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A origem da vida humana à luz do dado científico

Em qualquer discussão que se pode fazer em torno do debate sobre a vida nascente, existe sempre uma pergunta fundamental e responsável que ilumina a reflexão sobre a eticidade da interrupção da gestação: “quando começa a vida humana no desenvolvimento embrionário ou a partir de que momento existe um ser humano ou uma vida humana?”155

       152 NEDEL, José. Op. cit., p. 33. 153 GS 24.

154 DV Introdução 5.

Levando em consideração o ponto de vista científico, a vida é uma particular organização da matéria. A biologia molecular demonstrou que existe uma diferença muito mais complexa de estruturação entre a substância vivente e a não-vivente. A constituição estrutural da substância não-vivente ou inorgânica é demasiada simples, por exemplo, a molécula da água é formada de um átomo de oxigênio e dois de hidrogênio; ao passo que a constituição da substância vivente ou orgânica é extremamente organizada e complexa.156

No que diz respeito à vida humana, seria impossível produzi-la em laboratório, visto que entram em questão dois elementos substanciais, o biológico e o espiritual: o corpo e a alma. Na Sagrada Escritura esta união é ilustrada pelo alento divino que o Criador sopra nas narinas da figura de barro representando o protótipo de um ser humano, conforme se pode verificar em Gn 2,7157: “Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em

suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente.”

O Sagrado Magistério da Igreja Católica considera como sendo mais seguro, que a vida humana tenha o seu início desde a fecundação, momento em que se dá a infusão da alma espiritual.

No momento da fecundação, no momento em que o espermatozóide entra no óvulo, cria-se um outro ser humano, com um patrimônio genético diferente daquele do pai e da mãe, que contém toda a força necessária para seu desenvolvimento sucessivo: todas as características corporais, o poder de construir as células de que precisa para seu desenvolvimento, o projeto segundo o qual poderá deslocar essas células e construir os órgãos etc (...) É sempre o mesmo sujeito, o mesmo patrimônio genético e individualizado, desde a concepção até o nascimento.158

Para a genética, o primeiro dado incontestável é que, no momento da fertilização em que acontece a fusão de duas células, o oócito159 e o espermatozóide, dá-se a formação de uma nova entidade biológica, ou seja, um novo genoma160, que, já traz em si mesma uma nova vida individual. Por meio deste processo de fertilização, as duas células, que constituem

      

156 MONDIN, Battista. O Homem quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. 8ª edição, São Paulo: Paulus, 1980, p. 47.

157 I. STADELMANN, Luis. “A vida na bíblia.” Encontros Teológicos, Florianópolis-SC, v. 23, n. 01, pp. 01- 189, [jan./abr.], 2008, p. 47.

158 MARCELO COELHO, Mário. Op. cit., p. 294.

159 “Sinônimo de ovócito. Célula derivada da oogónia (célula primordial do ovário do feto, que se transforma no oócito) e que constitui uma das fases da evolução do óvulo.” Cf. In: CÉU COUTINHO, A. (org.). Dicionário Enciclopédio de Medicina. 3ª edição, Lisboa-Portugal: Argo Editora, s. d, p. 1646

160 “O conjunto dos elementos contidos nos genes de um indivíduo humano e que formam o seu patrimônio biológico. O genoma é o código de que promana todo o futuro biológico de um indivíduo; as potencialidades de desenvolvimento de uma individualidade biológica completamente estruturada.” Cf. In: RUSSO, Giovanni. Bioética em diálogo com os jovens, p. 62:

dois sistemas independentes, mas ordenados um para o outro, dá origem a um novo sistema que começa a operar como uma unidade. Deste modo, já não são dois sistemas que estão agindo independentemente um do outro, mas um único sistema, chamado zigoto161 ou embrião unicelular.

Este novo genoma, responsável por identificar o embrião unicelular como biologicamente humano e especificar sua individualidade, não está numa posição de inércia no sentido de ser executado por órgãos fisiológicos da mãe adquirindo um esquema de passividade, mas é um novo projeto que se constrói a si mesmo assumindo o papel de ator principal de si.

Estas afirmações científicas sobre o embrião humano levou a compilação de um documento pelo Centro de bioética da Universidade Católica, “Identidade e estatuto do embrião humano”, em que a Igreja se serve para defender a vida humana já na sua fase embrionária.

A Comissão Warnock da Inglaterra afirma que não é possível distinguir entre o momento da fecundação e toda a vida procriada, mas, no entanto, propõe uma distinção entre o embrião até o 14º dia, chamado de pré-embrião e de valor inferior, e o embrião com mais de 14 dias.

