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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Elementos teóricos da comunicação

2.1.2.1 As correntes teóricas da semiótica

2.1.2.1.6 A importância da interação: as contribuições

A última grande corrente semiótica, que oferece uma contribuição diversa e original para as abordagens de Saussure e seus seguidores e que também deve ser considerada na aplicação da metodologia peirceana é associada à visão do linguista russo Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895-1975) e do semioticista francês Dominique Maingueneau. Suas obras ampliam os limites do estudo da linguagem e dos signos ao incorporar os componentes relacionais e contextuais – social, histórico e político – como fator indispensável para entender o processo da significação, obedecendo dessa forma à tradição intelectual marxista.

Em meio à vastidão de assuntos que abordou ao longo de sua produção filosófica, Bakhtin também se dedicou com grande interesse ao estudo das manifestações literárias e, ao fazê-lo, colocou a linguagem no centro no processo de produção de sentido. Dentro do tema da linguagem, Bakhtin enfatizou as forças que se articulam na dialética de compartilhamento e de uso individual das formas de expressão e de entendimento. Para Bakhtin, cada enunciado é um ato social, no fundo um evento histórico, mesmo que infinitesimal.

Um de seus conceitos fundamentais é o dialogismo, a percepção de que a comunicação tem como pressuposto a diferença entre pessoas, textos e grupos sociais. A complementaridade entre emissores e receptores é requisito para que ocorra a interação. Dessa forma, a língua é um conjunto de linguagens, uma arena onde competem acentos sociais (pronúncias, entonações, alusões). Para Bakhtin a geração de sentido sempre envolve a "influência do contexto sobre o texto", o que ele chama de heteroglossia, o entendimento da natureza híbrida da linguagem (ou poliglossia) e as relações entre o uso particular de cada enunciador (a intertextualidade) e a sobreposição com repertórios e tradições do enunciatário (a interdiscursividade). Heteroglossia é a condição básica que determina a geração de sentido pelo diálogo. Para permitir que mentes em conexão criem significação, o diálogo é uma apropriação de palavras dos outros, utilizados com as marcas de suas próprias intenções (BAKHTIN, 2000; 2002).

Indo além das proposições de Saussure, Bakhtin reconhece e identifica a força da cultura e da sociedade na utilização dos códigos e linguagens, sendo que o ser humano sempre nasce como uma pessoa socialmente referenciada, com papel e repertório fornecidos pela sua condição (STAM, 2000). O “eu” requer a colaboração dos demais para ser definido – a auto- percepção é também a percepção de como se é percebido.

A palavra (de forma geral, toda forma de expressão e articulação semiótica) é dessa forma produto de uma ideologia, uma construção social que possibilita a articulação de textos, os quais só fazem sentido quando se considera o intertextual (isto é, a complementação e referenciação entre os textos) e o contextual (que depende do ambiente, inclusive histórico e cultural). Como não há significação fora da mente, não é possível isolar a materialidade da significação. Como requisito para a produção de sentido, é preciso dominar linguagens (de dentro para fora), mas este processo também envolve uma concepção do leitor/decodificador (de fora para dentro). Em Bakhtin, a forma de elaboração do discurso e sua interpretação são sempre situações dotadas de condicionantes ideológicos. O conteúdo não está só no discurso, mas também no suposto, no que se deixa de dizer (STAM, 2000).

Na semiótica bakhtiniana, a ênfase é dada às relações existentes entre os diversos discursos, aquele que se analisa e também o discurso do outro, que existe como pressuposto para a elaboração do primeiro, partindo-se da ideia de que todo “discurso não se constrói sobre (si) mesmo, mas se elabora em vista de outro” (BARROS e FIORIN, 1994:29). Essa concepção é complementar ao da abordagem semiótica greimasiana, porque não se ocupa exclusivamente da construção do sentido como aspecto imanente da “união entre o plano do conteúdo com um ou vários planos de expressão” (BARROS e FIORIN, 1994:29). Ao propor a concepção do dialogismo¸ Bakhtin oferece à leitura de Greimas novos aspectos, destacando-se os conceitos da intertextualidade e o da interdiscursividade.

A intertextualidade pode ser entendida como “o processo de incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo”, sendo exemplificados em pelo menos três processos: (1) a citação é a referência clara de um texto manifestada claramente em outro; (2) a alusão ocorre quando as estruturas sintáticas são reproduzidas de forma a referenciar textos a partir de outros pré-existentes; e (3) a estilização é “a reprodução do conjunto dos procedimentos do discurso de outrem, isto é, do estilo de outrem” (BARROS e FIORIN, 1994: 34).

