• Nenhum resultado encontrado

A dimensão sociopolítica da intervenção social

VIOLÊNCIA CONJUGAL CONTRA AS MULHERES

3 Modelos de intervenção

4.1 A dimensão sociopolítica da intervenção social

A intervenção social procura conjugar três dimensões: o indivíduo, a prestação de serviços e a reforma social, com o objectivo de promover mudança melhorando o funcionamento social através da integração do indivíduo no meio (Faleiros, 1983). Esta conjugação faz-se em contexto comunitário, estabelecendo a correspondência entre actores sociais e problemas sociais, o que implica conjugar recursos e necessidades num determinado contexto. Esta perspectiva, que o autor designa como sociologista, dá lugar a um modelo de intervenção que se distingue do modelo assistencialista. O modelo assistencialista é orientado pelo princípio paternalista, caracterizando-se por um predomínio de práticas reabilitativas em que a integração do indivíduo no meio se constitui como objectivo e não como meio para melhorar o funcionamento da sociedade (como se verifica na perspectiva sociologista). Faleiros (1983) distingue ainda uma perspectiva tecnocrática, que se traduz na organização das forças dinâmicas da sociedade, coordenando-as e envolvendo-as em processos de cooperação, mas de uma forma mecanicista. Nesta perspectiva, a dimensão da prestação de serviços é enfatizada em relação às outras duas – o indivíduo e a reforma social.

A perspectiva sociologista, em que os actores individuais são situados nas suas relações sociais (Faleiros, 1983), traduz a intervenção social na sua forma sociopolítica. Nesta forma, a intervenção social aproxima-se da sociologia da intervenção (Carmo, 2007) e traduz-se na acção colectiva (Guerra, 2006).

A conscientização (Faleiros, 1983) ou consciencialização (Freire, 1977) é o processo que permite ganhar consciência crítica para agir. A consciencialização desenvolve-se num triplo processo, de observar objectivamente a realidade, descodificá-la comparando o ser da situação com o dever ser desejado e definir estratégias para a sua transformação, através de uma acção cultural (Carmo, 2007). A reflexão e a acção ligam-se através da problematização. Neste processo, Paulo Freire enfatiza a complementaridade entre a problematização e o diálogo como ponto de partida para a acção (Faleiros, 1983). Este processo é essencial para que não se caia num de dois

extremos: o verbalismo, em que se reflecte sem agir, ou o activismo, em que se age sem reflectir. O verbalismo traduz uma ‘palavra inautêntica’, por estar destituída de acção mantendo-se apenas discurso descomprometido de transformação. Porém, quando se enfatiza ‘ou exclusivisa’ a acção, sacrificando a reflexão, impossibilita-se o diálogo e faz-se acção pela acção, isto é, sem definir um rumo de transformação (Freire, 1975).

A problematização e o diálogo constituem o ponto de partida para a consciencialização encetando um processo em que as molduras de acção colectiva vão sendo construídas à medida que: (i) os sujeitos negoceiam um significado partilhado em relação a uma situação problemática definida como necessitada de mudança, (ii) fazem atribuições ao nível da responsabilização por essa situação, (iii) articulam um conjunto de alternativas e (iv) mobilizam outros sujeitos no sentido de promoverem a mudança.

Este processo remete-nos para o conceito (mais recente) de advocacy38, entendido como defesa de direitos, com militância ou entrega a uma causa, implicando uma dimensão axiológica (assente em valores) e uma intenção ética ou moral (que guia a acção). O conceito é relativamente recente, embora o seu conteúdo faça parte da história da intervenção social (Kelly e Humphreys, 2001). Na intervenção social ‘traduz a acção do sistema-interventor em defesa ou em representação do sistema-cliente’ (Carmo, 2007:161) implicando uma dimensão pragmática. A conjugação das dimensões axiológica e pragmática na área da violência conjugal traduz-se no objectivo de trabalhar para tornar os direitos das mulheres efectivos, incluindo assegurar ‘que as agências do Estado disponibilizam serviços como alojamento, orientação e representação legal’ (Kelly e Dubois, 2007:glossário).

