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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Elementos teóricos da comunicação

2.1.3 Contribuições da psicologia ao estudo da comunicação

2.1.3.2 Contribuições da psicolinguística

Anderson (1985) reconhece a importância e o pioneirismo do linguista Noam Chomsky, do M.I.T. no desenvolvimento de um método para análise da estrutura da linguagem e dos impactos desse trabalho no campo da psicologia cognitiva.

Seu trabalho mostrou como a linguagem era muito mais complexa do que se acreditava anteriormente e que muitas das formulações behavioristas que prevaleciam eram incapazes de explicar estas complexidades. As análises linguísticas de Chomsky tornaram-se críticas para possibilitar que os psicólogos cognitivistas enfrentassem os conceitos behavioristas (ANDERSON, 1985: 8-9).

A aquisição da linguagem deve ser vista como o mais fundamental de todos os processos da aprendizagem humana (SIMON, 1981). O que os psicolinguistas procuram entender é como se adquire, se desenvolve e se utiliza a competência linguística, formada pelo conhecimento abstrato da estrutura da linguagem e seu uso. Nesse sentido, dois conceitos são fundamentais para o estudo: a produtividade, ou seja, a capacidade de seleção e organização das formas de expressão dado um infinito número possível de combinações aceitáveis; e a regularidade, que é a necessidade de que essas sentenças satisfaçam um conjunto definido de ordens para que sejam aceitáveis (ANDERSON, 1985).

Chomsky propôs que a linguagem é um sistema único, fruto da cognição humana, sua aquisição pode envolver fatores inatos, pois, segundo o autor, é possível identificar universalidades em todas as línguas, além do fato de todas as crianças, aparentemente,

nascerem com as condições necessárias para aprender e utilizar a linguagem (CHOMSKY, 1971). As relações entre o desenvolvimento da linguagem e a maturação mental foram demonstradas por meio de experimentos psicológicos, nos quais foram testados períodos críticos para a aquisição de vocabulário e formas de articulação de orações e frases, além de correlacionar positivamente a habilidade na aquisição da linguagem e a capacidade intelectual do usuário. Piaget (1933) se dedicou ao estudo do desenvolvimento cognitivo em crianças e demonstrou que este processo depende fortemente da capacidade de formular estratégias para codificação e recuperação da informação, o que, por sua vez, se relaciona com a dificuldade em lidar com situações e condições não familiares. De acordo com Piaget, a maturação intelectual desenvolve-se ao longo de estágios nos quais a criança adquire as bases adequadas para representar o mundo e raciocinar a respeito dele, situação que é sustentada pelo domínio da linguagem.

Dentre as estratégias utilizadas pelas crianças no desenvolvimento da linguagem incluem-se a imitação, o condicionamento e o treinamento por parte de seus tutores, a verificação de hipóteses por tentativa e erro e, em um estágio mais elevado, as associações e relações entre estruturas operacionais assemelhadas (ATKINSON et. al, 2002).

Ao dominar a linguagem, a criança entende que na superfície da expressão de uma sentença, está presente uma arquitetura de relações entre frases e subfrases. A compreensão da linguagem articula-se em três estágios: (1) a percepção, que envolve a tradução do som para uma identificação da palavra; (2) a análise, que implica na tradução da representação da palavra para uma representação de sentido; e (3) a utilização, que se relaciona com a capacidade de o receptor alcançar o sentido da mensagem (ANDERSON, 1985).

Para estabelecer sentido, o receptor necessita dividir a frase nas suas diversas partes e organizar as possibilidades de significação, ao considerar as relações entre elas e também pela posição das palavras, levando em conta as normas condicionantes da sintaxe e outros elementos próximos. Estruturas maiores e mais complexas, como parágrafos e textos, são organizados hierarquicamente, de acordo com relações de importância dos significados a serem comunicados. “A compreensão de um texto depende criticamente da habilidade do receptor em identificar as ordens maiores envolvidas nas estruturas para organizá-las” (ANDERSON, 1985: 336).

Na outra ponta da interação comunicacional, ou seja na geração da linguagem, existem três estágios que devem ser analisados: (1) a construção, que é o processo de decidir o sentido a ser comunicado; (2) a transformação, que é o processo de transformar o sentido em uma mensagem linguística; e (3) a execução, que é o processo de desenvolver a mensagem em sua forma falada ou escrita.

Indícios sintáticos e semânticos são continuamente ativados e comparados com dispositivos e significações armazenados na memória. A informação pode ser classificada como suposta, sendo aquela que o emissor espera que o receptor já tenha na memória e a informação assertiva é aquela que o emissor supõe como nova para o receptor.