Já a interdiscursividade é “o processo em que se incorporam percursos temáticos e/ou percursos figurativos, temas e/ou figuras de um discurso em outro”. Como pode ser depreendido, não se está falando de texto manifesto, constituído por frases e palavras, mas sim de estruturas discursivas de fundamento narrativo, o que se dá das seguintes formas: (1) pela citação quando um discurso repete “ideias”, “isto é, percursos temáticos e ou figurativos de outros”, pertencendo dessa forma a uma mesma formação discursiva, que pode se dar de forma positiva, concordante (as relações contratuais) ou então pela contrariedade, opositiva, (as relações polêmicas) e, a outra forma é (2) a alusão, “quando se incorporam temas e/ou figuras de um discurso que vai servir de contexto (unidade maior) para a compreensão do que foi incorporado” (BARROS e FIORIN, 1994: 34).

Tanto a intertextualidade quanto a interdiscursividade relacionam-se à questão das vozes do discurso, sua bivocalidade, considerando-se a existência de pelo menos duas vozes, já que nenhum discurso existe sem a aceitação do outro a quem ele se dirige. Fiorin acentua essa ideia quando aponta que “o discurso não é único e irrepetível, pois um discurso discursa outros discursos. Nessa medida o discurso é social” (BARROS e FIORIN, 1994:35). O mesmo autor também deixa claro que “a interdiscursividade não implica a intertextualidade, embora o contrário seja verdadeiro”.

Maingueneau é outro autor importante para a proposição de uma metodologia semiótica da análise do discurso, como forma de se acessar o conteúdo da mensagem pela heterogeneidade entre as intenções da formulação e as condições de recepção. O interdiscurso pode ser definido, segundo o autor, como

[...] um processo de reconfiguração incessante no qual uma formação discursiva é levada [...] a incorporar elementos pré-construídos, produzidos fora dela, com eles provocando sua redefinição e redirecionamento, suscitando, igualmente, o chamamento de seus próprios elementos para organizar sua repetição, mas também provocando, eventualmente, o apagamento, o esquecimento ou mesmo a denegação de determinados elementos (COURTINE apud MAINGUENEAU, 1997:113).

Por essa lógica, a formação discursiva é o lugar de trabalho do interdiscurso, sendo constantemente reelaborada pelas suas relações com outros enunciados próximos, que pertencem à mesma formação discursiva, formando-se então uma “rede interdiscursiva”. Maingueneau afirma que

[...] a toda formação discursiva é associada uma memória discursiva, constituída de formulações que repetem, recusam e transformam outras formulações. ‘Memória’ não psicológica, que é presumida pelo enunciado enquanto inscrito na história (MAINGUENEAU, 1997: 115).

Em seu esforço para definir claramente a noção de interdiscurso, o autor conceitua o universo discursivo como sendo o “conjunto de formações discursivas de todos os tipos que coexistem, ou melhor, interagem em uma estrutura; campo discursivo é o “conjunto de formações discursivas que se encontram em relação de concorrência, em sentido amplo e se delimitam, pois, por uma posição enunciativa em dada região” e, finalmente, espaço discursivo como sendo um subconjunto do campo discursivo “ligando pelo menos duas formações discursivas que, supõe-se, mantém relações privilegiadas, cruciais para a compreensão dos discursos considerados” (MAINGUENEAU, 1997: 116-117).

A interincompreensão se dá quando as formações discursivas não encontram interação possível, cristalizando-se as eternas polêmicas em que as formações discursivas estão envolvidas num processo de incompreensão, ou seja, abdicam de uma convergência de identidade de sentido, situando-se não numa oposição, mas numa não posição, uma não relação. Uma relação polêmica ocorre quando existe um diálogo de contraposição ou de reivindicação de preponderância de um discurso sobre o outro a partir de uma mesma base de sentido. “O exercício da polêmica presume a partilha do mesmo campo discursivo e das leis que lhe estão associadas” (MAINGUENEAU, 1997: 125).

Maingueneau também aponta que “todo discurso repousa sobre um conjunto de semas repartidos sobre dois registros: de uma parte os semas positivos, reivindicados, e de outra parte os semas negativos, rejeitados”, assumindo que “todo discurso pode integrar seu outro e ser integrado por ele, numa reversibilidade essencial” (MAINGUENEAU, 1997: 112). A relação com o Outro é, desta forma, um pressuposto da relação que o enunciador mantém consigo mesmo.