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3 OS DISCURSOS PELA REFUNDAMENTAÇÃO E VIGÊNCIA DA

4.1 O TRATAMENTO DOS DADOS: O CORPUS DOCUMENTAL, O PERFIL

4.1.1 O sujeito na perspectiva da AAD: as entrevistas e o perfil dos sujeitos

Foucault, ainda em sua obra Arqueologia do Saber, nos alerta para a necessidade de encontrar a lei que propicia o aparecimento dos diversos enunciados, bem como o lugar de onde eles advêm. A formação das modalidades enunciativas, portanto, parte primeiro da identificação do sujeito que fala, isto é, quem é esse sujeito? “Qual é o status dos indivíduos que têm [...] o direito regulamentar ou tradicional, juridicamente definido ou espontaneamente aceito, de proferir semelhante discurso?” (FOUCAULT, 2000a, p. 57). Esse sujeito (físico ou jurídico) precisa estar submetido a uma dada ordem do discurso através da qual a sociedade legitima a partir de um status69. Logo, o status é uma posição ocupada pelos sujeitos em uma dada sociedade e por ela legitimada. Possui uma rede de relações e certo poder. Portanto,

Compreende também um sistema de diferenciação e de relações (divisão das atribuições, subordinação hierárquica, complementaridade funcional, demanda, transmissão ou troca de informações) com outros indivíduos ou outros grupos que têm eles próprios seu status (com o poder político e seus representantes, com o poder judiciário, com diferentes corpos profissionais, com grupos religiosos [...]. Compreende, também, um certo número de traços que definem seu funcionamento em relação ao conjunto da sociedade [...] (FOUCAULT, ibidem, p. 57).

Pode-se, desse modo, entender que o sujeito que fala necessita de aprovação social ou, como afirmamos acima, de estar submetido à ordem do discurso estabelecida pela sociedade. Então, o sujeito, a partir do seu status social, é uma função exercida em uma dada sociedade, e tal legitimidade lhe é conferida através das instituições sociais (universidades, repartições públicas ou privadas, jurídicas, organizações não governamentais, religiosas, movimentos sociais, família etc.). Deleuze (2006, p. 64) sintetiza o conceito de sujeito como sendo: “[...] um lugar ou posição que varia muito segundo o tipo, segundo o limiar do enunciado; o próprio „autor‟ não passa de uma dessas posições possíveis, em certos casos”.

Conclui-se, então, que o sujeito foucaultiano é identificado pela posição ou status ocupado e socialmente legitimado.

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Toda sociedade compreende um sistema de status ou posições. Status é a localização do indivíduo na hierarquia social, de acordo com a sua participação na distribuição desigual da riqueza, do prestígio e do poder. Quando nos referimos a poder, em Sociologia, não limitamos o significado dessa expressão ao seu sentido estritamente político “[...] Além da forma ratificada e legitimada de poder pelo Estado, que é o poder político, muitas outras expressões de poder se manifestam em todos os níveis das relações sociais. [Portanto] onde quer que exista desigualdade de status, tende a haver alguma forma de manifestação de poder” (VILA NOVA, 2000, p. 117, grifos do autor). Aliás, o poder se manifesta em toda relação humana. Onde existe uma relação entre seres humanos, seja mais horizontalizada ou não, haverá relações de força e poder.

Vale esclarecer que Foucault (2008) compreende a sociedade como um “corpo social”, pelo qual circula poder nas microrrelações cotidianas dos sujeitos humanos. O poder, portanto, não se limita ao Estado. Sendo assim, todo e qualquer sujeito humano é protagonista de ações neste corpo social. Não são apenas pessoas sujeitas a uma dada ordem, força e poder. Elas também resistem às formas de regulação da sociedade. Logo, este sujeito se aproxima daquele concebido pela Educação Popular: protagonista, produtor e transformador.

O sujeito foucaultiano é um sujeito disperso, descontínuo na história em virtude do entendimento de que uma dada pessoa (sujeito) não se constitui na origem, na gênese de um determinado discurso. Vamos entender, portanto, que, para Foucault, neste momento, somente é possível conhecer determinado objeto a partir do que foi dito sobre ele, a partir de uma base linguística. Sendo assim: “O sujeito do enunciado não é o sujeito da frase, como também não é o seu autor. Ele é uma função vazia onde diferentes sujeitos podem vir tomar posição e, assim, ocupar esse lugar quando formulam o enunciado” (MACHADO, 1988, p. 168).

Neste caso, os sujeitos colaboradores desta pesquisa foram definidos a partir do lugar de emergência do PEZP, ou seja, a partir do status que possuem na condição de professores alfabetizadores. Eles não são a origem de tal discurso, mas se constituem em sujeitos enunciadores do mesmo.