Nesta referência às respostas à violência conjugal, é usual distinguir entre uma acção dirigida ao indivíduo - correspondente aos termos case advocacy (Sullivan, 1997;

38 O conceito tem origem no temo advocate que significa falar publicamente a favor de alguém ou

manifestar o apoio a algo. Traduz a ideia de representar alguém (uma pessoa) ou algo (uma causa, um principio, valor ou política) argumentando em seu favor (Pence, 2001:330). Neste texto por vezes usamos o termo defesa e defensores, como tradução livre de advocacy e advocates respectivamente, com as variações gramaticais correspondentes. A advocacy de grupos fragilizados é um dos domínios dos cuidados de proximidade (Carmo, 2008) remetendo para a prestação de serviços de apoio.

Sullivan e Bybee, 1999), individual case advocacy (Pence, 2001) ou victim advocacy (Clark et al., 1996) - e uma acção dirigida ao sistema de protecção dos cidadãos - correspondente ao termo systems advocacy (Pence, 2001).

A advocacy individual é desenvolvida em benefício de uma mulher vítima de violência e verifica-se quando uma organização ajuda uma mulher a lidar com qualquer uma das componentes do sistema (Hester e Westermarland, 2005; Morton, 2003; Sullivan, 1997).

As acções de advocacy de sistema têm como objectivos:

- A mudança das instituições, na sua organização e funcionamento e na articulação entre elas, tendo em vista aumentar a protecção e segurança da vítima.

- Fomentar a autonomia da mulher vítima de violência.

- Prevenir revitimizações decorrentes do funcionamento das organizações de apoio. - Aumentar a responsabilização do agressor pelas suas acções.

- Manter o tema da violência contra as mulheres, incluindo a violência conjugal na agenda política e na discussão colectiva.

Como se depreende, a finalidade da acção é ampla, incluindo a promoção de mudanças nas normas sociais dominantes no sentido da não-tolerância, com condenação social da violência contra as mulheres em geral e da violência conjugal em particular.

Considerando a existência de uma acção racionalmente orientada para um propósito, que se caracteriza por ser um produto da livre vontade humana, integrando uma componente moral (aplicada pelo sujeito à situação em que se encontra a sociedade e à sua própria acção, levando-o a empreender uma missão de mudança), esta capacidade que os indivíduos possuem de fazerem escolhas e de as impor ao mundo implica agência humana (Giddens, 1997).

O conceito de agência humana integra uma dimensão ética e moral (de consciencialização), uma dimensão volitiva (da vontade) e uma dimensão da acção

(remetendo para as práticas). No quadro de uma sociologia interpretativa, estas dimensões estão interligadas implicando que para conhecer as práticas dotadas de sentido e o seu significado para quem as pratica, tenha que se compreender os factores que guiam a acção e que estão na base de se agir de determinada maneira. Em primeiro lugar, a ligação entre as dimensões não é evidente e por isso precisa de ser compreendida enquanto facto sociológico. Em segundo lugar, aquela ligação não se estabelece automaticamente nem de forma autónoma em relação aos factos sociais, estabelecendo como pressuposto que a motivação ou vontade humana para agir não é suficiente para gerar a acção.

De acordo com a teoria da estruturação de Giddens (1997), a agência humana e a estrutura social estão interligadas, cada uma condicionando e contribuindo para a outra. A agência é definida e influenciada pela estrutura, logo desde a concepção de um projecto de mudança e enquanto o mesmo se vai concretizando. As restrições da estrutura social podem manifestar-se de modos explícitos e/ou através de bloqueios implícitos. Estes são mais difíceis de prever na fase em que se define a missão e os objectivos da acção, mas fazem sentir o seu peso sobre a vertente mais pragmática da acção, podendo mesmo chegar a alterar as expectativas de mudança iniciais (incluídas na definição da missão).

Neste raciocínio que aqui desenvolvemos convocando vários conceitos da Sociologia, consideramos vantajoso enfatizar a dimensão relacional – em que os sujeitos em interacção negoceiam significados e alcançam uma definição partilhada dos problemas e da sua acção de defesa de pessoas ou causas sociais. Para isto, convocamos também o conceito sociológico de actor social (Touraine, 1996) porque enfatiza a dimensão relacional nas interacções, prestando-se a uma análise das relações sociais em que está presente um desejo de o sujeito se transformar, pondo em prática a capacidade de ser actor social39, predispondo-se a transformar a realidade social.

De acordo com o autor, o ‘novo actor social’ constrói-se através da imposição à sociedade de princípios de organização alternativos que radicam numa vontade de criar modos de vida social adequados à concretização dos direitos humanos – indo para além da concepção de cidadania (focada na dimensão cívica da vida em sociedade).

