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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 Elementos teóricos da comunicação

2.1.2.1 As correntes teóricas da semiótica

2.1.2.1.5 As tríades do signo na semiótica de Peirce

Outro teórico fundamental, de grande impacto e poder de influência para a constituição da teoria semiótica, foi o norte-americano Charles Sanders Peirce, contemporâneo de Saussure, mas com quem nunca manteve qualquer contato ou relação, a não ser se ocupar de temas e propósitos semelhantes: o estudo da linguagem como sistema e instrumento de constituição da cognição humana.

Peirce combinou diversos elementos da filosofia e da lógica para o estudo da significação e propôs a semiótica como uma teoria geral dos signos, dividida por sua vez em três grandes ramos: a gramática pura, que seria o estudo dos signos e dos seus significados; a lógica, que

seria o estudo da relação entre as formas de representação dos objetos pelos signos e a articulação da linguagem para a constituição do raciocínio; e a retórica, que se ocuparia dos efeitos da utilização dos signos pelos agentes envolvidos na comunicação.

Há diversas e complexas contribuições de Peirce, um prolífico autor que deixou mais de 70.000 páginas dedicadas ao assunto (COELHO NETTO, 1980) e cujo trabalho ainda hoje continua a ser investigado, desvendado e estruturado pela dedicação de numerosos estudiosos dos diversos campos relacionados com sua obra. Como já foi explicitado, não é propósito desta revisão abarcar a complexidade do pensamento dos teóricos da semiótica, apenas apresentar os elementos relevantes para a análise da imagem como elemento discursivo e sua relação com a linguagem verbal. Nesse sentido, o pensamento peirceano é muito poderoso e influente, pelo ferramental que o autor propôs e que estende o estudo dos fenômenos da significação humana para além dos fenômenos linguísticos.

Para Peirce, os seres humanos vivem num contínuo processamento de signos e a mente é o lugar da semiose, o processo da geração de significações, que constitui a base mental do processamento dos estímulos cognitivos que, por sua vez, estabelece as formas de entendimento, de memória e de explicação do mundo (NÖTH, 2008). O signo, de acordo com Peirce, “é algo que representa alguma coisa para alguém”, e este “alguém” estabelece uma profunda diferença com a abordagem saussureana, por incluir o efeito da cognição humana como elemento de ligação entre o signo e o objeto que é representado. O esquema a seguir representa a relação triádica da significação, conforme proposta em Peirce:

Pela teoria semiótica de Peirce, o interpretante é a ação humana na articulação do signo, pela religação entre o signo e o objeto ou conceito que ele representa. O efeito do interpretante se dá por etapas, da sensação inicial, passando pela percepção, até a elaboração e interpretação, o que Peirce propôs como sendo as dimensões fenomenológicas da primeiridade, da secundidade e da terceiridade dos signos. Pela primeira etapa, a primeiridade, o signo sempre é percebido de forma sensível e qualitativa, proporcionada pelo acionamento dos sentidos por um dado estímulo e de forma imediata. Um segundo instante constitui a dinâmica da experiência, o reconhecimento de que esse estímulo é um signo, dada a sua comparação com uma segunda referência. E por fim, na terceiridade, há a racionalização e a elaboração do significado em função de um sistema completo de entendimento. Todas essas etapas não devem ser tomadas como estanques, sequenciais, mas sim como um processo de grande velocidade, na qual a mente organiza a experiência em relação ao sistema que dispõe para a compreensão e a articulação do pensamento.

Admitindo-se essas duas relações – a do processo da constituição do signo e a fenomenologia da percepção e entendimento – como fundamentais à sua teoria, Peirce estabeleceu um sistema de análise do signo, que define três categorias tricotômicas de classificação: (1) a tricotomia que organiza os signos de acordo com as características do próprio signo; (2) a tricotomia que se refere à relação entre o signo e o objeto que é representado; e (3) a tricotomia que classifica o signo pela sua relação com o interpretante, ou seja, a forma como o signo é interpretado. É importante lembrar que todo signo é um reconhecimento de uma dada convenção nos diversos planos da expressão, seja ela pictórica, gestual, linguística, sonora, enfim, nas situações em que seja possível ocorrer a semiose.

A primeira classificação, a do signo em relação a si mesmo, organiza-se nas seguintes categorias: (a) qualissigno, quando o signo é uma impressão, uma sensação, uma qualidade capaz de estabelecer significação, o caso de uma cor, por exemplo; (b) sinssigno, quando o signo é uma experiência concreta daquilo que se propõe significar, como o catavento como representação da direção e da intensidade do vento; e (c) o legissigno, quando é explicitada a característica arbitrária do signo, isto é, quando ele é uma convenção que substitui aquilo que representa, como no caso da palavra (COELHO NETTO, 1980; NÖTH, 2008).

A segunda classificação é a que aborda o signo em relação ao objeto que representa. Neste caso a categorização é feita da seguinte forma: (a) o ícone é o signo que estabelece em relação

ao que representa uma relação de semelhança, ou uma homologia estrutural entre o representamen e aquilo que é representado (NÖTH, 1990), que geralmente é entendido pela sua propriedade visual, uma fotografia ou pintura, por exemplo; (b) o índice é o signo implicando determinação existencial daquilo que representa sem, no entanto, se tratar da similaridade, como no caso da fumaça para o fogo ou a pegada para o animal; por fim (c), o símbolo é arbitrário, porque é estabelecido pela convenção e geralmente se modifica em função das diversas culturas que o adotam, como no caso da palavra /potato/ em inglês como signo para o que em português se convencionou chamar /batata/.

A última tríade de classificação proposta por Peirce, e talvez a mais complexa, é a que estabelece categorias para o signo em relação ao interpretante e que são as seguintes: (a) o rema, isto é, o entendimento da potência da significação do signo, mas que ainda não envolve a dinâmica da percepção e sua racionalização. É o que lógica formal denomina como termo, “isto é, um enunciado impassível de averiguação de verdade, descritivo como um nome ou palavra”. Nessa categoria estão os signos tomados de forma isolada, fora de um contexto.Quando o signo se coloca em uma condição assertiva, que envolve um fato, uma existência com parâmetros fornecidos por um dado contexto, então ele se torna um (b) dicente ou dicissigno, altamente informativo, que envolve um maior nível de elaboração, como é o caso de uma palavra colocada em uma situação de frase. Por fim, quando o signo se coloca numa condição de racionalização, quando fornece condições para se avaliar os motivos pelos quais se afirma algo, então ele é classificado como um (c) argumento, ou seja, a estrutura de significação dado um sistema de referência, que permite deduções, hipóteses e proposições na sua interpretação.

Peirce analisa as diversas combinações possíveis das tríades anteriormente expostas, considera diversas insuficiências lógicas e então estabelece dez classes possíveis para combinações tricotômicas, resultantes da aplicação combinatória dos três componentes básicos do signo (NÖTH, 1990). Por essa abordagem teórica tem-se, a título de exemplificação, um grito de dor, que é um sinsigno (pois implica num signo que é uma experiência concreta do que quer significar) indicial (por possuir uma ligação existencial com o objeto que representa) remático (por colocar o signo no nível da percepção sensorial da interpretação). Uma pintura figurativa, em outro exemplo, é um qualissigno (o signo trabalha a qualidade das cores como representação), icônico (por ter semelhança com aquilo que quer

representar), remático (pela interpretação do signo situar-se no plano da sensação, da percepção sem elaboração e racionalização) (PRATES, 2008).

2.1.2.1.6 A importância da interação: as contribuições