• Nenhum resultado encontrado

A desestatização da infraestrutura econômica logística ferroviária no Brasil na década

2. Desestatização e regulação das ferrovias brasileiras na década de 1990

2.3. A desestatização da infraestrutura econômica logística ferroviária no Brasil na década

A partir da Lei nº. 8.987/1995, a chamada lei das concessões, a qual tinha sido apresentada pelo então Senador da República Fernando Henrique Cardoso, ainda em 1994, o Estado brasileiro abriu o setor da infraestrutura para a exploração da iniciativa privada. O setor logístico brasileiro foi colocado em negociação junto ao mercado para ser concedido. Segundo o ordenamento jurídico de tal lei, os investimentos e gastos operacionais feitos pelo parceiro privado são financiados pelas tarifas pagas pelos usuários do serviço. Nesse tipo de concessão o Estado arrenda os ativos públicos para a gestão da iniciativa privada, de modo a desonerar as contas estatais com a manutenção daquele bem público.

As primeiras concessões do setor foram as rodoviárias. Cerca de 800 km de rodovias federais foram concessionadas entre 1995 e 1997, tal como pode ser observado no quadro 3. O trabalho de Mancuso (2003) demonstra que a nova Lei contou com ativo interesse da indústria da construção pesada, que mantinha amplos interesses na exploração do mercado de infraestrutura desde o período militar.

Segundo Correia (2011, p. 178), o modelo de concessões guardava semelhanças com o modelo tradicional de contratação, em que a competição era restrita a consórcios nacionais, com a participação obrigatória de empresas de engenharia. O BNDES que concebeu o modelo de desestatização foi também responsável pelo financiamento de praticamente todas as concessões estaduais, seus desembolsos superavam os da iniciativa privada no setor. A meta de concessões rodoviárias do Governo Federal era mais ampla, porém, a interferência do Tribunal de Contas da União (TCU) barrou as demais licitações, criticando as regras restritivas dos editais, as quais favoreciam as grandes empresas de engenharia. Outro ponto citado pelo TCU seria de que o tempo necessário para a análise dos documentos da licitação era exíguo. O programa de desestatização das rodovias não funcionou tão bem quanto era esperado pelo governo (CORREIA, 2011, p. 179-180).

Quadro 3. Concessões rodoviárias na década de 1990.

Concessão Extensão (Km) Investimento44 Vencedor Contrato Ponte Rio-

Niterói 13,2 R$ 1,36 bi Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Serveng Civilsan, SVE Participações, Odebrecht e Brisa. Atualmente CCR.

12/1994

BR –

116/RJ/SP 402 R$ 9, 8 bi Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht e Serven Civilsan. Atualmente CCR.

10/1995

BR –

040/MG/RJ 179,9 R$ 2,66 bi Construtora Construcap, Triunfo, CCPS Triunfo, Engenharia e Comércio, CCI Concessões e Construtora Metropolitana. Atualmente CONCER.

10/1995

BR – 116/RJ 142,5 R$ 1,6 bi Carioca Cristiani-Nielsen Engenharia, Construtora OAS, Construtora Queiroz Galvão e Strata Concessionárias Integradas. Atualmente CRT. 11/1995 BR – 290/RS 121 R$ 1,36 bi Triunfo e SBS. Atualmente CONCEPA. 03/1997 Fonte: ANTT.

Tal como as rodovias, as ferrovias também passaram por um forte processo de desestatização, porém, o caso ferroviário é mais antigo e também mais exitoso quanto aos resultados obtidos, remontando ao final da década de 1980, quando os primeiros estudos foram feitos no sentido de desonerar o Estado de um gasto, analisado à época, supérfluo.

A RFFSA foi incluída no PND em 1992, mesmo ano que se deflagra a crise do Governo Collor e ocorre a paralisação do programa. No entanto, o BNDES tinha realizado os estudos necessários para a privatização da empresa, emitindo a recomendação de que os trechos da RFFSA fossem segmentados e concedidos à iniciativa privada, assim como a empresa fosse reestruturada segundo o modelo genérico nominado de organização por linhas de negócio. Nas recomendações do banco ainda figuravam que a RFFSA deveria integrar os bens das malhas regionais necessários à operação e ao seu apoio, devendo também serem desestatizados. Para a concretização do processo foi eleito o modelo de licitação da concessão, sob a modalidade de leilão, de maneira à pré-identificar os interessados, em sua grande maioria usuários do modal, e “abrir o valor mínimo da concessão em conjunto com o arrendamento dos bens operacionais e a venda dos bens de pequeno valor vinculados às respectivas malhas”. O BNDES ainda alertava para a necessidade de revisão do Regulamento dos Transportes Ferroviários, assim como a criação e/ou o fortalecimento de organizações no

44Em valores correntes de 2010, informados pela ANTT.

interior do Ministério dos Transportes (MARQUES, 1996, p. 57). Frente a mudanças tão drásticas de regime regulatório seria mais do que sensato recomendar a mudança e melhoria de instituições no âmbito da política de transporte ferroviário.

