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2 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E A FORMAÇÃO DE

2.5 O DISCURSO DA FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR DA EJA

2.5.1 O educando jovem e adulto como fio condutor da formação do professor

Na EJA, não cabem mais ações formativas, realizadas em parceria entre as universidades/centros de educação, nas quais os professores-formadores ministrem cursos de formação continuada, distantes ou fora da realidade dos professores cursistas e, muitas vezes, sem exercitar a escuta sensível, para melhor colaborar com o desenvolvimento profissional destes mesmos professores. A formação, seja ela inicial ou continuada, está para além do processo de treinamento técnico-profissional. Ela, como parte do fenômeno educativo, mexe com seres humanos e sua formação constante. Logo, não basta ensinar técnicas, dinâmicas apenas. A formação continuada precisa dar conta da formação humana, política e cidadã dos professores, aliada à instrumentalização técnica.

Nos subcapítulos seguintes, descreveremos e analisaremos os enunciados que norteiam a formação continuada de professores para a EJA.

2.5.1 O educando jovem e adulto como fio condutor da formação do professor para a EJA

As bases legais que orientam as práticas discursivas relativas à formação do professor da EJA apresentam, como homogeneidade discursiva, o enunciado que aponta a especificidade do educando da EJA como um dos elementos norteadores da formação do professor. Nesta modalidade da educação básica, os sujeitos-educandos são protagonistas importantes para o processo educativo. É em função dele, do seu processo de emancipação e libertação – em uma palavra, humanização – que a educação acontece. Mas, o que estamos entendendo por humanização nesta tese? Não seria redundante falar que educação envolve formação humana dos seres humanos? Como não intenciono aprofundar o assunto, compartilhamos do entendimento de humanização como sendo um processo de inclusão social, de acesso à dignidade, à justiça social, aos bens materiais produzidos pelos seres humanos no atual modelo econômico e social. Entendemos que a humanização constrói modos de convivência com/na diversidade, em diferentes culturas.

A humanização não é algo que se aprende apenas na escola. Como parte de um processo educativo mais amplo, a humanização dos seres humanos se constrói na relação justa, digna, de respeito à diversidade e às diferenças entre os próprios humanos em sociedade. Logo, a humanização nos coloca na posição do inacabamento, da inconclusão. Não

somos seres conclusos. Estamos nos construindo em relação com outros humanos. A escola pode nos ajudar na construção deste processo. Sendo assim,

A humanização implica, então, ideias, pensamentos, reflexões, ciências,

artes (PENSAR), afetos, vontades, paixões, experiências (EMOCIONAR-

SE), bem como atividades, ações, práticas (FAZER), no interior de determinadas relações sociais (MEIO CULTURAL), e de relações com a natureza (MEIO NATURAL). Estas relações sociais e com a natureza estão em permanentes mudanças, transformações, para o bem ou para o mal (SOUZA, 2006, p. 202, grifos do autor).

Freire (2005), em um dos seus últimos trabalhos – Pedagogia da autonomia44 – reforça o educando como um dos sustentáculos da prática educativa docente. Em todo o primeiro capítulo (Não há docência sem discência), o autor entende que a prática educativa do professor vive em permanente diálogo com o educando. São relações indissociáveis, pois o ato educativo envolve relações entre sujeitos sociais, como afirma Freire ao longo de toda a sua obra, como também Arroyo (2005), Calado (2008), Parecer 11/2000, Soares (2005), Souza (2007), dentre outros.

Deste modo, encontram-se no discurso da EJA as seguintes formações discursivas, que ratificam o educando como o fio condutor da formação do professor: “valorizar o saber dos educandos”; “ensinar exige respeito aos saberes dos educandos”; “exige amor aos educandos”; “exige respeito à autonomia dos educandos”; “conhecer a realidade de vida dos alunos”; “saber escutar os educandos”; “considerar os educandos da EJA como seres históricos” e “como sujeitos socioculturais”, além de considerá-los sujeitos de direito à educação. Enfim, são séries enunciativas sobre a importância dos educandos na educação de jovens e adultos.

Foucault (2008) nos leva a entender a educação como um dispositivo governamental que visa modelar as pessoas, seus corpos, ou seja, produzir subjetividades, com vistas à submissão a uma dada ordem do discurso. Assim, a ordem do discurso para a formação do professor, apresenta enunciados que confirmam o “educando em sua complexidade e especificidade” como um dos eixos para a formação de professores.

A formação de professores, em todos os níveis e modalidades da Educação Básica, conforme as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos

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Reconhecemos que não apenas na Pedagogia da autonomia, mas em todo o discurso freireano, o educando é basilar no processo educativo. É sobre ele e com ele que se deve construir o processo educativo libertador. Os enunciados da “libertação” são comuns a este autor. Os discursos por ele proferidos nos remetem a isso. Para aprofundar essa questão, vale a pena revisitar as seguintes obras de Paulo Freire: Pedagoga do Oprimido e a

(PARECER CEB nº 11/2000, p. 44), considera o disposto no artigo 22 da Lei 9.394/96, sobre o educando e o seu desenvolvimento, “[...] assegurando-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”.