Um dos pressupostos analíticos de Touraine (1996) é o de que os sujeitos se assumem como protagonistas nos processos de mudança social, desenvolvendo relações sociais e envolvendo-se num projecto colectivo, que lhes permita passar de actor individual para actor social.

Quando se ligam a outros sujeitos criam um grupo de identidade que: - Empreende um projecto colectivo.

- Dá visibilidade a um plano de mudança.

- Permite explicitar o rumo pretendido para a mudança, através das trocas entre os vários actores individuais presentes nesse grupo.

- Racionaliza os modos de concretizar a mudança pretendida, vertendo-os em planos de acção ou outras formas de planeamento.

O objecto deste estudo – a intervenção social em parceria nas situações de violência conjugal contra as mulheres – é mais facilmente apreendido a partir do estudo das relações sociais promotoras de transformação social. Interessa-nos, em específico, compreender processos de mudança ao nível das relações sociais (nas interacções entre sujeitos que se constituem actores sociais) e não estudar as estruturas que resultam do envolvimento cívico (as organizações sociais de cooperação).

Assumindo como pressuposto que a realidade age através da interpretação produzida pelos actores sociais sobre essa mesma realidade, as estruturas resultantes do envolvimento dos actores sociais representam produtos de relações sociais (processos de interacção). A acção colectiva ou agir dos actores sociais na resposta à violência

39 Neste conceito, apresentado em 1996, o actor social é definido como assumindo determinados papéis

contra as mulheres envolve três níveis de acção que estão interligados e resultam do processo de consciencialização do fenómeno. Ainda que neste processo seja possível identificar um padrão para a maior parte dos contextos culturais, a influência dos factores político-institucionais faz-se sentir sobre a transformação ao nível da intervenção pública (dos organismos oficiais com legitimidade para exercer controlo e coerção social), da prestação de serviços e da mudança política e social.

Figura n.º 2 Níveis de Acção Sociopolítica

Fonte: Sullivan e Bybee (1999)

No próximo capítulo abordamos os factores culturais que nos parecem pertinentes na compreensão da intervenção social em parceria nas situações de violência conjugal na sociedade portuguesa.

da anterior definição de actor social feita por Touraine na análise das lutas estudantis em França em 1968.

Síntese

A interpretação de violência conjugal como questão de género encontrou no quadro dos direitos humanos uma oportunidade para ampliar a visibilidade de um fenómeno social implícito e defender a causa da luta pela opressão feminina a nível mundial (UNIFEM, 2008a; WHO, 2005). A ‘nova’ política social aprofundou, do ponto de vista político, o empoderamento como estratégia a seguir pelos Estados no combate à violência contra as mulheres. Neste novo paradigma de política social valoriza-se a advocacy esperando-se que a mudança se verifique conjuntamente com a capacidade de agência no estímulo colectivo à mudança das normas sociais nas sociedades patriarcais. O modelo de parceria é então identificado nos discursos políticos como tendo potencial para concretizar este conjunto de expectativas, atribuições e pressupostos.

Vimos neste capítulo, que as parecerias são investidas de um conjunto de atributos geradores de expectativas em relação ao seu potencial para renovarem o sistema de apoio na resposta a situações de violência conjugal e para inovarem na intervenção (directa) com mulheres vítimas dessa forma de violência. Apesar de se ‘falar muito’ de parceria, são poucos os estudos que analisam a forma como se decide agir em parceria e como se concretizam os planos de acção em contextos de acção específicos (Guerra, 2006:8).

Chegados a esta fase, em que a pertinência deste estudo se consolida, falta contextualizar o problema de pesquisa na sociedade portuguesa. No próximo capítulo, começamos por tentar perceber a necessidade de mudança actual adoptando uma perspectiva histórica. Depois procuramos desconstruir os discursos políticos para conhecer a posição adoptada por Portugal em relação às orientações internacionais e o planeamento do Estado na definição da política social da violência conjugal. Em terceiro lugar, abordamos a intervenção dirigida à violência conjugal procurando perceber aí a influência da ideologia de género.