Tais recomendações foram acatadas pelo governo Fernando Henrique, e no início de 1996 teve início o processo de desestatização da RFFSA. A malha da empresa foi dividida em seis regiões, mais um trecho isolado da Ferrovia Tereza Cristina e a malha paulista, pertencente a estatal FEPASA que fôra incorporada pela RFFSA em 1998.

Uma série de incentivos foi proporcionada para a privatização da RFFSA, passando desde financiamentos do Banco Mundial para reparos emergenciais na malha até a redução de gastos com o pessoal da antiga estatal, que, por ventura, seria “herdado” pelos novos concessionários. Esses fatores melhoraram a atratividade da empresa para os operadores privados, que viram sua margem de lucro com tais incentivos ser melhorada, pois não teriam de investir tantos recursos na melhoria das vias, tampouco se preocupar com encargos trabalhistas futuros. Grande parte dos antigos funcionários da RFFSA foi demitida logo no início das operações dos novos concessionários (SOUZA; PRATES, 1997). O processo de desestatização da RFFSA terminou em 1999, assumindo a configuração mostrada no quadro 4 e na figura 4.

As concessões ferroviárias brasileiras da década de 1990 foram feitas com base num cenário de escolhas políticas, pois havia uma pluralidade de modelos de concessão que poderiam ter sido explorados, tal como visto no capítulo I. A opção brasileira foi pelo modelo da integração vertical das concessões, ligando a concessionária à manutenção da via férrea e à operação dos trens que passam sobre ela. Em verdade, o Brasil não teve muitas opções disponíveis para a realização dos leilões ferroviários na década de 1990. Os leilões estiveram atrelados a uma série de financiamentos que a RFFSA fez junto a instituições financeiras internacionais, condicionando o modelo de concessão a ser adotado no processo de desestatização da malha ferroviária federal.

Esse processo, que culminou na desestatização de boa parte do setor de transportes brasileiro, “se deu de forma independente das questões de redesenho institucional” (GOMIDE, 2011, p. 26). A falta de um marco regulatório para as concessões de ativos públicos no setor de logística gerou diversos problemas, tal como cálculos tarifários desajustados, dualidades de interpretações de regras, assim como uma grande fragilidade na fiscalização das cláusulas contratuais por parte do Governo Federal frente aos concessionários.

Quadro 4 Concessões ferroviárias na década de 1990. Malha: Concessionária Data do

Leilão Principais acionistas Início da Operação Extensão (km) Oeste (São Paulo e Mato

Grosso do Sul):Ferrovia Novoeste S.A.

05/03/1996 Nöel Group, Inc.; Brazil Rail Partners, Inc.; Western

Rail Investors, LLC; Bankamerica Intern. Invest. Corp.; DK Partners; Chemical Latin America Equity Assoc.

01/07/1996 1.621

Centro-Leste (Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Bahia e Sergipe):Ferrovia Centro- Atlântica S.A.

14/06/1996 Mineração Tacumã Ltda.; Interférrea S.A. Serviços

Intermodais; CSN - Companhia Siderúrgica Nacional;

Tupinambarana S.A.; Railtex International Holdings,

Inc.; Varbra S.A.; Ralph Partners Inc.; Judori Adm. Empr. e Part. Ltda.; Fund. Vale do Rio Doce de Seguridade Social; Banco de Boston S.A.

01/09/1996 7.080

Sudeste (Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo): MRS Logística S.A.

20/09/1996 CSN - Companhia Siderúrgica Nacional; MBR -

Minerações Brasileiras Reunidas; Ferteco Mineração S.A.; Usiminas; Funcape - Fund. Caemi de Prev. Social; Cosigua - Cia. Sider. da Guanabara; Celato Integração Multimodal S.A.; Ultrafértil S.A.; ABS - Empr. Imob. Particip. e Serviços S.A.

01/12/1996 1.674

Trecho isolado (Santa Catarina): Ferrovia Tereza Cristina S.A (FTC)

22/11/1996 Santa Lúcia Agro-Ind. e Com. Ltda; Banco Interfinance S.A.; Gemon Geral de Eng. e Montagem S.A.

