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2 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E A FORMAÇÃO DE

2.5 O DISCURSO DA FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR DA EJA

2.5.3 O diálogo como princípio educativo da EJA e da formação de

No trajeto de análise desenvolvida até o momento, identificamos a categoria diálogo como um dos principais dispositivos pedagógicos, tanto para a formação do professor da EJA como para o processo educativo de cunho emancipatório e libertador dos seus educandos. Em Pedagogia do Oprimido e em Pedagogia da Autonomia, entre outras obras, Freire (2002a, 2005) chama a atenção para o diálogo como elemento primordial para o processo educativo de cunho emancipatório e como prática de liberdade. Conforme enuncia Zitkoski (2008, p. 130),

A proposta de uma educação humanista-libertadora em Freire tem no

diálogo/dialogicidade uma das categorias centrais de um projeto pedagógico

crítico, mas propositivo e esperançoso em relação a nosso futuro [...]. O diálogo é a força que impulsiona o pensar crítico-problematizadora em relação à condição humana no mundo. Através do diálogo podemos dizer o

mundo segundo nosso modo de ver. Além disso, o diálogo implica uma práxis social, que é o compromisso entre a palavra dita e nossa ação

humanizadora.

O diálogo é basilar no pensamento educacional freireano. Em seu discurso, identificam-se os enunciados que concebem o diálogo condicionado ao “[...] profundo amor ao mundo e aos homens” (FREIRE, 2002a, p. 79). Sob a inspiração do discurso cristão- marxista, o filósofo nos leva a compreensão do diálogo como um ato de amor pelos oprimidos e por seu processo de libertação. Logo, não se confunde com um amor puramente ingênuo, mas um amor político, compromissado com mudança. “Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com sua causa” (ibidem, p. 80). O diálogo, sob esta perspectiva, se configura numa ação de humildade que respeita os saberes do outro. O diálogo nos coloca em condição de igualdade humana, independentemente das classes sociais que este outro ocupa. Reforça Freire (ibidem, p. 81):

A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade ou a perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de

encontros, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos; há homens que, em comunhão, buscam saber mais.

O diálogo, para Paulo Freire, é também a “fé na possibilidade de poder fazer e de refazer, criar e recriar”, de tornar este mundo mais justo a partir da ação do homem. Desse modo, o diálogo humaniza os seres humanos, pois na ação dialógica o resultado é o consenso, o acordo; é o ouvir/escutar o outro. No entanto, não se pode negar que o diálogo, no mundo atual, ocorre no contexto das relações de força, de poder e de interesses. Mas, tais forças não podem desejar sobrepor-se a outras, pois sua satisfação se realiza no consenso, na construção entre os homens. A e B resolvem acordar sobre algo que os incomodam, ou como diria Freire, algo que os mediatizam. Para isto ocorrer, pode haver mudanças de postura, de pensamento, como há, igualmente, respeito mútuo.

O diálogo, como categoria norteadora da formação de professores de EJA, se constitui em relações de força, de poder, não no sentido da negatividade apenas (opressor versus oprimido), mas em sua positividade, isto é, no sentido de que o poder circula entre todos que interagem socialmente, tanto nas relações macrossociais como nas microrrelações48. No sentido de que se pode travar embates e, nas contradições, se possa crescer, emancipar-se, ser mais”. O diálogo, na análise de Gohn (2002, p. 54), é concebido “[...] como um jogo de forças, em conflito e em acomodação, confrontação e acordo”.

O diálogo, portanto, torna-se um dispositivo onde não existem vitoriosos nem derrotados. Neste jogo, a regra é que todos saiam acordados, emancipados, mais maduros ao decidir; com a sensação de que estão crescendo como humanos. O diálogo, portanto, é uma peculiaridade humana, ou seja, é uma de nossas fortes características que nos separa dos demais animais. Na ausência do diálogo, o que prevalece é a força, a imposição sobre algo ou sobre as pessoas. A formação do professor para a EJA não pode se privar do fomento ao diálogo, e nem a prática pedagógica cotidiana da escola e da sala de aula podem estar distantes do dispositivo do diálogo. Reforçando esta teia discursiva, Ribeiro (1999, p. 193), compartilha do seguinte entendimento: “[...] a valorização do diálogo como princípio

