• Nenhum resultado encontrado

A Imagem como elemento da comunicação de marketing

1 INTRODUÇÃO

1.1 A Imagem como elemento da comunicação de marketing

Pignatari (1984) define comunicação como “a partilha de elementos ou modos de vida e comportamento, por virtude da existência de um conjunto de normas”, processo que envolve

sempre uma fonte e um destino distintos no tempo e no espaço, que se conectam por uma cadeia que os une e que constitui o canal de comunicação.

Para que a informação ou mensagem transite por esse canal, necessário se torna reduzi-la a sinais aptos a essa transmissão: esta operação é chamada de codificação e quem ou o que a realiza é o transmissor ou emissor. No ponto de destino um receptor reconverte a informação à sua forma original, decodificando-a com vistas ao seu destinatário (PIGNATARI, 1984: 16-17).

Um dos pressupostos deste trabalho é o de que a imagem em geral, e a fotográfica em particular, tem sido cada vez mais utilizada como forma de codificação de informações por parte do emissor, especialmente em razão de uma série de mudanças tecnológicas para sua produção, reprodução e distribuição. Já pelo lado do receptor, houve a constituição de um novo posicionamento para a recepção do estímulo, em um contexto no qual cada vez mais predomina a escassez da atenção necessária ao esforço cognitivo para a decodificação das mensagens (ADLER e FIRESTONE, 2002). Essas duas dimensões – emissão e recepção – não se contrapõem de forma estanque, ao contrário, a dinâmica estabelecida pelas interações contínuas entre os agentes determina as condições de elaboração de sobreposições de repertório necessárias para estabelecer significação entre as partes envolvidas, o que também envolve diversos fatores de influência que constituem o contexto da comunicação.

Um dos mais prestigiados estudiosos do processo da comunicação, o pensador russo Mikhail Bakhtin, ao se voltar à análise das manifestações orais, propôs que não existe processo comunicacional que possa ser entendido sem a intertextualidade, ou seja, a comunicação é produto da interação dos interlocutores e do conhecimento comum não só do código compartilhado, mas também sobre os diversos tópicos aos quais se referem as informações.Assim, é preciso que haja sobreposição entre o que se constrói como enunciação e a capacidade de reconstituição do sentido pelo enunciatário, dada uma mesma condição histórica e cultural, que se viabiliza numa situação específica, num dado ambiente (STAM, 2000).

De uma forma geral, as estratégias de sensibilização do marketing atuam sobre as formas de percepção de determinados indivíduos que constituem os públicos de interesse das organizações, desencadeando estímulos cognitivos com o propósito de, além de informar, criar ligações positivas entre as ofertas e o entendimento do receptor (BELCH e BELCH, 2008). Para isso, os praticantes de marketing valem-se de diversos e múltiplos recursos e

apelam para a ativação de todos os sentidos: a visão, o olfato, o paladar, o tato e a audição, que se colocam numa situação de intensa e contínua excitação, provocadas por anúncios, comerciais, animações, embalagens, ambientes, amostras-grátis, degustações, falas de vendedores e testemunhais de celebridades, entre outras modalidades. A captura da atenção e a ativação do processamento cognitivo do possível cliente consumidor (ou daqueles que influenciam ou avaliam o desempenho e as ofertas destas organizações, indivíduos ou ideias) tornaram-se uma atividade estratégica básica daqueles que competem entre si para posicionar e atribuir valor às suas ofertas.

A questão da dificuldade para a abordagem do elemento visual na comunicação é própria da natureza diferenciada, contínua das imagens, isto é, sua não-linearidade espacial e a dificuldade em sistematizar o conhecimento a seu respeito com a utilização dos códigos verbais (a fala e a escrita) (BARTHES, 1990). O uso de palavras para analisar o mundo das imagens pressupõe a transformação de sentido típica da utilização de códigos diferentes em sua essência – natureza e estrutura - para traduzir a experiência humana. “Uma imagem vale mais do que mil palavras” é uma frase da sabedoria popular, que se perpetua ao longo do tempo e que identifica, de forma bastante econômica, a diferença da potência de significação envolvida nos diferentes sistemas de signos. Uma foto num tribunal pode ser considerada prova conclusiva e terá maior probabilidade em impressionar um jurado indeciso do que o depoimento detalhado de uma testemunha descrevendo a mesma situação. As imagens televisivas do homem caminhando na lua podem ser mais eficientes no esforço para convencer aquele que não acredita nesse feito humano, do que um discurso realizado pelo mais talentoso entusiasta da corrida espacial. Por outro lado, a palavra escrita ou falada estabelece exatidão de sentido e povoa o mundo da certeza jurídica, da documentação, da produção científica e da articulação do diálogo entre seres humanos.