01/02/1997 164

Nordeste (Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão): Companhia Ferroviária do Nordeste

18/07/1997 Taquari Participações; Cia. Siderúrgica Nacional; Cia.

Vale do Rio Doce; ABS - Empr. Imob. Particip. E Serviços S.A.

01/01/1998 4.534

Sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul): Ferrovia Sul-Atlântico S.A.

13/12/1996 Varbra S.A.; Judori - Adm. Empreend. e Part. Ltda.;

Interférrea S.A.; Ralph Partners; Railtex International Holding Inc.; Brasil Private Equity; Brazilian Equity Invest. III Ltd.; Brazilian Equities Ltd.

01/03/1997 6.586

Paulista (São Paulo, Paraná e Minas Gerais): Ferrovias Bandeirantes S.A.

(Ferroban).

10/11/1998 Previ, Funcef, União Comércio e Participações, Chase Latin, Capmelissa, Logística Bandeirante

01/01/1999 4.236

A maioria dos vencedores dos leilões de concessão da malha da antiga RFFSA já eram usuários da malha, favorecendo seu fechamento para outros clientes e produtos. O modelo de concessão ferroviária reforçou o monopólio sobre as linhas e produtos transportados por trens, tornando o modal uma espécie de centro de custos para seus usuários, prejudicando a competição e a atração das ferrovias frente a outros meios de transporte (BARAT, 2007b). Esse arranjo aponta para o fato de que as concessões não foram pensadas de maneira a propiciar competitividade e expansão do modal, mas apenas transferir ativos deficitários para a iniciativa privada45.

O Decreto nº. 1.832/1996 estabeleceu uma série de regulamentos para o transporte ferroviário de carga. O Artigo 17º, § 1ºdo decreto afirma que as tarifas dos serviços ferroviários serão negociadas com os usuários do modal, respeitando os limites máximos das tarifas de referência homologadas pelo poder concedente. O modelo tarifário para as concessões verticais foi baseado na tarifa teto (price cap). Isso criou poucos mecanismos de competição para o barateamento do frete ferroviário. Associado a isso, no artigo 6º do respectivo decreto, podemos ler: “As Administrações Ferroviárias são obrigadas a operar em tráfego mútuo ou, no caso de sua impossibilidade, permitir o direito de passagem a outros operadores”. Essa exigência visava assegurar a unidade nacional e a integração regional, de modo a possibilitar o fluxo de cargas entre as diferentes malhas ferroviárias existentes no país. Porém, faltava ao decreto uma estrutura administrativa para assegurar sua efetividade e cumprimento de seus princípios normativos. Até o ano de 2001, a gestão das concessões era feita pelo Ministério dos Transportes, por meio do Departamento de Transportes Ferroviários. Segundo Gomide (2011, p. 84), o órgão possuía pouco pessoal para uma fiscalização de abrangência nacional. Ainda no ano de 1996, foi criada, no interior do Ministério dos Transportes, a Comissão Federal de Transporte Ferroviário (COFER), órgão tripartite,

45O trabalho de Gomide (2011) aponta que a sequência da reforma do setor de telecomunicações foi bastante diferente da observada no setor de transportes, pois primeiro houve uma reestruturação regulatória do setor, com os novos marcos sendo erigidos num campo limpo, sem a constituição de interesses previamente estabelecidos, principalmente por meio da Proposta de Emenda Constitucional nº. 08/1995, cujo objetivo era alterar a redação do inciso XI do artigo 21 da Constituição Federal de 1988, o qual legisla que apenas a União poderia conceder a exploração de serviços de telecomunicações para empresas sob controle acionário estatal. A formação dos interesses dos atores privados se deu no próprio processo de privatização do setor, com as diversas variedades de concessões de serviços de telecomunicações que foram surgindo ao longo do processo. A criação da agência reguladora do setor, a ANATEL, instituída em 1997, foi feita nesse interregno de montagem do marco regulatório, participando, enquanto instituição dotada de atores e regras próprias, na moldagem do marco setorial. Apenas após a constituição dessa estrutura institucional é que o processo de privatização tomou corpo e foi implementado. A sequência e o timing das mudanças institucionais nos respectivos setores tiveram influência fundamental nos desenvolvimentos posteriores de investimentos e regulação. A sequência da reforma no setor de transportes, quando comparada ao setor de telecomunicações, se mostra deficiente, promovendo ineficiências e gargalos difíceis de serem superados sem uma atuação ampla do Estado, no sentido de planejar e regular a atuação dos diversos operadores nos variados modais.

composto por concessionários, a União e os usuários para discussão de assuntos relativos ao setor.

