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3 OS DISCURSOS PELA REFUNDAMENTAÇÃO E VIGÊNCIA DA

3.4 A EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL: QUESTÕES ATUAIS

Neste item, garimpamos algumas pistas, as quais possam revelar as questões atuais que estão sendo trabalhadas no campo da pesquisa da Educação Popular no Brasil, especialmente por se tratar do país de origem de Paulo Freire, o qual, no discurso latino- americano, é tido como sistematizador deste paradigma educacional. Para isso, fomos buscar as produções dos últimos cinco anos no lugar discursivo acadêmico da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd)66, no Grupo de Trabalho 6 – Educação Popular.

Nesse lugar, priorizamos analisar apenas as comunicações apresentadas em GT, uma vez que os pôsteres, em sua maioria, são ainda resultados parciais de pesquisa em andamento. Logo, nosso objetivo não é aprofundar os temas e conteúdos identificados, mas conhecer o que, no campo da EP, tem sido produção acadêmica, pois esta, por hipótese, possui significativa contribuição para o processo de refundamentação e vigência deste paradigma educacional.

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Os encontros aqui analisados foram do 28°, de 2005, 29°, de 2006, 30°, de 2007, 31°, de 2008 e 32º, de 2009, totalizando cinco encontros anuais.

Nos últimos cinco encontros anuais da ANPEd (2005 a 2009), foram apresentados, entre resultados de pesquisas de dissertações, teses e demais tipos de investigação, 83 trabalhos67, na modalidade comunicação, não considerando os 19 pôsteres presentes neste período.

Estes trabalhos levam-nos a inferir que a discussão sobre a EP atual reforça o seu processo de refundamentação e vigência, visualizado no corpo deste capítulo, bem como a sua comprovação como paradigma da educação que inspira diferentes práticas pedagógicas formais e não formais de educação com as classes populares. Observa-se, também, na emergência deste discurso, o aparecimento de novos sujeitos e temáticas sociais, a exemplo da:

 subjetividade (ADAD, 2005);

 educação indígena (BERGAMSCHI, 2008; BRAND, 2005; VINHA, 2006, 2007);

 educação, religião e ciência (CAMPOS, 2005; OLIVEIRA, 2006; FONSECA, 2006);

 saúde (DAMASCENO, 2005; FLEURI, 2005);

 educação inclusiva de surdos (DOZIAT, 2005);

 arte (FANTIN, 2005);

 organização do ensino fundamental e ciclos de formação (FETZNER, 2005);

 educação popular e teorias intercomunicantes (MELO NETO, 2005);

 cultura, violência e valores na educação (MONTEIRO, 2005);

 educação infantil e juvenil (MENEZES, 2007; NÖRNBERG, 2007; PAIVA, 2008; SOUSA, 2005);

 educação etnicorracial (SILVEIRA, 2005);

 formação de educadores sociais para a infância e a juventude (VANGRELINO, 2005);

 currículo de ciências nas séries iniciais (ZANCHET, SILVEIRA, 2005);

 jovens e juventude (ZUCCHETTI, 2005);

 cooperativa de reciclagem de lixo (SANTOS, DELUIZ 2006);

 educação popular do campo e realidade camponesa (BATISTA, 2006, 2007; SILVA, 2008; NEVES, 2007);

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 educação prisional (ONOFRE, 2006);

 economia solidária (MELO NETO, 2006);

 modernização agrícola e práticas educativas (LEAL, 2007);

 escola pública (BENDIN, 2007);

 jogos eletrônicos (MOITA, 2007);

 universidade e educação popular (PINHEIRO, 2007; ZUCCHETTI, 2007);

 educação popular e a formação dos sujeitos humanos (PAULA, 2008);

 terapia comunitária (2009);

 profissionais do sexo (MENDES, MARQUES, 2009).