Capítulo 4

A violência conjugal na sociedade portuguesa: da construção do fenómeno social à acção

Neste capítulo contextualizamos a discriminação de género e a política social da violência conjugal na sociedade portuguesa. O objectivo consiste em começar a explorar a existência de desfasamentos entre a produção discursiva, presente nas orientações programáticas, e as práticas de intervenção. Para compreender a eventual existência destes desfasamentos torna-se importante integrar a situação portuguesa na actualidade de um ponto de vista histórico recuperando, ainda que sumariamente, o processo de europeização da sociedade portuguesa para, a partir daí, perceber a actuação política dos actores sociais governamentais (do Estado) e não-governamentais (da sociedade civil).

1 Discriminação de género

Na sociedade portuguesa, a representação da família enquanto unidade foi até há pouco tempo identificada administrativa e legalmente por uma única pessoa à qual era remetida a responsabilidade pela família - o ‘chefe de família’ ou ‘cabeça de casal’, identificado na figura masculina. Apesar de esta situação não se manter no plano jurídico-institucional prevalece na memória colectiva e faz parte das representações sociais hegemónicas (Barbosa, 2008). O respeito é o valor social na base do reconhecimento da legitimidade do poder masculino no matrimónio (Dias, 2004). Este valor conjuga-se com outros imperativos culturais para influenciar a representação social de que a unidade da família deve ser protegida. Os imperativos culturais em causa são a honra, a bondade e a confiança (Santos, 2003) definindo que o poder masculino no matrimónio é sustentáculo da família. Assim, o poder masculino e a unidade familiar são ligados. Os valores de lealdade (Torres, 2002) e confidencialidade, projectados na família, estruturam a ideia de privacidade, que condiciona as interacções das famílias com o meio.

Na sociedade portuguesa, a mulher até ao século XIX tinha um estatuto de ‘menoridade social’ (Silva, 1983:77), devendo legalmente obediência ao seu marido (um dos princípios basilares do direito romano fundado na posse do pater familia e inspirada no Código Civil napoleónico em relação ao direito de família). A situação jurídica da mulher portuguesa foi alterada com a I República, indo ao encontro de algumas das

reivindicações do movimento de mulheres. Esta acção está associada à revisão do Código Civil, em que o casamento passou a ser baseado na igualdade dos cônjuges, se suprimiu o dever de obediência da mulher ao marido e se admitiu o divórcio (com a aprovação da Lei do divórcio a 03 de Novembro de 1910, atribuindo os mesmos direitos a mulheres e a homens em relação à separação e sobre as crianças). Ainda que o reconhecimento dos direitos das mulheres na família tivesse antecedido o seu direito ao voto40 e apesar das mudanças no plano dos direitos civis, o ‘pátrio poder’ reassumiu importância na ideologia do Estado Novo, ficando constitucionalmente consagrado entre 1933 e 1976.

Com a reforma do Código Civil de 1966 e a publicação da Constituição da República Portuguesa em 1976, ocorreram mais transformações que abriram espaço para uma (des)institucionalização da família, com reelaboração das relações hierárquicas de poder (Barbosa, 2008). Juridicamente foi estabelecido o princípio da igualdade dos direitos e deveres dos cônjuges no interior da família e em sociedade, reconhecendo plena igualdade legal à mulher casada, comparativamente ao seu marido. Foi suprimida a figura do chefe de família, erodindo o seu poder marital, a decisão unilateral sobre a residência do casal, a necessidade de autorização do marido para que a mulher exercesse uma actividade económica (Amâncio, 1998).

Para além destes dois pilares políticos, 1974 assumiu um valor simbólico associado à transição para um regime democrático assinalando a data em que foram encetadas mudanças sociopolíticas ‘de profundo significado’ (Rodrigues, 1999:191). No entanto, já no final da década de 1960, as mulheres reivindicavam direitos, ainda que o fizessem de forma dispersa, quer em termos do território nacional, quer em termos das exigências e interesses (Almeida, 1986; Barbosa, 2008; Valente, 1998).

40 A I Republica não terá concedido o direito de voto às mulheres por recear a influência clerical

(Pimentel, 1999). O direito de voto condicional ou parcial foi concedido às mulheres em 1931, já na vigência do Estado Novo baseando as condições para o seu exercício em critérios de educação e de estatuto em relação ao Estado. Em 1934 foi concedido o direito de elegibilidade às mulheres com um curso do ensino secundário ou que eram chefes de família. O sufrágio universal só ficou estabelecido após o 25 de Abril de 1974. A CRP de 1976 dotou de estatuto constitucional a igualdade entre homens e mulheres (influenciando a criação de um organismo oficial para a sua promoção, em 1977: a Comissão da Condição Feminina).

