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A dinâmica da gestalt da imagem, segundo Arnheim

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.5 O discurso das imagens

2.5.6 Análise dos elementos da imagem

2.5.6.1 A dinâmica da gestalt da imagem, segundo Arnheim

Dada a importância das contribuições de Arnheim (1994; 2002) para o estudo da percepção visual, vale a pena dedicar algum esforço na síntese dos vários elementos que esse autor oferece para a abordagem analítica do assunto.

Estabelecendo as relações entre o que foi discutido anteriormente e as teorias de Arnhein, o todo da imagem que se oferece à leitura pode ser entendido como uma sintaxe capaz de organizar uma determinada semântica, que se articula em torno de dinâmicas ou narrativas visuais.

O que uma pessoa ou um animal percebem não é somente o arranjo de objetos, cores e formas, movimentos e tamanhos. É, talvez e antes de tudo, uma interação de tensões direcionadas. Estas tensões não são alguma coisa que o observador acrescenta, por suas próprias razões, a imagens estáticas. Pelo contrário, estas tensões são tão inerentes a qualquer percepto como o tamanho, a forma, a localização ou a cor. Pelo motivo de que eles têm magnitude e direção, estas tensões podem ser descritas como forças psicológicas (ARNHEIM, 2002: 11).

Essas características da dinâmica da imagem podem ser divididas em duas dimensões: a do próprio objeto, personagem ou assunto que figura na composição (como a cor, o volume, a forma e o formato) e a do arranjo desses elementos dentro dos limites físicos disponíveis para a expressão (o balanceamento, obtido pela distribuição espacial dos elementos e a proposição vetorial de movimento). A significação obtida é um jogo de complementação entre essa articulação sígnica, de eleições da forma da expressão, e a capacidade do receptor da mensagem de constituir um significado total, referenciando a expressão visual como uma gestalt, processo no qual utiliza seu amplo sistema de referência.

A seguir são apresentadas, de forma bastante resumida, algumas das reflexões de Arnheim sobre como as formas dinâmicas da organização da imagem agem para estabelecer efeitos cognitivos na mente do receptor.

- Forma (shape): “as características espaciais que são consideradas essenciais” para um dado conceito, o que certamente é influenciado pelo passado como referente da experiência (ARNHEIM, 2002: 48). Os traços da memória são fundamentais para que um leitor adicione a dimensionalidade de uma figura retratada numa imagem. Arnheim recorre a um princípio da gestalt, que também regula o princípio da economia cognitiva, que ele determina ser a lei básica da percepção visual: “qualquer estímulo padrão tende a ser visto de tal forma que a estrutura resultante seja tão simples quanto a condição dada permite” (ARNHEIM, 2002: 53).

A simplificação da decodificação é um conceito fundamental para explicar o saleiro como referente à pessoa humana, no exemplo dado por Mitchell e utilizado anteriormente nesta revisão. Ao buscar a simplicidade, o processo cognitivo tende a eliminar os excessos e detalhes que não considera relevantes, dando foco à informação mais importante. Nesse processo, esqueletos estruturais são identificados e depois revestidos de detalhes. Decodificar uma composição visual é identificar os esqueletos de formato que constituem o estímulo da maneira mais simples possível, suas relações, para então dedicar-se ao nível de maior aprofundamento da significação.

- Formato (form): A diferença proposta por Arheim entre forma e formato é a de que o primeiro conceito relaciona-se com uma generalização, enquanto que o segundo é uma expressão aplicada. Ao reconhecer as formas, o indivíduo tende a determinar seu formato. E segundo o autor, a transposição é um complexo sistema de referências que permite, por exemplo, um círculo colocado em perspectiva e que assume o formato de uma elipse, possa ser reconstituído mentalmente pela sua forma circular primária. As projeções e orientações espaciais estabelecem quadros de referência que são comparadas a mecanismos dinâmicos, que proporcionam o entendimento. Um importante mecanismo perceptivo envolvido nesse processo é o da redução, ou seja, assumir um objeto como um todo pela percepção de uma parte visível ou característica e também a de se pressupor todo o formato, mesmo quando a figura não se apresenta de forma integral, ou está escondida por algum elemento que se sobrepõe.