Além dos temas citados no parágrafo anterior, observou-se a presença dos ditos temas clássicos da EP, todavia, a partir da leitura contextualizada com a realidade atual, a exemplo de:

 educação popular em movimentos sociais (BATISTA, 2005);

 discurso-ação do MST convocatório de homens e mulheres excluídos do rural brasileiro (FALKEMBACH, 2005);

 educação popular e emancipação humana (FEITOZA, 2005);

 cultura popular e memória (BACKES, 2007; MARCON, 2005; OLIVEIRA, SANTOS, 2007);

 universidade, extensão universitária e educação popular (JEZINE, 2005; PINHEIRO, 2007; VASCONCELOS, OLIVEIRA, 2005);

 diálogo (BRAYNER, 2007);

 José Martí (STRECK, 2007);

 cidadania (SILVA, 2008);

 senso comum (BRAYNER, 2008);

 Paulo Freire (BRAYNER, 2009; KAVAYA, GHIGGI, 2009);

 pesquisa participativa (ADAMS, 2009).

Os temas e problemas estudados ou investigados por parte de alguns pesquisadores brasileiros revelam a atualidade e a vigência presentes na EP, confirmando as reflexões/estudos apresentados por Carrillo (2009), Casillas (2005), Mejía (2009), Souza (2007), entre outros, concernentes à sua refundamentação e vigência, como também o seu interesse pela classe popular, seja através de estudos sobre as práticas educativas com catadores de lixo, seja com os indígenas e negros, valorizando questões multiculturais, ou através da formação de educadores populares que atendem a crianças e jovens em estado de

vulnerabilidade e de riscos sociais diversos, ou com adultos em estado de analfabetismo, desemprego, subemprego ou participando de experiências de economia solidária.

O rótulo EP, nos últimos anos, tem demonstrado consistente fôlego na condição de teoria. A EP, segundo pesquisadores brasileiros, mostra que seus alicerces ideológicos ainda servem de inspiração e norte para as práticas educativas formais e não formais no contexto da educação no Brasil, como apontam as seguintes formações discursivas, extraídas dos resumos dos trabalhos discutidos na ANPEd:

Os resultados da pesquisa qualitativa apontam que a COOPCARMO, como experiência de economia popular e solidária alternativa aos processos socioeconômicos excludentes, tornou-se um espaço de inclusão social gerando trabalho e renda, e aí são construídos saberes e valores na perspectiva de uma educação popular crítica de formação de sujeitos políticos que lutam por espaços de resistência e de re-invenção, na construção de suas histórias pessoais e coletivas (SANTOS, DELUIZ, 2006).

A investigação indicou que a educação popular está mais próxima de superar contradições, do que a escola regular, que possui amarras burocráticas. Assim, é importante o diálogo entre a educação popular e a educação formal, para a emancipação do projeto político-pedagógico de ambas (RESENDE, SCÁRDUA, 2006).

[...] o diálogo, a solidariedade, a tolerância e a igualdade, confirmando a

educação popular como o tipo de educação presente e necessária aos empreendimentos solidários populares, e uma singular sintonia entre a

educação popular e a economia solidária (MELO NETO, 2006).

Conclui que os jogos eletrônicos permitem a organização de situações de aprendizagem, um espaço de aprender a aprender, que estimula a articulação entre saberes e competências, sendo possível afirmar que a aprendizagem, naquele espaço, é uma construção ativa, crítica e participativa (MOITA, 2007).

Enfim, a atualidade e vigência da EP, no continente latino-americano e, em especial, no Brasil, têm apresentado outras vertentes para além das tradicionais apontadas por Fleuri (1988) e Muñoz (2009). Sua abertura e atuação em outras frentes como educação especial, indígena, negros, mulheres, economia solidária, esporte, multiculturalismo, sexismo, subjetividade/afetividade etc. alterna, desse modo, o sentido de suas ações de caráter mais coletivo, para atuar em ações com grupos sociais específicos, como afirma Gohn (2002).