Segundo Anderson (1985), a construção pode ser organizada em dois estágios: o planejamento do que será dito e o planejamento de como será dito. Decisões importantes no processo são: (1) a ordem com que a informação será comunicada, (2) a percepção da condição da recepção. A transformação considera a configuração de frases organizadas em estruturas sintáticas e semânticas. A execução é um processo do tipo resolução de problemas: dadas as variáveis condicionantes e o repertório considerado, tanto do emissor quanto do receptor, são feitas escolhas que constituem os enunciados.

A abordagem utilizada até aqui está focada na linguagem verbal, simbólica (oral e escrita) como base do processamento cognitivo. Muitas de suas inferências e teorizações serão recuperadas mais à frente, quando a imagem for analisada como forma de expressão e entendimento em processos comunicacionais. Por ora, é importante reconhecer as unidades de significação na linguagem verbal, para fazer analogias quando a imagem for tratada como linguagem. A palavra pode ser definida como “unidades de fala que transmitem significado” e também como “o nome de um conceito”. Conceitos fornecem as estruturas básicas da significação, por servirem como índice para a reunião de diversas propriedades que são atribuídas a elementos, coisas, objetos, abstrações e ideias que representam classes.

Atkinson et al. definem conceito como “um conjunto de propriedades que associamos a uma determinada classe” e fornecem os “blocos para construção do pensamento” (ATKINSON et al., 2002). Quando se lê a palavra /gato/, por exemplo, vem à mente uma série de propriedades do animal, sua imagem e suas simbolizações, processo no qual são selecionados os atributos mais importantes para uma situação específica. Um conceito, então, serve para que os seres humanos dividam o mundo em unidades gerenciáveis, o que Atkinson et al.

chamam de economia cognitiva, isto é, os mecanismos que os indivíduos utilizam para evitar tratar cada estímulo como único, lidando com a sobrecarga de estímulos e proporcionando maior rapidez no processamento. “Por tratar os diferentes objetos como membros de um mesmo conceito, reduzimos a complexidade do mundo que temos que representar mentalmente” (ATKINSON et. al, 2002: 342).

Todo conceito, por sua vez, apresenta-se em duas dimensões: a do protótipo, que representa “as propriedades que descrevem os melhores exemplos do conceito” (ATKINSON et al., 2002: 342), ou seja, no conceito utilizado, “gato” seria a definição do que é o melhor exemplo de gato possível para um indivíduo; a segunda dimensão é a do núcleo, que abrange as propriedades mais essenciais para ser membro de um conceito. O gato, para ser entendido como gato, deve ter quatro patas, ter bigodes e orelhas pontiagudas, miar, ronronar, gostar de dormir e se movimentar silenciosamente, para descrever o núcleo das propriedades correlacionadas com o animal.

O protótipo e o núcleo são então utilizados como ferramentas de categorização¸ que se constitui no processo de atribuir um objeto a um conceito. O conceito pode ser tratado como a “fôrma” pela qual o processamento cognitivo verifica se os diversos elementos da percepção ajustam-se a ela. Uma importante discussão, no texto de Atkinson et al. (2002), é se os protótipos são universais ou são construídos pela cultura. Relativizando o problema, é possível entender que certos conceitos básicos podem ser universais (“mãe”, por exemplo), porém a maior parte do processamento racional com uso de conceitos passa sempre por dois filtros: o contexto cultural e a situação particular do indivíduo.

No processo de entendimento do mundo, os conceitos de nível básico fornecem as propriedades mais distintivas para o gerenciamento cognitivo e depois são abordadas as distinções complementares. Tome-se, por exemplo, a palavra “maçã”: em primeiro lugar são pesquisadas as referências nucleares de forma, cor, odor e sabor para estabelecer o significado; em um segundo momento identificam-se as peculiaridades da fruta. Sua variedade, a possibilidade de que ela também seja verde, mais ou menos doce. A hierarquia de conceitos envolve a organização dos diversos conceitos que determinam a diferenciação para proporcionar o entendimento. Dessa forma, “maçã” é membro de um conceito maior, “fruta”, e existem diversas relações entre outras frutas que fornecem as condições para

diferenciar uma “maçã” de uma “pêra”, por exemplo, e dentre todas as maçãs, uma “maçã fuji” de uma “maçã royal gala” (ATKINSON et. al., 2002: 345).