No final da década de 1970, os temas que se tornaram públicos na sociedade portuguesa com importância para a questão da desigualdade de género, foram os direitos das mulheres em situação de divórcio; a sobrecarga de papéis para a mulher, geradora de constrangimentos na conciliação entre família e trabalho; a opressão feminina, colocando dificuldades à participação política institucional; a precariedade das condições de trabalho; o aborto e o planeamento familiar; a falta de habitação; a falta de creches para os filhos e o elevado custo de vida (Silva, 1983). As reivindicações focavam a situação da mulher no trabalho e na família mas mais de um ponto de vista mais funcional do que relacional.

O 25 de Abril de 1974 permitiu a emergência de um conjunto de associações e de grupos de mulheres (Canotilho, Tavares e Magalhães, 2006)41

. Esta ‘agitação social’ fez de Portugal um país pioneiro na criação de um mecanismo governamental de defesa dos direitos das mulheres na sequência da instauração de um regime democrático (Troy, 2007) antecipando-se mesmo ao Plano Mundial de Acção (aprovado na Conferência Mundial da Mulher, realizada no México em 1977). Todavia, a estratégia de luta pelos direitos das mulheres foi constituída de forma hierarquizada e semi-institucionalizada (Cruz, 2006), com o Estado a assumir a dianteira (Valente, 1998). Em finais de 1974 um grupo de mulheres começou a funcionar na Comissão da Condição Feminina (CCF) com a finalidade de preparar o Ano Internacional da Mulher (proclamado pelas Nações Unidas em 1975 dando inicio à Década da Mulher 1975/85). Este grupo teve a sua origem no ‘Grupo de Trabalho sobre a Participação das Mulheres na Vida Económica e Social’ (que tinha sido criado ainda em 1970 sob presidência da Engenheira Maria de Lourdes Pintassilgo e deu origem ao Conselho Consultivo da CCF).

41 O 25 de Abril de 1974 representou um aumento da participação de mulheres nos movimentos sociais. A

20 de Maio de 1974 foi criado um movimento pelo divórcio exigindo a revisão da Concordata (estabelecida entre o Governo português e a Santa Igreja em 1940 interditando o divórcio para os casamentos consagrados catolicamente). A 13 de Fevereiro de 1975 foi estabelecido o direito ao divórcio civil para pessoas casadas pela Igreja católica e foi alterado o texto da Concordata entre a Igreja e a Santa Sé. A 2 de Abril de 1976 a nova CRP, que estabelece a igualdade de direitos entre mulheres e homens, significa para as mulheres o ‘reconhecimento’ de um novo estatuto na sociedade, no trabalho e na família.

As organizações de mulheres eram afectadas por uma falta de visibilidade originada por duas vias. Por um lado, eram conotadas com um certo radicalismo (feminista), com falta de afirmação política autónoma e, por outro lado, dedicavam-se a causas interpretadas como femininas (não da família ou da sociedade), desenvolvendo trabalho para mulheres por mulheres. A dificuldade das mulheres em assumir-se como sujeitos nas relações sociais é explicada pelo seu processo de socialização, ‘ainda moldado pela obediência aos cânones patriarcais’ (Koning, 2006a:16). No inicio do século XXI, a luta feminista na sociedade portuguesa caracteriza-se pela insuficiência teórica e falta de debate nas ONG que actuam na área dos direitos das mulheres (Canotilho, Tavares e Magalhães, 2006), configurando um movimento caracterizado pela falta de organização e de orientação das reivindicações (Tavares, 2000).

Apesar do consenso em relação à tese de que na sociedade portuguesa as mulheres têm dificuldades em auto-organizar-se (Koning, 2005), analisando a década entre 1990 e 2000, Canotilho, Tavares e Magalhães (2006) referem que nesse período o activismo feminista incluiu acções tais como:

- A ligação do movimento feminista com outros movimentos sociais.

- A constituição de plataformas de acção, motivada pela realização de campanhas na defesa de causas colectivas.

- A composição de plataformas de representação das ONG em organismos governamentais.

- A participação em redes de mulheres, assumindo maior expressão no âmbito internacional do que no âmbito nacional.

No quotidiano, a assimetria de papéis conjugais mantém-se na família (Almeida, 2009;