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O investimento em infraestrutura econômica na América Latina nos anos 1990

2. Desestatização e regulação das ferrovias brasileiras na década de 1990

2.2. O investimento em infraestrutura econômica na América Latina nos anos 1990

uma série histórica de trinta anos, mostra variações importantes, desde a estagnação quase absoluta até uma ampliação vigorosa dos investimentos. Os condicionantes macroeconômicos que atuaram sobre a região tiveram influência decisiva nas decisões de investimento em infraestrutura, vide a fragilidade econômica e institucional da região. Diversos países latino- americanos sofreram duras crises econômicas, cujas “soluções” foram, muitas vezes, amargos

ajustes fiscais. Uma segunda característica foi que inovações técnicas, financeiras e regulatórias levaram o setor privado a tomar uma posição central no financiamento e na provisão de infraestrutura, enquanto o Estado tomava uma postura mais limitada à regulação do investimento privado (FAY; MORISON, 2007).

Os governos conservadores latino americanos, pautados pelo ideário neoliberal, de redução da participação estatal em setores importantes da economia, levaram à liquidação grande parte dos ativos estatais em áreas fulcrais da infraestrutura econômica. Essa redução do Estado nesses setores acarretou fortes cortes orçamentários e, consequentemente, uma abrupta queda dos níveis de investimento. Um dos principais preceitos neoliberais é o ajuste fiscal, evocado como a solução para sanar as contas públicas dos países latino americanos, promovendo duras reduções de gastos em setores estratégicos para Estados em desenvolvimento, tal como serviços sociais e infraestrutura. Como parte de tal ajuste vem a reboque o conceito de superávit primário, uma espécie de receita que os Estados devem guardar para pagamento de suas respectivas dívidas. Uma das consequências é que esses recursos não podem ser utilizados para investimento nos países.

A dimensão do ajuste fiscal sobre o investimento público em infraestrutura revela um claro viés contra o setor. A década de 1990, nesse sentido, foi predatória para o desenvolvimento da infraestrutura na região, sendo que até mesmo os economistas do Banco Mundial reconheceram, já na década de 2000, que o investimento nesse setor representa apenas uma pequena fração do PIB dos países latino americanos. Quando o ajuste fiscal corta desproporcionalmente os gastos em infraestrutura, os quais melhoram as oportunidades de crescimento, pode levar a um ciclo vicioso, no qual baixas taxas de crescimento diminuem futuras receitas e desestabilizam a dinâmica de débito. Isso, em consequência, força mais ajustes fiscais implementados por meio de cortes de investimento. Desse modo, se a estabilização do débito é perseguida inicialmente cortando gastos produtivos, o resultado pode ser a desestabilização econômica da região em questão. Os cortes de investimentos em infraestrutura pública podem cair na categoria de “ajustes fiscais ilusórios” (EASTERLY; SERVÉN, 2003), cujo resultado é o enfraquecimento das contas públicas, ao invés de melhorá-las.

Vários países latino-americanos reduziram seus investimentos públicos, particularmente na infraestrutura, em consequência dos ajustes fiscais que avançaram sobre o pensamento econômico da região, conforme pode ser visto na figura 1. Numa espécie de compensação em relação à redução do investimento público, a atração de investidores privados para os setores de infraestrutura foi grande. Entre 1990 e 2003, os países da região

atraíram cerca de metade dos 786 bilhões de dólares devotados ao investimento privado nas economias em desenvolvimento. As privatizações atingiram o ápice na região durante década de 1990, ao passo que, em seu início, apenas cerca três por cento das conexões de telefone e eletricidade eram fornecidas por companhias privadas. Em 2003, as empresas privadas gerenciavam cerca de 86% das assinaturas de telefone e 60% das ligações de energia elétrica. O setor de telecomunicações foi o que mais atraiu os investidores privados, sendo que empresas europeias, norte americanas e asiáticas adentraram no, até então fechado, mercado latino-americano de telefonia e dados. (ANDRES; FOSTER; GUASCH, 2005).

Figura 1. Ajuste Fiscal e Investimento Público em Infraestrutura na América Latina.

Fonte: Sérven, 2005.

Nota: Média pontuada para Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colombia, Costa Rica, México e Peru.

Interessante notar que a pesquisa de Calderón e Sérven (2010) aponta que os investimentos em telecomunicações cresceram nos principais países da América Latina. Porém, em claro contraste com esse dado, os investimentos em transportes terrestres caíram em quase todos os países, exceto o Chile. Enquanto o investimento privado teve um crescimento, em quase todos os países e setores, seu volume permaneceu bastante modesto, se comparado ao investimento público anterior à década de 1990.

As carências da região em termos de infraestrutura são grandes, principalmente aquelas associadas à infraestrutura social e urbana. Porém, a infraestrutura econômica não fica atrás, sendo necessários investimentos de grande vulto para melhorar o desempenho econômico e social da América Latina em relação aos países desenvolvidos. A necessidade desses investimentos é imediata, mas esbarram numa série de entraves, difíceis de serem superados a curto prazo.