Desta maneira, é no contexto de novas buscas e de reconhecimentos de novos protagonistas e demandas sociais, como também de renovação da luta contra as injustiças

sociais e pela valorização da vida e da ética dos seres humanos, que o discurso do paradigma da EP revela enunciados em favor da formação de professores, que, nesta tese, abordará a formação no campo discursivo da Educação de Jovens e Adultos em uma experiência de Educação Popular: o Projeto Escola Zé Peão, situado no Nordeste brasileiro e executado em parceria entre o Sindicado dos Trabalhadores na Indústria da Construção Civil e do Mobiliário de João Pessoa/PB (SINTRICOM), e a Universidade Federal da Paraíba/Centro de Educação/Programa de Pós-Graduação em Educação, desde o início da década de 1990.

4 O PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO DA PESQUISA

No presente capítulo, situamos esta pesquisa no contexto no qual se deu a investigação, sua natureza, os procedimentos metodológicos e os seus aspectos teóricos. Descrevemos a Análise Arqueológica do Discurso (AAD), de inspiração foucaultiana, e principais categorias que orientaram as análises das informações obtidas. Apresentamos, ainda, um quadro referente ao corpus documental de análise, os critérios de escolha dos sujeitos entrevistados e seu respectivo perfil, bem como a descrição de como procedemos à análise na perspectiva da AAD.

Dada à natureza do problema desta investigação, optamos por um estudo fundamentado na abordagem qualitativa da pesquisa em educação. Este tipo de pesquisa tem como uma de suas mais importantes características a produção (material e imaterial) dos seres humanos, ou seja, tudo aquilo que o humano é capaz de produzir, seja através de transformações sobre a natureza, seja a partir de suas ideias, de seus pensamentos e linguagens. A pesquisa qualitativa é muito mais oportuna para aquele tipo de investigação que tem, no sujeito humano, e em suas práticas discursivas e não discursivas, o foco principal de suas análises. Este tipo de pesquisa procura centrar seu alvo no sujeito “[...] com toda sua complexidade, e na sua inserção e interação com o ambiente sociocultural e natural” (D‟AMBROSIO, 2003, p. 103).

Ainda com relação à natureza desta pesquisa, Bogdan e Biklen (1999, p. 49) ressaltam que a “abordagem da investigação qualitativa exige que o mundo seja examinado com a ideia de que nada é trivial, que tudo tem potencial para constituir uma pista que nos permita estabelecer uma compreensão mais esclarecedora do nosso objecto de estudo”.

Portanto, nossa intenção é desenvolver uma interação, tanto direta, através da realização de entrevistas, como indireta, com os sujeitos-autores, a partir das produções acadêmicas (artigos, livros, relatórios etc.) e não acadêmicas (pautas de reuniões, material de oficinas pedagógicas etc.). É buscar, também, a partir das produções discursivas dos sujeitos humanos, o entendimento sobre o objeto da formação de professores de EJA, situada no campo da Educação Popular e delas extrair os enunciados.

A pesquisa que tem, nas ações dos seres humanos, o seu alvo principal, também se preocupa com o processo construído para se chegar a determinado fato. O produto não se configura sozinho em seu foco de preocupação, porque entendemos que os sujeitos humanos são seres inconclusos, inacabados, projeto infinito, estando em constante movimento (FREIRE, 2005, BOFF, 2000b). Os seres humanos são, portanto, seres criativos e em

processo. Neste tecido, as pesquisas realizadas por Foucault também focalizavam os sujeitos humanos e nos revelam, em síntese, que Foucault, em toda a extensão de sua obra, tinha, por preocupação, os sujeitos humanos, envoltos na relação de poder, “[...] como aspecto integral da produção de discursos voltados às verdades. Meu objetivo tem sido o de criar uma história dos diferentes modos pelos quais, em nossa cultura, os seres humanos se tornam sujeitos” (PETERS e BESLEY, 2008, p. 17).

Portanto, a pesquisa arqueológica do saber não se encontra distante do paradigma qualitativo de pesquisa. Penso até que ele está inserido como uma de suas vertentes.

4.1 O TRATAMENTO DOS DADOS: O CORPUS DOCUMENTAL, O PERFIL DOS