Nos processos de categorização que envolvam muitas regras, há maior lentidão no processamento. Conceitos abstratos implicam fluidez do sentido proposto, o que será em grande parte gerado pelo entendimento individualizado, particular, no processo comunicacional. De uma forma geral, os seres humanos se valem de processos de semelhança e de comparação para acelerar e facilitar o processamento, com o uso acentuado de protótipos que podem levar à formação de estereótipos e outras formas de categorização social. Fiske e Taylor (1991) evidenciam as ligações entre atributos e papéis, que geram inferências utilizadas como pressupostos para o processamento. A definição de fronteiras entre as categorias e dentro da mesma categoria fornece condições para a rapidez na identificação de atributos como a familiaridade, a congruência com as expectativas e a dissonância cognitiva. As autoras estabelecem a importância dos esquemas mentais, isto é, “as estruturas cognitivas dos indivíduos que representam um conhecimento a respeito de um conceito ou tipo de estímulo, incluindo seus atributos e relações entre atributos” (FISKE e TAYLOR, 1991: 98) para lidar com a comparação entre as expectativas, os pressupostos e o conhecimento antecipado de uma situação ou objeto, diante de uma experiência concreta ou sua antecipação. Esquemas influenciam a codificação de novas informações; interferem na recuperação da informação estocada na memória e são utilizados nas inferências das informações que podem faltar. Informações que não são consistentes com os esquemas requerem maior tempo e esforço para processamento e assimilação enquanto que o oposto, ou seja, a consistência facilita o processamento. O uso de esquemas pode ser retificado por exemplos não confirmatórios (evidências) que, por sua vez, são capazes de levar à reformulação dos esquemas utilizados e de seus parâmetros. Estímulos que conferem com as expectativas criam efeitos de familiaridade, enquanto que a incongruência moderada leva à assimilação. Incongruência extrema, por seu lado, leva a efeitos de estranheza e dissonância, que exigem maior envolvimento e dedicação ao processamento do estímulo (PERACCHIO e TYBOUT, 1996).

Quando duas cognições são consonantes, a relação entre elas é psicologicamente coerente, estável e não conducente a mudanças. Quando duas cognições são dissonantes, a relação entre elas é psicologicamente incongruente, instável e suscetível de resultar em mudança. A dissonância é descrita como um estado desconfortável,

semelhante a um impulso, que as pessoas esforçar-se-ão por evitar ou minimizar (HARRISON, 1972: 357)

Dentro das diversas teorias que lidam com a decisão sobre incerteza, o processo de ancoragem e ajustamento envolve a pressuposição de valores e sentidos-meta para o processamento cognitivo, que pauta o esforço inicial. Bastante utilizada em processos que envolvam pressuposições de quantidades e valores, esse processo também pode ser utilizado em condições análogas para a incerteza do significado de frases ou outros estímulos cognitivos. Nessa condição, o agente realiza estimativas iniciais que pautam o processamento e utiliza a condição inicial como âncora, que pode enviesar a resposta, mas que serve como ponto inicial para as dinâmicas de ajustamento que são realizadas durante o processo (TONETTO et al., 2006). Em situações cognitivas nas quais exista ambigüidade, é possível supor que os agentes se valham dessa heurística como forma de lidar com o entendimento e o processamento do estímulo.

Uma importante contribuição da teoria psicológica na organização dos estímulos é o reconhecimento dos diversos tipos de esquemas sociais que são utilizados para fornecer a economia cognitiva e a categorização dos estímulos, a forma como são interpretados e levados em conta. Eles são, segundo Fiske e Taylor (1991):

(1) Esquemas de pessoas: o entendimento de traços e objetivos de um indivíduo e relações com o entendimento da forma pela qual se comporta;

(2) Auto-esquemas (self ou autoconceito): a forma como cada pessoa lida com informações sobre si mesma, de forma análoga a como lida com o comportamento do outro;

(3) Esquemas de papéis: o entendimento de que posições sociais e de funções profissionais como fatores que influenciam a significação;

(4) Esquemas de eventos (scripts): as seqüências organizadas e reconhecidas como apropriadas para um determinado evento; e

(5) Esquemas de conteúdo livre: que envolvem regras de processamento que especificam ligações entre elementos, quando não há muito conteúdo informacional disponível (FISKE e TAYLOR, 1991: 117-121).

O processamento cognitivo constitui-se na forma de operacionalização e tratamento de informações obtidas por meio de órgãos sensoriais, processo no qual o domínio e a utilização da linguagem desempenham papel preponderante. Atkinson et al. (2002) reconhecem três formas diferentes de elaboração do pensamento: (1) o pensamento proposicional, que abrange o fluxo de sentenças (proposições e asserções) na mente; (2) o pensamento imagético, que engloba o fluxo de imagens que a mente é capaz de “enxergar”; e (3) o pensamento motôrico, que envolve o fluxo de movimentos mentais e que reconhece as dimensões do tempo e do espaço na avaliação de movimentos, gestos, deslocamentos e outras habilidades motoras. O que esta seção pretendeu, até aqui, foi fornecer os elementos necessários para o entendimento do processamento dos estímulos cognitivos com intenção comunicacional. O conhecimento dos mecanismos psicológicos e das relações das estratégias de comunicação que permitem a influência em crenças e atitudes e, consequentemente, no comportamento das pessoas, será importante para a discussão sobre os fatores de influência no comportamento do consumidor.

A próxima seção é dedicada à apresentação dos diversos conceitos relacionados com a gestão da comunicação quando utilizada de forma instrumental, como ferramenta das estratégias do marketing e os efeitos que pretende gerar.