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CAPÍTULO 1 EDUCAÇÃO INFANTIL: CORPO E CULTURA

1.4 A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O CORPO EM

1.4.1 O pensamento foucaultiano relacionado a disciplina corporal

A criança chega à escola já sabendo brincar. Ela cria situações imaginárias, e ao vivenciá-las, o faz com regras observadas nas situações de vida real ou naquelas vividas nas brincadeiras.

[...] o prazer é o princípio determinante da vida da criança: e mais, o brincar não produz objetivos, mas proporciona prazer. O brincar, enquanto atividade que tem o seu fim em si mesma, é nada menos que a expressão dessa busca fundamental do prazer (ALVES, 1986, p. 96).

Porém, por ser algo que lhe proporciona prazer, muitos professores transformam esse conteúdo em uma exigência de aprendizagem, apenas visando atingir os objetivos traçados para aquela situação, sem permitir o prazer na atividade proposta (PICCOLO; MOREIRA, 2012).

Ao debruçarmos sobre a problemática do corpo em movimento na EI, percebemos que apesar dos estudos apontarem a necessidade e a importância do trabalho com o corpo em movimento na prática pedagógica, ainda encontramos nas escolas crianças impossibilitadas de vivenciar a travessia da experiência educativa. Camargo (2014, p. 66) enfatiza que por vezes, o corpo e o movimento no cotidiano escolar são considerados como instrumentos de ações docilizantes e disciplinadoras. A maior parte das atividades são direcionadas para que as crianças permaneçam sentadas, restritas em seus movimentos e com ações pedagógicas direcionadas a um determinado fim.

Salvo algumas exceções, o corpo das crianças é educado, treinado e disciplinado por meio das “rotinas”, da regulamentação do tempo, espaço e movimentos na vida cotidiana que institui e normatiza tempos fixos (BATISTA, 1998; SAYÃO, 2004).

De acordo com Foucault (2007, p. 130):

O controle disciplinar não consiste simplesmente em ensinar ou impor uma série de gestos definidos, impõe a melhor relação entre um gesto e a atitude global do corpo, que é sua condição de eficácia e rapidez. No bom emprego do corpo, que permite um bom emprego do tempo, nada de ficar ocioso e inútil: tudo deve ser chamado a formar o suporte do ato requerido. Um corpo bem disciplinado forma o contexto de realização do mínimo gesto. Uma boa caligrafia, por exemplo, supõe uma ginástica – uma rotina cujo rigoroso código abrange o corpo por inteiro, da ponta do pé à extremidade do indicador.

Foucault (2007) faz uma dura crítica a Instituição escolar, em relação a determinados princípios e moldes sociais que veem a educação como conformação e construção externa do sujeito, sem falar da prática de liberdade.

Os estudos de Michel Foucault perpassam pela sociedade disciplinar, estiveram relacionados às instituições, quartéis, fábricas, prisões, hospitais psiquiátricos e escolas, “instituições de sequestro”, que para Veiga-Neto (2003, p. 91), são “instituições capazes de capturar nossos corpos por tempos variáveis e submetê-los a variadas tecnologias de poder”.

Foucault (2007) por meio de uma análise histórica e inovadora viu no exército, nas fábricas, nas prisões, nos asilos e nas escolas da Idade Moderna atitudes de vigilância e adestramento do corpo e da mente do sujeito, surgindo então à concepção do homem como um objeto, capaz de ser moldado, dando às instituições a possibilidade de modificá-lo. A partir de normas e punições, para que assim todos exerçam suas tarefas como bons cidadãos evitando infringir as normas estabelecidas pelo poder.

É um mecanismo de poder que permite extrair dos corpos tempo e trabalho, mais do que bens e riqueza. É um tipo de poder que se exerce continuamente por vigilância e não de forma descontínua por sistemas de tributos e de obrigações crônicas (FOUCAULT, 1999, p. 42).

Soberania, disciplinamento e biopoder constituem as formas de dominação e docilização analisadas e descritas por Foucault (1979, 2007) para a compreensão da sociedade moderna, bem como para a constituição das instituições e da formação do homem. O rei, como destaque da soberania, dispunha dos corpos nos mais temerosos e cruéis castigos físicos para a punição corporal do erro. Entre o arsenal dos suplícios, constituíam-se masmorras, decapitações, esquartejamentos e fogueiras. Segundo Foucault (2007) a utilização destas punições era comum para a imposição do medo à população bem como para reforço ao poder do rei, visto que os castigos eram aplicados publicamente.

Para Foucault (2007) a Modernidade caracteriza-se como o período em que se instaura o governo e a governamentabilidade, como tecnologias de dominação. O conceito definidor da modernidade, segundo o francês, é a disciplina - um instrumento de dominação e controle destinado a suprimir ou domesticar os comportamentos divergentes.

