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CAPÍTULO 1 EDUCAÇÃO INFANTIL: CORPO E CULTURA

1.4 A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O CORPO EM

1.4.3 A Educação Física e as práticas corporais na Educação Infantil

O corpo é o primeiro instrumento da criança no diálogo com o mundo, assim ela investe em situações significativas. Na fase da infância, o significado depende, sobretudo, da ação corporal. Dias (2000) ressalta que o movimento para a criança é a primeira forma de linguagem, o corpo é o primeiro instrumento que utiliza para se expressar e dialogar com o mundo dos adultos, sendo também fundamental para a construção de vínculos afetivos.

Entre todas as disciplinas que compõem o currículo escolar, entendemos a corporeidade como o princípio básico que deve pautar a ação pedagógica do professor de Educação Física na EI.

Nóbrega (2005, p. 80) já afirmava que:

A noção de corporeidade, abrangendo o corpo vivo e significante, fundado na facticidade e na cultura, supera a dicotomia biológico-cultural e expressa a unidade do ser no mundo. É pois o conceito mais coerente para estruturar o conhecimento do corpo na Educação Física.

A Educação Física ganha destaque entre as diferentes atividades propostas às crianças na EI, pois possibilita o desenvolvimento da cultura corporal oferecendo oportunidades variadas, como: segurança, autonomia, domínio corporal e respeito às singularidades de cada criança (RABINOVICH, 2007).

A Educação Física na primeira infância deve ser desenvolvida por meio de experiências motrizes que cada indivíduo traz de sua história corporal. Procura ao mesmo tempo o desabrochar das aptidões do indivíduo e a aquisição de novas capacidades.

Sendo assim, para que a criança possa completar de forma correta um determinado movimento, ela necessita antes de tudo, ter consciência do seu próprio corpo. A criança deve ser livre para agir em um ambiente, intencionalmente organizado pelo adulto, mas que lhe propicie a oportunidade de transformar, adaptar, criar, interagir e integrar-se, desenvolvendo seu potencial como ser humano (KISHIMOTO, 1996).

Em relação ao seu papel pedagógico, a Educação Física deve mostrar sua importância, assim como as demais disciplinas no âmbito escolar. As habilidades motoras precisam ser desenvolvidas, sem dúvida. Cabe ao professor, estar atento aos movimentos das crianças, pois na infância o corpo e suas expressões são a fala das crianças.

Segundo Nicolau (apud SANTOS, 2000, p. 257) a Educação Física nos anos iniciais visa o desenvolvimento integral da criança que

[...] por meio das atividades de educação física, deverá movimentar o corpo reconhecendo as suas partes, orientando-se, localizando-se e direcionando-se, percebendo rápido, o simultâneo, o lento; deverá desenvolver melhores condições de participar de brinquedos, dramatizações e mímicas.

A Educação Física na EI torna-se ainda mais importante, quando propõe uma prática prazerosa, respeitando as características da infância, tratando a criança como tal por meio da instrumentalização do lúdico. Para Piccolo e Moreira (2012, p. 53) “a corporeidade é a expressão da minha existência no mundo, na cultura e na história e nada posso realizar ou conceber se não existir corporalmente”.

Atualmente a sociedade vem sendo marcada por uma concepção de infância mais associada como etapa ou período preparatório para a vida adulta,

dando ênfase ao que a criança pode vir a ser, deixando de lado o que a criança é agora. (KRAMER, 1995). Isso vem causando a sensação de que a criança deve estar frequentemente em um processo de potencialização e preparação para o futuro e, sendo um período de ingenuidade e inocência precisa ser educada e “moldada” para a vida adulta. Segundo Piccolo e Moreira (2012, p. 55) “A Educação Infantil permeada pela área da Educação Física, pode contribuir para a luta de deixar a criança ser criança por mais tempo, impedindo métodos educativos que se destinam a formá-las em adultos precoces”.

Para Garanhani (2006) o brincar oferece condições para a criança se desenvolver e se apropriar de elementos da realidade por meio da compreensão de seus significados. A autora ressalta que na pequena infância, a capacidade de brincar otimiza o desenvolvimento físico-motor da criança e propicia uma relação com os símbolos que constituem as atividades do seu cotidiano.

A literatura vem destacando o papel da educação escolar na construção de uma sociedade menos desigual, enfatizando ações pedagógicas que proporcionem às crianças compreender e se relacionar com o mundo a sua volta, sendo sujeitos ativos neste processo. Segundo Neira (2014, p. 16) com a Educação Física não foi diferente, “a preocupação com a aprendizagem dos movimentos foi substituída pela tematização da cultura corporal”, sendo esta, uma parcela da cultura mais ampla que abarca todos os conhecimentos e representações relativos às práticas corporais. Neira (2014, p. 16) destaca que:

[...] as práticas corporais são os produtos da gestualidade sistematizada com características lúdicas, isto é, as brincadeiras, danças, lutas, esportes e ginásticas. Logo, fazem parte da cultura corporal desde as regras da amarelinha até o desenho tático do futebol, passando pelas técnicas do balé, a história do judô e os nomes dos aparelhos de ginástica.