- Iluminação (light): o contraste entre áreas iluminadas e posicionadas na sombra, combinadas com a gradação do brilho se constituem em efeitos que contribuem para atribuir foco ou dissimular figuras, bem como ressaltar determinados atributos do assunto apresentado. A luz ajuda a criar espaços e volumes.

Desde que a iluminação significa que uma dada superfície está voltada à fonte de luz enquanto que a sombra significa que ela está afastada, a distribuição do brilho ajuda a definir a orientação dos objetos no espaço. Ao mesmo tempo, ela mostra como as várias partes de um objeto complexo estão relacionadas umas com as outras (ARNHEIM, 2002: 313).

A contradição entre a iluminação e a sombra também carrega diversos conteúdos semânticos, geralmente associados a simbologias entre o mostrado e o escondido, o bem e o mal, o explícito e o dissimulado.

- Cores (color): “Todas as aparências visuais devem sua existência ao brilho e à cor. As fronteiras que determinam a forma dos objetos derivam da capacidade que o olho tem de distinguir entre áreas de diferente brilho e cor” (ARNHEIM, 2002: 332). Por outro lado, Arnheim vai além do entendimento de que as cores relacionam-se unicamente com o background cultural do indivíduo, mas que dependem também de aspectos neurofisiológicos.

Ninguém nega que as cores carregam forte expressão, mas ninguém sabe como expressão é alcançada. Para ter certeza, largamente se atribui à expressão que seja baseada na associação. O vermelho é entendido como excitante porque ele nos lembra do fogo, do sangue e da revolução. O verde recupera para nós o pensamento refrescante da natureza, e o azul é gelado como a água. Mas a teoria da associação não funciona aqui como, aliás, em outras áreas. O efeito das cores é muito direto e espontâneo para ser unicamente uma interpretação ligada ao percepto pela aprendizagem (ARNHEIM, 2002: 368).

As cores, segundo Arnheim, desencadeiam processos fisiológicos que são responsáveis por várias reações. O entendimento da cor, além de ser uma instância cultural, também é um processo mental, nem sempre controlável e repleto de nuances que ainda desafiam o estudo teórico na área da neuropsicologia. O autor dá o exemplo do cinema em preto e branco e a capacidade que o cérebro tem de reconstituir as cores pela memória e associações. Isso denota que o formato serve mais para a identificação e a orientação do que a cor, mas isso não significa que ambas características não sejam tomadas conjuntamente para reconstituir o sentido original da mensagem. Em termos discursivos, a expressividade cromática pode ser analisada pela comparação entre os matizes utilizados, sua complementaridade ou seu contraste. Com o uso de tons contrastantes ou equilibrados, os efeitos alcançados podem ser a acentuação ou o nivelamento, que contribuem para o todo da percepção. Segundo Arnheim,

[...] uma composição de cores baseada em nada além de um denominador comum pode descrever somente um mundo de paz absoluta, desprovido de ação, estático em seu clima. Ela poderia representar o estado de paz serena na qual, para emprestar a linguagem dos físicos, a entropia alcança seu máximo absoluto (ARNHEIM, 2002: 348).

De modo inverso, cores contrastantes em luta pela dominância, estabelecem uma dinâmica discursiva que gera tensão e estimula a percepção de movimento, de desequilíbrio, de insatisfação.

- Espaço (space): a delimitação do espaço ocupado, do arranjo dos elementos de acordo com as dimensões figurativas, funciona como uma proposição das referências de volumes, de movimento e de tempo. A questão da oposição frente/fundo serve para ilustrar essa condição de significação dependente da inter-relação dos elementos. O entendimento da orientação

espacial é condicionada pela referência fornecida por elementos que nem sempre se situam em condição de foco da ação ou de interesse da cena. Dessa forma, a estabilidade ou instabilidade do conjunto é dependente da relação entre os elementos, da percepção de profundidade e distâncias envolvidas, o que segundo Arnheim faz parte da comparação com estruturas anteriores estocadas na memória. Efeitos como gradientes de linhas e de cores, servem como indutores da proposição espacial do enunciador.

- Balanceamento (balance): “o estado da distribuição pela qual todas as ações chegam a um equilíbrio” (ARNHEIM, 2002: 20). O balanceamento pode ou não ser simétrico, em função das atribuições de peso e direção dos elementos visuais utilizados, a disposição de peso ao alto ou abaixo da figura, bem como a orientação visual de elementos focais, que geram efeitos de direção e movimento. A proposição do balanceamento, segundo Arnheim, segue uma estratégia discursiva de confirmar ou desafiar a busca de equilíbrio mental e físico, que é característica psicológica dos indivíduos e, dessa forma, estabelecer um efeito na sua percepção.

