-uterino e no conceito de uma história individual, guiada por um preciso plano codificado no patrimônio genético

       564 DAp 464.

565 DsAP 9. 566 RH 15. 567 GS 14.

individual, adquirido no próprio momento da concepção. Além disso, a biologia do desenvolvimento oferece a demonstração que não se verifica saltos quantitativos e qualitativos de desenvolvimento, e que não há necessidade de nenhuma intervenção do exterior que modifique o estado primitivo.569

A própria ciência genética atualmente tem demonstrado, que desde o primeiro instante já se encontra traçado o programa daquilo que virá a ser o nascituro. Este novo indivíduo possui em si mesmo as características já bem determinadas de um ser humano, de modo que, o tempo se encarregará de concluir o que já começou a partir da fecundação.570 Portanto, “a ciência atual, no seu estado mais evoluído, não dá apoio algum substancial aos defensores do aborto (...), é já um homem aquele que o virá a ser.”571

A vida humana é dom e responsabilidade para o homem, mas qual é o fundamento e o conteúdo da responsabilidade do homem no resguardo da vida?

O fundamento se situa no próprio homem assim como Deus o criou: criando-o a sua imagem e semelhança, Deus o pôs no mundo da criação como “senhor”. O Concílio Vaticano II escreve o seguinte: “As Sagradas Escrituras ensinam que o homem foi criado ‘a imagem de Deus’, capaz de conhecer e amar seu Criador, que o constituiu senhor de todas as coisas terrenas para que as dominasse e usasse, glorificando a Deus.”572

O senhorio do homem não é somente sobre as coisas terrenas (cf. Gn 1,28-30), mas é também sobre a própria vida humana, como aparece na bênção do casal para a fecundidade:

“Deus os abençoou e lhes disse: sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e submetei-a” (Gn 1, 28b).

Além disso, o senhorio divino participado pelo homem toca o seu vértice no mundo da liberdade e da responsabilidade que o homem recebe de Deus: “Desde o princípio ele criou o homem e o abandonou nas mãos de sua própria decisão” (Eclo 15,14), e ainda, conforme disse o Concílio Vaticano II:

O homem, porém, não pode voltar-se para o bem a não ser livremente (...). A verdadeira liberdade, porém, é um sinal eminente da imagem de Deus no homem. Pois Deus quis deixar ao homem o poder de decidir, para que assim procure espontaneamente o seu Criador, a Ele adira livremente e chegue à perfeição plena e feliz.573

       569 Ibidem. 570 DsAP 13 571 Ibidem. 572 GS 12. 573 Idem, 17.

Porém, é profundamente e qualitativamente diferente o senhorio do homem sobre o mundo das coisas terrenas e o senhorio sobre a sua própria vida. Sobre o primeiro o homem tem um domínio assim dito “pleno”, enquanto todo o mundo material foi posto por Deus a serviço do homem: por isso o mundo das coisas é sempre e só um mundo de “meios” que, como tais, têm a razão de seu ser no serviço ao homem enquanto “fim”. Ao passo que, sobre o mundo da vida humana, enquanto parte constitutiva do próprio homem, o domínio não é pleno e ilimitado: o homem, segundo a tradicional terminologia moral, é aquele que usufrui da vida humana, porque esta se põe na própria linha do “ser” do homem, e não simplesmente na linha do “ter”.574

Neste sentido o homem pode assumir a sua vida unicamente na linha de uma crescente “humanização”, e não como uma manipulação que a considere e a trate como uma “coisa” possuída, como um “meio” ou um “objeto” do qual pode servir-se: “Nunca se pode tratar um homem como simples meio de que se dispõe para alcançar um fim mais elevado.”575Utilizar-se do

próprio ser humano como meio para satisfazer um benefício próprio ou comum dentro de uma sociedade é sempre motivo de contradição no que diz respeito ao modo de conceber tal senhorio e tal responsabilidade do ser humano sobre a vida humana.

Pela força desse senhorio, que o habilita e o empenha à responsabilidade sobre si mesmo, sobre sua vida e o mundo, o homem é “pessoa”, possui nativamente e inalienavelmente a dignidade de ser “fim” para si mesmo, estando subordinado somente a Deus (cf. GS 24). Neste sentido, o ser humano assume a sua vocação de colaborador da providência divina, provendo a si mesmo e aos outros:576

E o homem só é verdadeiro homem, na medida em que, senhor das suas ações e juiz do valor destas, é autor do seu progresso, em conformidade com a natureza que lhe deu o Criador, cujas possibilidades e exigências ele aceita livremente.577

Em meio a tantas situações que ameaçam o ser humano e a sua vida neste mundo578, o dominicano, doutor em Teologia, Frei Carlos Josaphat em seu livro - Ética Mundial. Esperança da humanidade globalizada – menciona a responsabilidade e os valores que dela derivam, como por exemplo, a participação e a solidariedade na vida social, como um valor

      

574 TETTAMANZI, Dionigi. Bioetica. Nuove Frontiere Per L’Uomo. 2ª edição, Casale Monferrato-Italia, Edizione Piemme, 1990, p. 59-60.

575 DsAP 9.

576 TETTAMANZI, Dionigi. Op. cit., p. 63.

577 PAULO VI. Carta Encíclica Populorum Progressio. Sobre o desenvolvimento dos povos. In: DOCUMENTOS DA IGREJA. Documentos de Paulo VI. São Paulo: Paulus, 1997, 34.

fundamental em direção a uma moral humana universal, sobretudo, no que diz respeito à bioética e à ecologia.

Pode-se definir a responsabilidade como a realização plena e adulta da liberdade, superando a alienação dos caprichos, das ambições e dos interesses e abraçando com lucidez e amor o compromisso com os outros e com a sociedade (...) Ela confirma e qualifica a aspiração à liberdade, tornando-a um valor ético de base, dando-lhe o lugar de uma virtude universal (...) No plano social, a responsabilidade será levada a se desdobrar nas atitudes de participação e de partilha, inspirando-se no respeito da dignidade da pessoa e na promoção do bem comum.579

Do mesmo modo, o filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993) em seu livro mais conhecido – O princípio responsabilidade de 1979 – diz: “Exprimindo-nos de forma extremada, poderíamos dizer que a primeira de todas as responsabilidades é garantir a possibilidade de que haja responsabilidade.”580 A sua reflexão é chamar a atenção de toda humanidade para a conscientização de