À época de preparação dos estudos para a desestatização da RFFSA, o BNDES recomendou uma reestruturação na organização da burocracia federal do setor de transportes, mais especificamente sobre a estrutura do Ministério dos Transportes. Tal recomendação, no entanto, só foi acatada pelo Governo Federal em 2001, quando foi criada a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), por meio da Lei nº. 10.233/2001, a qual herdou os contratos de concessão e suas respectivas regras assinados entre o Ministério dos Transportes e as concessionárias vencedoras dos leilões.

A Lei nº. 10.233/2001, de autoria do Deputado Eliseu Rezende (PFL-MG), promoveu uma profunda reestruturação no Ministério dos Transportes, instituindo, além da ANTT, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transportes (CONIT). Ao DNIT foi atribuída a tarefa de operar, manter e construir a infraestrutura viária federal (hidrovias, ferrovias e rodovias). Porém, tal como afirma Gomide (2011, p. 144), “apesar da extinção do DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem), o DNIT continuou a ser essencialmente um órgão de construção e manutenção da infraestrutura rodoviária”. Isso se verifica também com base nos recursos investidos em ferrovias e hidrovias pelo departamento, os quais estão muito aquém do modal rodoviário. O CONIT foi criado com o intuito de substituir o GEIPOT na missão de integrar os diversos modais de transportes no Brasil e foi planejado como um órgão de assessoramento vinculado à Presidência da República, com a atribuição de propor políticas nacionais de integração dos diferentes modos de transporte, assim como harmonizar as políticas de transporte nacionais com as políticas dos estados e municípios. O conselho trouxe uma proposta de integração federativa, o que, teoricamente, melhoraria a capacidade de coordenação entre os entes da federação e suas respectivas políticas na área logística46.

A Lei nº 10.233/2001 é um marco crítico na história da regulação dos transportes no Brasil47. A criação da ANTT se traduzia na necessidade de se regular as concessões de

rodovias e ferrovias feitas durante a década de 1990. A falta de mecanismos regulatórios e organizações capazes de implementá-los era flagrante no caso do modal ferroviário. A criação da agência tampouco foi feita sem controvérsias, os bastidores do Projeto de Lei nº.

46O CONIT não foi implementado pelo Governo de Fernando Henrique, o conselho só foi instituído formalmente em agosto de 2008, por meio do Decreto nº. 6.550/2008. Em tal decreto, a presidência do conselho estava sob a batuta do Ministério dos Transportes.Em 2012, o Decreto nº. 7.789/2012 transferiu a presidência do conselho para a empresa estatal Empresa de Planejamento e Logística S.A (EPL).

47Maiores detalhes sobre processo de criação dessa lei podem ser encontrados no trabalho de Gomide (2011, p. 116-148).

1.615/1999, o qual deu origem à respectiva lei, aponta que os trabalhos foram conduzidos de maneira rasteira, sem os devidos cuidados no detalhamento das funções e atribuições da agência. As críticas feitas ao Projeto de Lei na Câmara dos Deputados revelavam lacunas e superposições presentes no projeto. Para Gomide (2011, p. 125) dois grandes blocos de críticas se erigiam nesse sentido: de um lado a falta de definições a respeito dos princípios básicos que regeriam o setor, dos objetivos de sua reestruturação e a definição transparente do papel do Estado nos transportes. De outro, a sobreposição de funções, ou mesmo zonas cinzentas de competências e atribuições, entre o Ministério dos Transportes e a agência reguladora a ser criada. A falta de planejamento na reestruturação do setor de transporte se acentua quando não é averiguado nenhum projeto de visão estratégica para o setor, com um horizonte de planejamento de médio prazo, tal como um plano de logística ou mesmo uma definição prévia sobre o Sistema Nacional de Viação (GOMIDE, 2011, p. 125).