Foucault (1979, 2007) diz que as diversas instituições que se formam, tais como presídios, hospitais e escolas, estão fundamentadas em um poder disciplinar para a obediência, a ordem e a dominação. "As sociedades modernas não são disciplinadas, mas disciplinares: o que não significa que todos nós estejamos igual e irremediavelmente presos às disciplinas" (VEIGA- NETO, 2003, p. 54).

O controle exercido sobre o corpo, descrito por Foucault (1979, 2007), impõe uma coerção sem folga, a injunção de um nível de mecânica, o exercício do poder sobre o movimento, os gestos e as atitudes. Esta relação denominada como docilidade/utilidade dão origem às disciplinas abordadas por Foucault como formas de dominação, caracterizando o poder disciplinar:

O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa unicamente o aumento de suas habilidades nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente. Forma-se então uma política de coerções que são um trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos. O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompõe (FOUCAULT, 2007, p. 119).

É importante destacar que para Foucault (2007, p. 119) corpos dóceis são corpos maleáveis e moldáveis, o que significa que, por um lado, a disciplina submete ao corpo a um ganho de força pela sua utilidade; e, por outro lado, perde força pela sua sujeição à obediência política.

A docilização do corpo tem uma vantagem social e política sobre o suplício, porque este enfraquece ou destrói os recursos vitais. Já a docilização torna os corpos produtivos.

As instituições infantis devem conjeturar sobre o espaço destinado às atividades corporais, em todos os momentos da rotina diária. Os deslocamentos, as conversas, as brincadeiras não devem ser entendidos pelo professor como situações de desordem, indisciplina, agitação ou dispersão, mas como manifestação natural das crianças (BRASIL, 1998).

Para Arroyo (2012) em muitas salas de aula o silêncio está roto e até quando se tenta impô-lo os corpos falam, com suas marcas, toda a classe de linguagens e de expressões.

Como aprender a entender as linguagens desses corpos rotos? Nada fácil para profissionais que aprendemos a linguagem escrita, do letramento, do livro didático, da cópia, do ‘para casa’, das cruzes nas múltiplas escolhas das avaliações e seleções. Nada fácil para profissionais que nos ensinaram a ensinar mantendo os aprendizes em silêncio. Como superar essas didáticas para entender, valorizar as duras linguagens de suas vidas-corpos tão falantes e tão denunciantes? (ARROYO, 2012, p. 48).

Entendemos que os conhecimentos relacionados à leitura e à escrita são essenciais, mas evidenciamos a importância de considerar o corpo em movimento no processo de desenvolvimento e aprendizagem infantil. A superação e rompimento dessa reprodução de corpos disciplinados e dóceis nas instituições de EI é primordial para que possamos desenvolver a autonomia nas crianças, romper com ideias rígidas e conservadoras e refletir sobre aspectos importantes que permeiam a prática pedagógica.

Quando utilizamos a discussão sobre disciplina corporal devemos refletir sobre o que podemos considerar dentro da naturalidade, de uma normalidade pedagógica em relação a organização disciplinar e o que pode ser visto como excesso, como aponta Foucault (1979, 2007). Na Educação Física e na Educação Infantil essa discussão é muito importante, pois a criança precisa se organizar dentro do grupo e isso muitas vezes, se faz necessário para o sucesso da atividade. A realização de uma atividade em círculo, por exemplo, em que os alunos precisam estar organizados desta forma para que a atividade aconteça.

A questão da disciplina está ligada a atitude e sensibilidade do professor, em como ele consegue mediar as relações entre as crianças que interagem em um processo de ensino e aprendizagem. A sensibilidade do professor na EI é essencial ao tratar destas questões, com um olhar disciplinar em ensinar a responsabilidade e organização durante a atividade, ao invés da coerção por falta da disciplina.

Quando brinca a criança se depara com desafios e situações problema devendo buscar soluções para aquelas com as quais se deparam. Nas brincadeiras estão contidos processos importantes também, como aquisição de papéis. Por meio dos jogos a criança vai aprendendo a respeitar o outro e compreender que é possível reinventar regras, desde que seja de comum acordo com os demais participantes; com isso a criança se sente inserida e responsável por aquele contexto. Dentre essas atividades, estão contidos

processos de instrução, regras de grupo, classificação, generalização, abstração etc.

Moyles (2006, p. 124) enfatiza a importância do papel do adulto como capacitador e promotor do brincar. Para a autora, o papel do adulto não é nem passivo, nem ativo, é proativo. Embora o ambiente de brincar livre tenha potencial para estimular a aprendizagem efetiva, o mesmo precisa ser cuidadosamente estruturado. Sendo assim, os adultos desempenham um importante papel nessa organização, intervindo seletivamente no brincar infantil.

Considerando o que diz Foucault (1979, 2007), podemos pensar neste processo como construção efetiva do sujeito. Devemos considerar que o processo educativo está sempre em construção, em que o objetivo é o indivíduo cultivar-se, formar-se, fazer-se e erigir-se através do mesmo, a educação seria pensada como um processo de cultivo de si mesmo.

1.4.2 Educação Infantil: o corpo em movimento como eixo da prática