- Movimento (movement): o atributo visual deixado para o final é, segundo Arnheim, “o apelo visual mais forte para a atenção” (ARNHEIM, 2002: 372). As direções vetoriais sugeridas pela composição criam uma espécie de sistema de orientação para o olhar e sua relação com a imagem. Em imagens estáticas, bidimensionais, como a fotografia ou a pintura, a proposição discursiva estimula a capacidade de reconstituir a situação e propõe um movimento perceptual, que conduz o pensamento. “O observador, ele mesmo, serve como um quadro de referência” (ARNHEIM, 2002: 380). Ao reconstruir a sugestão do movimento, os elementos observados envolvem a direção e a sensação de velocidade e de intensidade da força.

Para o autor, toda experiência visual é dinâmica (ARNHEIM, 2002: 10). Portanto, todas essas características combinadas estabelecem a gestalt, isto é, a percepção holística e dinâmica da figura, servindo-se neste entendimento da complementação da experiência, do background cultural e das relações oferecidas pelo entendimento cognitivo que dependem da memória e da aprendizagem.

Todos esses aspectos estão presentes na forma de expressão visual, que é organizada e oferecida ao leitor / espectador para processamento. O conhecimento das técnicas de elaboração e dos possíveis efeitos gerados constitui o cerne da atividade persuasiva da função

publicitária. Ao definir a composição como “o meio interpretativo de controlar a reinterpretação de uma mensagem visual por parte de quem a recebe” (DONDIS, 1997: 131) são propostas pelo menos 19 técnicas envolvidas na elaboração da mensagem visual, que “são alguns dos muitos possíveis modificadores da informação que se encontram à disposição do designer” (DONDIS, 1997: 160), entre os quais se pode citar o equilíbrio / instabilidade; simetria / assimetria; regularidade / irregularidade. A partir de polarizações entre diversas dimensões da imagem, a autora argumenta que o trabalho de articulação do discurso visual passa pela gradação dessas dimensões para estabelecer a significação pretendida. Sem detalhar muito todas as dimensões sugeridas, mesmo porque essa formulação envolveu certa arbitrariedade por parte da autora, o importante é detectar nesta abordagem o fornecimento de pares opositores essenciais, que são a harmonia e o contraste (DONDIS, 1997).

O contraste fornece o aguçamento necessário para o entendimento do sistema de diferenças e oposições que caracteriza a significação de um dado objeto perceptual (ou acentuação, conforme o proposto por Arnheim). A harmonia, por outro lado, funciona como a proposição de homogeneização, de integração e de complementaridade (ou nivelamento¸ de acordo com Arnheim). Esses efeitos dinâmicos são oferecidos pela manipulação dos elementos cor/iluminação, forma e disposição espacial e da escala em que os elementos visuais são organizados.

Ao completar neste ponto a fundamentação teórica do trabalho, é possível propor que as imagens (fotografias, ilustrações, gráficos e outras formas de representação visual) estruturam-se a partir de diversos elementos básicos constituintes de suas formas. Ao serem tratadas como enunciados visuais, esses elementos básicos são combinados em um todo visual, uma narrativa, que se torna significativa pelas dinâmicas que a constituem. Dinâmicas de balanceamento, de forma e formato, de cores e iluminação, de espaço e movimento, que são elaboradas, dentro da lógica do discurso promocional do marketing, com uma função retórica de persuasão. Estas imagens, na maior parte das vezes, são utilizadas com o entrelaçamento do código verbal, escrito, que fornece parâmetros de significação pretendida pelo enunciador e buscam – com maior ou menor indicatividade – orientar o processo de decodificação do enunciatário.

Ao propor a análise dos diversos aspectos envolvidos no reconhecimento da expressão figurativa que compõem anúncios impressos, é possível identificar indícios do emissor, as

marcas da enunciação e, dessa forma, buscar entender as estratégias que os praticantes de marketing, ao longo do tempo, utilizaram para se comunicar com os públicos objetivados.

Esta síntese serve como fundamentação indispensável para o desenolvimento das questões de pesquisa que são estabelecidas a seguir.