Definido o sujeito que fala e o seu status, a AAD nos orienta a

[...] descrever também os lugares institucionais [de onde se obtém o discurso desse mesmo sujeito] e onde este encontra sua origem legítima e seu ponto de aplicação (seus objetos específicos e seus instrumentos de verificação) (2000a, p. 58).

E, tais lugares são diversos. Então, a escola, os sindicatos, os órgãos governamentais e não governamentais são lugares que legitimam os discursos dos sujeitos. Compreende-se, ainda, que “os lugares institucionais” não estão restritos ou concentrados em um único local. Isto porque, “[...] todo um feixe de relações se encontra em jogo [...]” (FOUCAULT, 2000a, p. 59).

E, identificados os lugares institucionais,

[...] é preciso somar as posições que o sujeito pode ocupar na rede de informações (no ensino teórico [...]; no sistema da comunicação oral ou da documentação escrita: como emissor e receptor de observações, de relatórios, de dados estatísticos, de proposições teóricas gerais, de projetos ou de decisões) (FOUCAULT, 2000a, p. 59).

Vamos constatar que os sujeitos ocupam diversas posições. Eles não estão circunscritos apenas a um único status. Há, portanto, um feixe ou um nó de relações, uma vez que as coisas ditas não se encontram soltas, dissociadas ou mesmo desarticuladas, vindo, portanto, a formar conceitos para serem analisados e desvelados.

Portanto, além das fontes documentais, realizamos 9 (nove) entrevistas semi- estruturadas, com professores alfabetizadores (atuais e antigos) do projeto e aplicamos questionários, com perguntas abertas a 2 (duas) coordenadoras pedagógicas, sendo uma atual e uma ex. A opção por esse procedimento objetivou reunir informações sobre a prática discursiva do PEZP para a formação de professores alfabetizadores e analisar sua repercussão no processo de formação inicial de licenciados de diferentes cursos da UFPB, para atuarem nesta modalidade de educação, além de ter possibilitado confirmar os enunciados presentes nos discursos identificados no corpus documental.

As entrevistas foram agendadas previamente, através de contato por telefone móvel entre o entrevistador e os entrevistados. Neste caso, recebemos, de uma das coordenadoras pedagógicas do projeto, uma lista com os números de telefones celulares dos professores alfabetizadores atuantes em 2010. O critério de seleção dos sujeitos entrevistados levou em consideração a disponibilidade dos mesmos em querer participar deste processo, como também o fato de estarem em efetivo exercício no PEZP durante esta pesquisa. Assim, do total de 15 (quinze) alfabetizadores de 2010, 5 (cinco) foram entrevistados, sendo dois deles com mais de um ano letivo de atuação no PEZP.

O local das entrevistas variou conforme a disponibilidade de data e horário dos sujeitos participantes. Assim, das nove entrevistas realizadas, duas aconteceram nas residências dos entrevistados, uma, na sala de aula do CCHLA da UFPB, e seis, na sala da coordenação pedagógica do Projeto Escola Zé Peão, situada no Centro de Educação da UFPB. As entrevistas foram gravadas a partir de um aparelho MP4, foram posteriormente, transcritas, pelo próprio pesquisador, e enviadas, em anexo, para o e-mail dos entrevistados, para que eles tivessem acesso ao conteúdo de suas falas e pudessem, caso desejassem, complementá-las e/ou abreviá-las. Nenhum dos entrevistados acrescentou e/ou optou fazer cortes do conteúdo de suas falas.

E, para aqueles que já passaram pelo projeto (os ex-alfabetizadores), estabeleceram-se os seguintes critérios:

a) ter no mínimo dois anos letivos de atividade na condição de alfabetizador(a) no período de 1991 a 2009;

b) estar atuando na EJA ou, sendo egresso do projeto, ter produzido algo neste campo de educação.

Dessa forma, convidamos, por meio dos endereços eletrônicos, 4 (quatro) ex- professoras alfabetizadoras do Projeto Escola Zé Peão, para nos concederem entrevistas. O critério de acesso a estes sujeitos privilegiou a facilidade de contato, uma vez que eles mantêm contato com o pesquisador por meio de espaços comuns de atuação, a exemplo dos encontros do Fórum de Educação de Jovens e Adultos do estado da Paraíba.

Todos os entrevistados assinaram, em duas vias, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICE C), elaborado pelo pesquisador em respeito a questões éticas que envolvem pesquisas com seres humanos, especialmente os seus discursos e falas. Também tiveram suas identidades preservadas através de um pseudônimo sugerido pelo próprio entrevistado. Além disso, os entrevistados estiveram muitos tranquilos durante a realização das entrevistas e demonstraram o desejo de contribuir com a pesquisa.