Embora a Lei nº. 10.233/2001 tenha sido aprovada em 2001, o efetivo funcionamento da ANTT teve início apenas em 2002. José Alexandre Nogueira Resende foi o primeiro diretor-geral da agência, tendo sido presidente da RFFSA e filho do autor e relator da respectiva lei (GOMIDE, 2011, p. 142). A agência foi instituída como uma entidade da administração pública federal indireta, tendo como principal objetivo assegurar aos usuários a adequada prestação de serviços de transportes terrestres, aqui elencados o modal ferroviário, rodoviário, dutoviário e multimodal. Entre as competências da agência figuram a concessão de ferrovias e rodovias, a permissão de transporte coletivo regular de passageiros pelos meios rodoviários e ferroviários e a autorização de transporte de passageiros sob regime de fretamento, transporte internacional de cargas e transporte multimodal e terminais. Para todos esses itens elencados acima, a agência conta com um quadro técnico para a elaboração de contratos, supervisão e fiscalização de concessões. As receitas da entidade administrativa advêm de dotações orçamentárias, recursos provenientes de concessões, taxas de serviços de fiscalização e de exploração da infraestrutura e arrecadações decorrentes da cobrança de penalidades e multas sobre os contratos de concessão. A ANTT é vinculada ao Ministério dos Transportes, porém, não subordinada, devendo submeter sua proposta orçamentária ao ministério. Em decorrência de depender de dotações orçamentárias da União, a ANTT é passível de sofrer contingenciamentos orçamentários pelo Poder Executivo, de modo a comprometer sua autonomia financeira planejada (GOMIDE, 2011, p. 143). A ANTT herdou todos os contratos de concessões ferroviárias firmados durante a década de 1990, sem ter participado da formulação de nenhum deles e assinados sob a ausência de um marco regulatório estabelecido previamente.

A Lei nº. 10.233/2001, em seu artigo 11, dispõe os princípios gerais dos transportes terrestres no Brasil. Tais princípios são assim elencados:

Art. 11. O gerenciamento da infra-estrutura e a operação dos transportes aquaviário e terrestre serão regidos pelos seguintes princípios gerais:

I – preservar o interesse nacional e promover o desenvolvimento econômico e social;

II – assegurar a unidade nacional e a integração regional;

III – proteger os interesses dos usuários quanto à qualidade e oferta de serviços de transporte e dos consumidores finais quanto à incidência dos fretes nos preços dos produtos transportados;

IV – assegurar, sempre que possível, que os usuários paguem pelos custos dos serviços prestados em regime de eficiência;

V – compatibilizar os transportes com a preservação do meio ambiente, reduzindo os níveis de poluição sonora e de contaminação atmosférica, do solo e dos recursos hídricos;

VI – promover a conservação de energia, por meio da redução do consumo de combustíveis automotivos;

VII – reduzir os danos sociais e econômicos decorrentes dos congestionamentos de tráfego;

VIII – assegurar aos usuários liberdade de escolha da forma de locomoção e dos meios de transporte mais adequados às suas necessidades;

IX – estabelecer prioridade para o deslocamento de pedestres e o transporte coletivo de passageiros, em sua superposição com o transporte individual, particularmente nos centros urbanos;

X – promover a integração física e operacional do Sistema Nacional de Viação com os sistemas viários dos países limítrofes;

XI – ampliar a competitividade do País no mercado internacional;

XII – estimular a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias aplicáveis ao setor de transportes.

Entre esses princípios destacamos as constantes referências ao caráter de serviço público dos transportes, de modo a preservar o interesse nacional, assegurar a unidade nacional e a integração regional, assim como a proteção dos usuários quanto à qualidade e oferta dos serviços de transporte. Embora com muitos avanços, a realização desses princípios se mostrou bastante difícil frente ao quadro de fragilidade regulatória do Estado brasileiro. O processo de desestatização da RFFSA foi feito com pouco detalhamento e sem uma firme regulação, deixando um legado negativo para o modal ferroviário brasileiro. A não especificação das condições da malha, assim como a não existência de regras que pesassem sobre os vencedores dos leilões e suas consequentes obrigações contratuais, gerou distorções e monopólios no uso da infraestrutura ferroviária. Grande parte dos vencedores nos leilões já eram usuários das respectivas malhas concedidas, favorecendo o fechamento das ferrovias para outros produtos, consequentemente, tornando o modal menos atrativo para outros clientes e mercadorias.

Uma das consequências dos contratos de concessão assinados na década de 1990 é a alta concentração da produtividade do modal ferroviário48, em que apenas três ferrovias

detêm mais de 70% do mercado ferroviário brasileiro (Quadro 6). A VALE é a concessionária da EFVM e da EFC, as quais respondem, juntas, por 50% do transporte de carga sobre trilhos no país, em seguida vem a MRS, cuja controladora é a CSN, com 20,7% do mercado de cargas ferroviárias. Entre essas operadoras, o principal fluxo de produtos é o de minério de