Um dos principais entraves à expansão da infraestrutura na América Latina, seja ela social e urbana ou econômica, é a carência de recursos por grande parte dos países da região. Por se tratar de economias em desenvolvimento, a alocação de recursos escassos para as áreas de infraestrutura fica prejudicada, devido a uma série de restrições fiscais feitas por órgãos financeiros internacionais, os quais financiaram e ainda continuam financiando pesadamente a região. Esses controles fiscais afetam a capacidade de investimento, pois priorizam o pagamento de juros e dívidas.

Uma das alternativas apresentadas para essas dificuldades de financiamento da infraestrutura foi a privatização de boa parte das empresas públicas responsáveis pelo provimento de tais serviços para a população. Porém, essa alternativa se mostrou bastante impopular ao longo da década de 1990. Usando dados de surveys do Latinobarómetro, Fay e Morrison (2007) constataram que, ao passar dos anos, a insatisfação da população dos países da região em relação à privatização da infraestrutura foi aumentando. Em meados da década de 2000, cerca de 75% dos cidadãos estavam descontentes com as medidas privatizadoras adotadas. Associado a esse descontentamento popular, houve um esgotamento da primeira onda de privatizações. Esses fatores levaram várias empresas a perderem o interesse no provimento de infraestrutura. A figura 2 mostra como se inicia a década de 2000 em relação à provisão privada de projetos de infraestrutura. Houve uma queda significativa do investimento privado em infraestrutura nos países em desenvolvimento: seja no leste asiático; ou na América Latina.

Figura 2. Investimentos em infraestrutura nos países em desenvolvimento com participação privada 1990 - 2001

Fonte: Harris (2003)

Nota: Cifras em bilhões de U$, nos valores correntes de 2001.

Com a derrocada das privatizações, no início da década de 2000, outras alternativas de participação dos investimentos privados em infraestrutura foram trazidas para

a região. O estabelecimento de Parcerias Público Privadas (PPP) foi um mecanismo de participação privada na provisão de infraestrutura bastante utilizado na Europa. Esses mecanismos foram aportados na América Latina, criando-se uma série de concessões, nas quais a propriedade, ou os ativos, ainda são públicos, porém, sua operação é privada.

A concessão de serviços de infraestrutura na América Latina tem contado com a fragilidade regulatória dos países em questão, principalmente relativas a renegociações nos projetos. São definidas como renegociações aquelas que contam com significantes emendamentos nos contratos de concessão. De acordo com o estudo de Guasch (2004), 74% das concessões de transporte e 55% das concessões de água na América Latina foram renegociadas durante a década de 1990. Essas renegociações tenderam a ocorrer no início das concessões, com a média de apenas dois anos a partir da assinatura dos contratos. Isso aponta a fragilidade institucional da região em trabalhar com a iniciativa privada na provisão de infraestrutura, cujos termos técnicos e as características dos projetos, tais como custos irrecuperáveis e seu caráter de bens públicos, tornam a regulação tarefa central para um bom equacionamento dos contratos de concessão. Essas alterações contratuais geram custos adicionais, são anticompetitivas e contribuem para uma perceptível falta de transparência na elaboração das concessões.

A pesquisa de Fay e Morrison (2007, p. 103-104) alerta que os gastos em infraestrutura na América Latina devem ser aumentados. As pesquisadoras citam, como exemplo, a quantidade de recursos necessários para a cobertura universal de saneamento básico e eletricidade na região seria de apenas 0,25% do PIB ao ano, investidos dentro de dez anos. Já para a manutenção dos ativos existentes seria necessário alocar 1% do PIB e outros 1,3% do PIB seriam necessários para novos investimentos a fim de satisfazer a demanda de consumidores e empresas. A combinação dessas estimativas implica em cerca de 2,5% do PIB da região deveria ser suficiente para responder o crescimento esperado na demanda, manutenção da infraestrutura existente e a cobertura universal em saneamento básico e eletricidade. A estimativa de recursos levantada pela pesquisa é baixa, pois não incluí os custos de reabilitação ou investimentos necessários em transportes urbanos, portos, rodovias e aeroportos. Quanto a isso as pesquisadoras sugerem que cerca de 4% a 6% do PIB é requerido para levar a América Latina ao nível de cobertura de infraestrutura da Coréia do Sul, num prazo de 20 anos, ou seguir a trilha de investimentos chineses nessas áreas. Essas cifras sozinhas não dizem muita coisa, são apenas estimativas econométricas, mas que apontam a necessidade de aumento dos investimentos em infraestrutura na América Latina, os quais ainda são bastante tímidos.

A queda no investimento público em infraestrutura na América Latina obedeceu a critérios políticos, retirando a participação do Estado em setores chaves da economia e abrindo-os para a exploração privada. Assim foi com os setores de energia, saneamento, transportes e, principalmente, telecomunicações. Concessões mal desenhadas, regras frouxas e a tentativa de alijar o patrimônio público “deficitário”, fizeram da América Latina, na década, de 1990 uma espécie de paraíso das privatizações, desestatizações e concessões, rendendo bons dividendos para a iniciativa privada atuante na região.

2.3. A desestatização da infraestrutura econômica logística ferroviária no Brasil na