Por conseguinte, a formação de professores tem como meta o desenvolvimento pleno dos educandos, permitindo inferir que o alvo da educação nacional são os alunos, sua formação para o exercício da cidadania ativa, para o seu desenvolvimento no trabalho e para a continuidade dos estudos em níveis e modalidades posteriores. Portanto, a formação do professor para a EJA procura considerar os educandos e as educandas como protagonistas do processo formativo de professores. Segundo Di Pierro et al.(2006, p. 282), isto inclui

[...] sua história e condição socioeconômica, sua posição nas relações de poder, sua diversidade étnico-racial, cultural, geracional, territorial. Nesse sentido, a formação demandará que sejam contemplados conhecimentos das Ciências Sociais e Humanas que fundamentem a reflexão sobre a constituição de alunas e alunos EJA como protagonistas da ação pedagógica [...] A formação requer, ainda, que se constituam competências que habilitem o educador a trabalhar, para garantir o direito dos alunos e das alunas da EJA ao acesso a conhecimentos socialmente valorizados, priorizando os saberes significativos para a vida adulta.

Desse modo, a formação de professores para a EJA vem se construindo no país, a partir do referencial discursivo de Paulo Freire, pelo qual o discente é um elemento importante para a formação. Esse olhar sobre os educandos, sua realidade de vida, sua cultura etc. credita-se a Paulo Freire, ao observar a educação para este contingente, a partir do prisma da antropologia.

Reportando-nos novamente aos estudos de Paiva (2003), constatamos que, desde o período da Primeira República (1889-1930), o discurso do preconceito sobre o educando da EJA vem se arrastando na história da educação no Brasil. Como exemplo disto, a autora transcreve um trecho da fala do Ministro da Educação e Saúde, Muniz de Aragão, de 1966, acerca do analfabetismo, a qual expressa um dado enunciado que, hoje, podemos identificá-lo como parte da formação discursiva do discurso do preconceito: “[...] uma chaga, mancha vergonhosa a desfigurar as faces da sociedade brasileira que se apresenta, no conceito dos povos, como constituída em grande parte, por cidadãos incultos e ignorantes” (apud PAIVA, 2003, p. 293).

Além deste, outros preconceitos existem, reforçando um perfil negativo do aluno da EJA, como, por exemplo: aquele/aquela considerados fracassados, reprovados e defasados

da escola na fase infantil ou na adolescência. Neste sentido, assim se expressa Arroyo (2005, p. 29):

Desde que a EJA é EJA esses jovens e adultos são os mesmos; pobres, desempregados, na economia informal, negros, nos limites da sobrevivência. São jovens e adultos populares. Fazem parte dos mesmos coletivos sociais, raciais, étnicos, culturais. O nome genérico: educação de jovens e adultos oculta essas identidades coletivas. [...] Trata-se de trajetórias coletivas de negação de direitos, de exclusão e marginalização; [Portanto, a] EJA é, de fato, uma política afirmativa e, como tal, tem de ser equacionada.

Historicamente, o educando da EJA tem apresentado o seguinte perfil, conforme descreve Caldart (2002, p. 30): “São pequenos agricultores, quilombolas, povos indígenas, pescadores, camponeses, assentados, ribeirinhos, povos da floresta, caipiras, lavradores, roceiros, sem-terra, agregados, caboclos, meeiros, bóia-fria”. São pessoas com diferenças de gênero, de etnia, de religião, de geração, de produção, de vivência, de diferentes formas de leituras de mundo, de conhecimento da realidade e de enfrentamento dos seus problemas. Muitos ainda estão excluídos da tecnologia; outros, da terra; outros, da sociedade urbana; uns, do emprego; outros, pela cor que possuem e pela condição social e até sexual (CALDART, ibidem).

Para Arroyo, a percepção preconceituosa não ajuda a avançar no sentido de se poder traçar um perfil destes discentes. No processo de formação de professores, quanto mais o professor se aproxima deste aluno, mais ele possuirá elementos para poder desenvolver sua prática docente, coerente com as necessidades de ensino-aprendizagem destes. Portanto, o educando é um dos referenciais que norteiam a formação do professor para esta modalidade da educação básica. Assim, Arroyo (2005), Di Pierro et al. (2006), Freire (1958; 2002a; 2002b; 2005), Lei 9.394/96, Parecer CEB nº 11/2000, Ribeiro (1999) e Poel e Poel (2007) apontam o educando como elemento norteador para a formação de professores para a modalidade EJA. É em torno do aluno que o processo formativo acontece. Isto, se tal formação levar em consideração, principalmente, as histórias de vida deste educando, suas especificidades e necessidades formativas. Isto porque, a EJA é uma

[...] práxis pedagógica escolar com pessoas jovens e adultas que não tenham conseguido se escolarizar no nível do Ensino Fundamental e do Ensino Médio ou se encontrem subescolarizadas para que consigam ampliar suas capacidades decisórias, técnicas, éticas, estéticas, políticas, intelectuais; numa palavra: construam sua competência humana (SOUZA, 2007, p. 177).

EJA, portanto, possui forte laço com os seus educandos. Não que as demais modalidades sejam diferentes. Nesse caso específico, os sujeitos, por serem mais experientes e por possuírem nível cognitivo mais maduro que as crianças, passam a interagir mais com os professores, não aceitando tudo que venha ser ministrado em sala de aula. Outro fato: a formação ativa destes sujeitos propicia qualidade social com maior participação e possibilidades de mudanças.