O nível de detalhes, de re-apresentação do fato codificado em uma fotografia, uma pintura, uma ilustração, um objeto tridimensional ou em um material de natureza audiovisual, seduz pela facilitação da reconstituição cognitiva do sentido, processo que sempre tem como origem uma intenção fundadora do ato por parte de um emissor, mas que depende de compartilhamento, no esforço de reconstituição da mensagem. Nesse processo, a imagem, seja quando está liberta da palavra escrita ou falada ou quando se encontra em condição de associação a textos ou falas, é muito poderosa, especialmente quando consideradas situações de tradução objetiva do assunto mostrado, como no caso da fotografia.

Em termos de articulação e organização semântica, as imagens criam as condições necessárias para propor o acesso ao análogo da realidade e contribuem fortemente, dentro do processo cognitivo, para a ativação de imagens vívidas. No caso específico da fotografia, talvez um dos mais recorrentes recursos utilizados em anúncios e peças da comunicação de marketing, a comunicação se dá por meio de recursos cognitivos diretos, sem passar pela intermediação do código simbólico convencionado da linguagem verbal, o que facilita o processamento por parte do receptor. O que pode ser depreendido na sua superfície como um mecanismo de características simples – singelas até – na verdade envolve um grande nível de elaboração e de organização por parte do emissor: na articulação da mensagem promocional do marketing é dedicado grande cuidado na sua elaboração e diversos especialistas funcionais trabalham para definir sua articulação.

Considerando-se, hipoteticamente, um anúncio publicado em uma revista feminina que mostra uma modelo sorridente, carregando um buquê de flores para falar a respeito de desodorantes, houve inicialmente o trabalho de um diretor de arte, responsável funcional pela parte visual de anúncios, que atuou na definição da imagem pretendida: seu corte, seu enquadramento, o assunto a ser representado. A execução técnica desse trabalho foi então atribuída a um fotógrafo, que fez seleções de realização, como a escolha da modelo, o figurino, o local da fotografia, a iluminação pretendida, o foco, o enquadramento e realizou o clique propriamente dito. Esse original fotográfico passou então para a etapa do tratamento técnico, na qual um especialista em retoques, equalização de níveis de cores e de saturação, atuou para desenvolver um maior nível de perfeição estética à imagem escolhida. Ela então foi diagramada com a justaposição de textos, títulos e logomarcas; passou por um processo de tradução em matrizes de impressão e sofreu até mesmo o efeito contextual da colocação em determinada revista, num específico universo editorial. Ao ter o anúncio em mãos, a leitora- alvo do emissor inicial, provavelmente não se dedicará a aprofundar o grau de entendimento necessário para identificar todas as etapas envolvidas naquilo que se apresenta ao seu processamento cognitivo. Para essa leitora hipotética, o que se vê é uma foto de uma linda moça carregando um buquê de flores para anunciar um determinado desodorante, nada mais do que isso.

Ao analisar o poder discursivo das imagens, Eco (1986) reconhece que é evidente que as imagens comunicam, mas que isto não permite a conclusão de que elas possam ser analisadas por procedimentos análogos aos aplicados à análise do meio de comunicação por excelência,

a linguagem falada ou escrita. Se há uma grande dificuldade na abordagem teórica das imagens, parece, porém, ser consensual que nenhuma imagem utilizada pelo marketing é escolhida ao acaso. Ao se aceitar a formulação de Greimas (apud FLOCH, 2000) de que “nenhuma figuração é inocente”, então é necessário reconhecer que a escolha de formas, cores, cortes, enquadramentos, atributos de foco e distância são aspectos determinantes para o estabelecimento do sentido a ser comunicado pelo agente emissor.

A imagem deve ser tratada, desta forma, como um texto. Um discurso que possibilita pela sua análise o rastreamento das intenções de um dado emissor, considerando-se o contexto associado e uma percepção assumida de quem é o seu receptor objetivado. No caso da comunicação de marketing, o emissor será alguém, na maioria das vezes uma organização, que tem o interesse de informar, persuadir e influenciar a percepção de seus mais diversos públicos.