E pode-se apontar três motivos para assinalar a discriminação dos primeiros 14 dias, mas, que por sua vez, não se sustentam do ponto de vista da lógica racional162:

Primeiro grupo: afirma que enquanto o embrião não estiver implantado no útero da mãe não há nenhuma garantia certa de que possa prosseguir em seu desenvolvimento, porque não está sendo ainda alimentado pela mãe. No entanto, não é a alimentação que produz a criança. Como também não é a implantação do embrião no útero que o faz um ser humano! É claro que o embrião se alimenta nos seus primeiros dias daquilo que encontra no óvulo fecundado e depois de implantado é alimentado pelo corpo da mulher, mas não é a implantação que faz do embrião um ser humano. O embrião já era uma realidade ativa e viva, que só dependia do ambiente uterino para poder se desenvolver.

A embriologia fornece uma documentação sobre o desenvolvimento do embrião, que já se encontra definido e orientado na direção de uma progressiva diferenciação e aquisição de complexidade e que não pode regredir para estágios já percorridos.

      

161 “[gr. zygotós atrelado] – célula resultante da união dos dois gametas masculino e feminino, o ovo fertilizado.” In: CÉU COUTINHO, A. (org.). Op. cit., p. 2473.

Neste sentido, podemos afirmar que o embrião humano na fase do pré- implante é: a) um ser da espécie humana; b) um ser individual; c) um ser que possui em si mesmo a finalidade de se desenvolver como pessoa humana e, ao mesmo tempo, a capacidade intrínseca de realizar tal desenvolvimento. Podemos afirmar que o embrião humano já na sua fase de pré-implante, constitui-se verdadeiramente uma pessoa.163

Segundo grupo: afirma “que até ao 14º dia ainda não se formaram os sinais do que será o cérebro”164, mas o desenvolvimento do cérebro depende do embrião, que o faz desenvolver-se!

“O cérebro do feto não se desenvolve graças ao cérebro da mãe, mas a partir dos genes que estão dentro do embrião, desde o primeiro momento da fecundação.”165

Terceiro grupo: afirma que o embrião, logo após a sua implantação, incorre na possibilidade de vir a ser dividido em dois provocando a ocorrência de gêmeos.

No entanto, mesmo na ocorrência de gêmeos, a divisão do embrião não destrói o primeiro embrião; separando-se, algumas células se tornam um outro embrião. O primeiro embrião continua o mesmo e o segundo embrião segue em seu desenvolvimento. Temos, então, o dobro de motivos para defendê-los, pois são dois embriões.166

De acordo com o documento supracitado da Universidade Católica sobre o estatuto do embrião humano, esse processo de desenvolvimento tem três propriedades biológicas:

1) Coordenação: “Em todo o processo da formação a partir do zigoto, há uma sucessão de atividades moleculares e celulares sob a guia da informação contida no genoma.”167

2) Continuidade:

O processo em si mesmo da formação do organismo é contínuo. É sempre o mesmo indivíduo que vai adquirindo sua forma definitiva. Se esse processo fosse interrompido, a qualquer momento, teríamos a morte do indivíduo.168

Neste processo se dá, por exemplo, a definição dos tecidos e a formação dos órgãos. 3) Graduação: verifica-se a passagem de formas mais simples a formas cada vez mais complexas:

O embrião humano mantém permanentemente a sua própria identidade, individualidade e unicidade, permanecendo ininterruptamente o mesmo e

       163 Idem, p. 294.

164 Idem, p. 295. 165 Ibidem. 166 Idem, p. 296.

167 SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética, vol. I. 2ª Ed., São Paulo: Loyola, 2002, p. 344. 168 Idem, pp. 344-345.

idêntico indivíduo durante todo o processo do desenvolvimento, (...) apesar da crescente complexidade da sua totalidade.169

No final da oitava semana, o desenvolvimento e a organização é tal que o embrião possui, ainda que em miniatura, todas as características do homem, com um sexo bem definido, como são reconhecidas no final da gravidez.

Esses dados científicos sobre o embrião humano trouxeram para a Igreja uma confirmação sobre a sua missão de defesa da vida já a partir dos primeiros instantes da concepção. A Igreja, portanto, no seu Sagrado Magistério e na sua Sagrada Tradição, arrefece ainda mais suas forças se colocando na direção da vida e contra o aborto, conforme se pode ver no próximo ítem.

1.6. Defesa da vida humana versus aborto na Tradição e no Magistério eclesial