É importante que como educadores façamos uma releitura da prática pedagógica, pensando em uma educação de forma integral, devemos unir o que frequentemente vêm sendo dissociado: corpo, mente e emoção. Tal divisão, se presente na prática pedagógica, torna o ambiente de aprendizagem distante da realidade e dos interesses infantis. Neira (2006, p. 2) enfatiza que a preferência pelo movimento e motricidade não deve ser dada apenas aos “especialistas” em Educação Física, e que nem as professoras regentes priorizem apenas o intelecto nas atividades em sala de aula, pois ambas

devem conceber a criança como um ser global, único e inteiro: cognitivo, afetivo, social e psicomotor.

“O trabalho pedagógico com as práticas corporais tem como objetivo principal auxiliar as crianças; analisá-las, significá-las e produzi-las, pois se constituem em textos elaborados pela linguagem corporal” (NEIRA, 2014, p. 17). O autor afirma que não há movimento pelo movimento, qualquer gesto tem como suporte um significado. Desta forma, o professor educaria por meio do movimento ou pelo movimento, devido às aprendizagens proporcionadas pelas experiências vividas, como o conhecimento do corpo e seus limites, o arriscar- se e aprender com as emoções do risco entre outros. Ao desenvolver atividades rítmicas e expressivas, brincadeiras, jogos, o professor estaria proporcionando situações em que a criança constrói conhecimentos, sendo assim, educaria sobre o movimento (NEIRA, 2006).

Rabinovich (2007, p. 29) ressalta que:

[...] é essencial que o professor de Educação Infantil compreenda o movimento da criança como linguagem, possibilitando-lhe a metamorfose de um ser da natureza para um sujeito da cultura. É preciso estar atento ao corpo e aos movimentos, pois na infância o corpo e suas expressões são as falas das crianças.

Enfatizamos a importância de uma compreensão mais apurada da motricidade infantil aos profissionais que atuam na EI. Muito além do olhar biológico ou fisiológico, o movimento é uma forma expressiva e relevante para as crianças. “O corpo que corre e cresce é o mesmo que sente, conhece e se expressa” (MATTOS; NEIRA, 2006, p. 11). Assim, rompemos com a ideia que explica o movimento como resultado de estímulos neurais, para entendê-lo como portador de significados culturais. Sendo assim, cabe ao professor a organização das atividades pedagógicas para que ampliem o patrimônio cultural das crianças.

Os movimentos do corpo constituem uma linguagem que se constrói no processo histórico-cultural do meio onde a criança se encontra, sendo assim, tão importantes para o desenvolvimento físico-motor infantil. É preciso refletir e repensar uma prática que valorize o movimento corporal da criança como capacidade expressiva e intencional e não apenas como uma necessidade físico-motora (GARANHANI, 2006).

Devemos considerar sobre que tipo de criança e de infância a escola tem focado em seu cotidiano, é necessário compreender o que é ser criança

hoje. Arroyo (2012, p. 332) aponta que as necessidades sociais e culturais da infância contemporânea são marcadas cada vez mais pelo consumo de bens materiais e pelo acesso aos mais diversos tipos de mídia. A evolução da comunicação que facilitou a divulgação de brinquedos teve seu reflexo nas culturas infantis, ligando-os amplamente ao consumo e à mídia. A urbanização desenfreada das cidades, influenciou para que as crianças perdessem locais que antes eram exclusivos para a vivência de atividades lúdicas, como o quintal de casa, a rua, o jardim, as praças. Sendo assim, temos a escola como uma instituição importante para que o movimento, as brincadeiras e o lúdico sejam vivenciados pelas crianças.

É se movimentando que as crianças produzem sentido das situações observadas em seus cotidianos, experimentam diferentes formas de interpretar o que acontece em seus mundos. As crianças se apropriam em suas brincadeiras das narrativas as quais têm acesso, sejam da televisão, do computador, da história contada em casa, dos livros, entre outras coisas. É nesse momento que elas demonstram o quanto o contexto e as ofertas culturais são significações importantes na constituição de suas brincadeiras. Que quanto mais diversas as experiências, o contato com a natureza, as histórias, os lugares e a diversidade dos brinquedos, mais as crianças exercitam a imaginação, criando e atribuindo sentido à realidade da qual fazem parte. Que quanto mais sentido existir em suas vidas, mais ricos de sentidos serão seus movimentos (ARROYO, 2012, p. 345).

Neste sentido, os educadores devem estar atentos às contribuições de Gardner (1982 apud RIVOLTELLA, 2008) sobre o desenvolvimento da inteligência corpórea nas crianças, o qual traz à tona a importância de trabalhar os sentidos, a sensibilidade e de compreender o mundo vivido das crianças, das relações estabelecidas com a mídia e entendê-las como seres que atuam, refletem, questionam o seu mundo através do movimento (ARROYO, 2012).