Quanto à realização de entrevistas com membros da equipe de coordenação pedagógica do PEZP, fez-se o preenchimento de questionário, os quais foram enviados para os e-mails de dois atuais coordenadores pedagógicos e de duas ex-coordenadoras, e por elas reenviados para o e-mail do pesquisador. Apenas uma das coordenadoras atuais (Ametista) e uma das coordenadoras antigas (Isabelita) devolveram os instrumentos respondidos, no prazo estipulado. A opção pela coleta de dados, através do questionário com perguntas abertas para os coordenadores pedagógicos, deu-se em virtude do tempo de que estas não dispunham, na época da pesquisa, para realizar entrevistas, optando em contribuir a partir do preenchimento deste instrumento.

Da mesma forma que os entrevistados, as coordenadoras pedagógicas questionadas sugeriram um nome fictício para que suas identidades fossem preservadas, e o critério de seleção deu-se do seguinte modo: tanto para os atuais como para os antigos, ter, no mínimo, dois anos letivos de atuação no PEZP na condição de membro da coordenação pedagógica.

No Quadro 13 traçamos o perfil de todos os sujeitos entrevistados, por ordem de sequência das entrevistas e, no Quadro 14, o perfil dos membros da equipe de coordenação pedagógica questionados.

Quadro 13 – Caracterização do perfil dos sujeitos entrevistados

Sujeitos Idade Formação/IES Local, data e hora da

entrevista

Tempo de experiência no PEZP (Por ano letivo)

Alfabetizador(a) Coordenador(a) Pedagógica Renato 26 anos Pedagogia/UFPB (60 período) Sala da coordenação pedagógica do PEZP no dia 27/10 às 11 horas 1 ano letivo (2010) __ Maria 25 anos Pedagogia/UFPB (graduada) Sala da coordenação pedagógica do PEZP no dia 27/10 às 15 horas 3 anos letivos (2007, 2008 e 2009) __ Noemi 23 anos Pedagogia/UFPB (graduada) Sala da coordenação pedagógica do PEZP no dia 28/10 às 10 horas 3 anos letivos (2007, 2008 e 2010) __ Soraya 24 anos Pedagogia/UFPB (50 período) Sala da coordenação pedagógica do PEZP no dia 28/10 às 16 horas 2 anos letivos (2008 e 2010) __ Flor 36 anos Pedagoga e Mestre em Educação pela UFPB Sala de aula do CCHLA/UFPB no dia 28/10 às 18 horas 4 anos letivos (1999, 2000, 2001 e 2002) __ Humberto 33 anos História/UFPB (último período) Sala da coordenação pedagógica do PEZP no dia 29/10 às 15 horas 2 anos letivos (2009 e 2010) __ Elisângela 39 anos Pedagoga, Professora da UEPB, Mestra em Educação pela UFPB Residência no dia 04/11 às 15 horas 3 anos letivos (1993, 1994 e 1995) 7 anos letivos (1996 a 2002)

Mariana 20 anos Pedagogia/UFPB (60 período) Sala da coordenação pedagógica do PEZP no dia 05/11 às 9 horas e 30 minutos 1 ano letivo (2010) Beatriz 34 anos Pedagoga e Mestranda em Educação pela UFPB

Residência no dia 06/11 às 15 horas 3 anos letivos (1998, 1999 e 2000) 3 anos letivos (2004 a 2006)

Quadro 14 – Caracterização dos sujeitos respondentes do questionário

Sujeitos Data de entrega do questionário

Idade Formação Tempo de experiência no PEZP

(Por ano letivo)

Graduação Pós-Graduação Alfabetizador(a) Coordenador(a) Pedagógica Isabelita 16/11/2010 45 anos Pedagogia Mestranda em Educação 2 anos letivos (1991 a 1992) 3 anos letivos (1994 a 1997) Ametista 23/11/2010 51 anos Lic. em História Especialização em EJA e a Diversidade/UNB 1 ano letivo (1995) 15 anos letivos (desde 1996)

As informações contidas nos quadros 13 e 14 expressam o lugar de onde falam os sujeitos, bem como a sua condição de sujeito enunciador, ou seja, a condição daquele que é autorizado a proferir um dado discurso.

Por fim, esclarecemos que tanto as entrevistas semi-estruturadas, como a aplicação de questionário, tiveram por meta restituir a percepção dos sujeitos em relação a algumas questões apresentadas nos documentos analisados, e as respostas obtidas foram imprescindíveis para compreendermos a problemática desta pesquisa e consolidar esta tese.

4.1.2 A perspectiva foucaultiana da Análise Arqueológica do Discurso: categorias,