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5. A falha da implementação do novo marco regulatório ferroviário brasileiro

5.3. A segunda edição do PIL

A primeira versão do PIL, lançada em agosto de 2012, não conseguiu leiloar nenhuma ferrovia, um dos motivos para isso foi o imbróglio regulatório. Devido à insegurança do cenário institucional, colocado pela VALEC no centro do novo marco regulatório ferroviário, a iniciativa privada não se dispôs a participar dos leilões. A intenção do Governo Federal com o PIL era atrair a iniciativa privada para o centro da política de expansão do modal ferroviário brasileiro. Tal iniciativa não foi bem sucedida. O PAC continuou sendo o principal mecanismo utilizado para a expansão da malha ferroviária brasileira.

Frente ao fracasso da primeira versão do PIL, foi lançada a segunda edição do programa em 2015, contando com uma carteira de investimentos em ferrovias na casa dos R$

120 MAGALE, Bela, et al. Operação ligada à Lava Jato investiga desvio de R$ 630 milhões em ferrovias. Folha de São Paulo. 26/02/2016. Disponível em: <http://goo.gl/4PUdif >Acesso em: 30/04/2016.

80 bilhões. As regras das concessões do PIL foram atualizadas, de modo a tornar o programa mais atrativo para a iniciativa privada. As concessionárias ferroviárias atuantes no mercado brasileiro, as quais estavam impedidas de participarem dos leilões do PIL em sua primeira edição, foram autorizadas a concorrerem nos novos leilões ferroviários.

Quais as consequências práticas dessa medida do PIL 2015 para o novo marco regulatório ferroviário brasileiro? Com o rebaixamento das exigências para a participação nos leilões de concessão da malha ferroviária o novo marco regulatório teve sua discussão paralisada. A nova edição do PIL contemplou, fundamentalmente, a concessão vertical de ferrovias, pouco avançando no debate sobre a desvinculação da infraestrutura ferroviária e a operação dos trens. De maneira explícita, o PIL 2015 (BRASIL, 2015) afirma a necessidade de se aprimorar os mecanismos de concessão dentro do modelo regulatório vertical. Os fortes vetos à implantação do novo marco regulatório, associados às dificuldades econômicas do governo, levaram o PIL a adotar um modelo de concessões ferroviárias próximos àquele executado na década de 1990. Em vista da necessidade de fazer caixa para cobrir despesas, o Governo Federal lançou mão de um recurso bastante utilizado por gestões anteriores, utilizando concessões para fortalecer as finanças estatais. O contexto institucional de concessões ferroviárias é, mais uma vez, a transferência de ativos públicos para a iniciativa privada com poucos mecanismos regulatórios que assegurem a expansão e a melhor utilização do modal.

O padrão histórico de desenvolvimento das ferrovias no Brasil segue sendo reafirmado com mais esse episódio, em que condições econômicas ditam os rumos dos investimentos no modal. As dificuldades econômicas enfrentadas pelo país remeteram as ferrovias mais uma vez para a iniciativa privada, a qual conta com uma histórica estagnação na expansão da malha e priorização de produtos e clientes ligados a seu grupo acionário, de modo a não haver uma maior diversificação e concorrência no modal, encarecendo fretes e delimitando rotas.

Embora o mercado de commodities continue sendo dinâmico e responsável por uma boa parcela do PIB brasileiro, as ferrovias ainda seguem desprestigiadas em termos de planejamento estratégico de médio e longo prazo, pois sua capacidade de expansão está submetida aos ciclos econômicos atravessados pelo país. O ciclo desenvolvimentista pelo qual passou as ferrovias durante a década passada apontou claros sinais de esgotamento no final do primeiro mandato de Dilma Rousseff.

As medidas do PIL 2015 visaram o setor de planejamento estatal. Por meio do Decreto nº. 8.428/2015, foi instituído o Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI).

Com esse decreto a administração pública busca subsídios junto à iniciativa privada para a continuação dos programas de investimento, não apenas na execução privada de projetos formulados pelas instâncias governamentais, mas transferindo a responsabilidade da realização de estudos e projetos para o setor privado. O PMI transfere para a iniciativa privada a prerrogativa de planejar os principais projetos de infraestrutura do país, restando aos órgãos estatais de planejamento avaliar tais PMIs e sua adequação à estratégia de desenvolvimento do país. O PMI não é um procedimento inconteste, sua utilização pela administração pública é cercada por riscos. O ato de investidores privados apresentarem estudos e projetos para o Governo Federal abrir licitações de concessões pode contribuir para uma melhora substantiva na qualidade dos projetos apreciados para a implementação. Ao mesmo tempo, esse procedimento pode contribuir para criar um dilema de agência, aumentando a assimetria de informações entre o governo e o projetista, assim como entre empresas concorrentes na mesma licitação. O PMI pode funcionar como um mecanismo de empacotar o projeto e sua construção, concedendo ambos a uma mesma empresa ou consórcio (POMPERMEYR; SOUSA, 2016). Dito de outro modo, a empresa que elabora o PMI possuiu uma clara vantagem em relação a seus concorrentes, conhecendo o projeto em detalhes, de modo a gabaritá-la para fornecer a melhor oferta na licitação para a execução do projeto em questão. O interesse público, nesse sentido, pode ser seriamente afetado, pois o governo tem acesso a um projeto elaborado sob a perspectiva da iniciativa privada, não conhecendo seus pormenores.

O PIL 2015 é um grande pacote de incentivos para trazer a iniciativa privada para o centro da elaboração e execução de projetos de infraestrutura logística. Trata-se de uma parceria público privada, em sentido ampliado, com difícil mensuração de custos e riscos para ambas as partes. As inovações administrativas inseridas nas concessões são colocadas em funcionamento junto à deficiente estrutura regulatória dos diferentes setores de infraestrutura. Tais arranjos contratuais são colocados em difíceis condições de execução, ou, no mínimo, não conhecidas pela administração pública. O histórico de revisões regulatórias na América Latina aponta para os limites de tais arranjos, nem sempre vantajosos para a preservação da infraestrutura enquanto bem público.

Ao governo seria reservada a tarefa de elaborar planos de investimento estratégicos, tal como o PNLT e o PNLI, utilizando a rede de empresas estatais criada durante os governos petistas com o propósito de planejar os diversos setores de infraestrutura. A estatal EPL foi encarregada do licenciamento ambiental dos projetos ferroviários. Essa medida tenderia a acelerar o processo de implantação do projeto e atrair a iniciativa privada

reduzindo seus gastos. A manutenção do processo de licenciamento ambiental como função do Estado é fundamental para um desenvolvimento minimamente comprometido com a população e o meio ambiente. Pela complexidade do processo de licenciamento ambiental é interessante a realização de um acompanhamento atento por uma organização de coordenação, que possa articular diversos atores estatais e da sociedade civil para a consecução do licenciamento do projeto.

As dificuldades regulatórias do Estado brasileiro foram tratadas de maneira superficial pelos programas de investimento. Para o caso do modal ferroviário, a segunda etapa do PIL deixou de lado preocupações maiores com a regulação dos investimentos, alijando de seu cerne a discussão sobre o novo marco regulatório do setor. O PIL 2015 foi convertido em epitáfio da tentativa de implementação do novo marco regulatório ferroviário, havendo o reforço da regulação setorial erigida na década de 1990.

5.4. Existe um legado a ser deixado pela discussão do modelo regulatório ferroviário