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É interessante resgatar o que Foucault (2008, p. 183) entende por poder: “[...] não se pode tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras; mas ter bem presente que o poder – desde que não seja considerado de muito longe – não é algo que se possa dividir entre aqueles que possuem e o detêm exclusivamente e aqueles que não o possuem e lhe são submetidos. O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação”. Por conseguinte, podemos inferir que todos possuem poder, independentemente de sua condição social. O poder circula tanto nas microrrelações como nas macrorrelações do corpo social; “o poder passa através do indivíduo que ele constitui” (ibidem, p. 184).

educativo, com a decorrente assimilação da noção de reciprocidade na relação professor- aluno, constitui-se pilar importante da formação do educador de jovens e adultos”. No Diagrama 1 sintetizamos o que entendemos sobre o diálogo.

Deste modo, o diálogo assume sua complexidade ao mesmo tempo em que se torna dispositivo de embate de forças para convencimento (perspectiva antidialógica, diria Freire), como também assume sua dimensão libertadora, no sentido da construção crítica sobre uma dada realidade, da interação entre homens em condição de iguais.

Diagrama 1 – Diálogo e suas relações. Inspirado em Freire (2005, p. 135-140)

Estes, portanto, são alguns dos enunciados presentes nos discursos pela formação de professores de EJA no Brasil. Não representam a totalidade dos mesmos, pois os enunciados são inúmeros. Nosso intuito foi identificar aqueles mais expressivos e que compõem certa regularidade enunciativa entre os lugares discursivos analisados: governamental/estatal e o acadêmico. Assim, a partir do que evidenciamos nos discursos referentes à EJA e à formação de professores, obtivemos um quadro conceitual acerca do objeto em foco. O mesmo possui limites históricos. Logo, se observaram enunciados desde a década de 1930, e encontraram-se alguns achados que respondem por parte da situação político-formativo da EJA atual.

Dentre os achados, a constatação de que os estados e os municípios são os responsáveis pela formação continuada dos professores de EJA; que a formação oferecida nos

cursos de licenciaturas das universidades e faculdades de formação de professores é generalista, e que o educando da EJA se constitui no fio condutor para tal formação. Resta-nos saber sob que paradigma este educando é concebido pelos sujeitos enunciadores. Há também uma forte presença da responsabilidade social, atribuída aos professores da EJA, inclusive, destacando que sua formação, com qualidade, pode contribuir para minimizar a evasão na EJA e melhorar a qualidade do ensino. Tal fenômeno possui como parte da responsabilidade a questão da formação inadequada de professores, sem se ocultar a responsabilidade do Estado no fomento de políticas públicas e dos Centros formadores de estarem antenados com a realidade dos educandos desta modalidade e com ela dialogar.

Ainda, a relação entre a EJA e a Educação Popular vem se construindo, historicamente, como um campo possível para reconfiguração e mudança de todo um sistema de ensino, através de uma proposta político-pedagógico específica.

No Quadro 7, apresentamos uma síntese dos enunciados presentes nos discursos pela formação, inicial e continuada, de professores para a EJA, segundo o que apresentamos e analisamos neste capítulo.

Quadro 7 – Quadro-síntese dos enunciados presentes nos discursos pela formação de educadores para a EJA

Enunciados pela formação inicial e continuada do professor para a EJA no

lugar de emergência do discurso governamental e

acadêmico

 Ministério da Educação (MEC); Conselho Nacional de Educação (CNE); Instituições acadêmicas da área educacional; Formação em cursos de licenciaturas de nível superior e aceitação da formação em nível médio na modalidade normal; Legislação educacional vigente como referência para os quadros extraescolares poderem se qualificar e elevar seu nível de escolarização para atuar na EJA;  Competências manifestas nas dimensões: técnica, política e pedagógica para o

exercício do magistério na EJA; Superação da concepção de que EJA está limitada à alfabetização e as primeiras séries iniciais do ensino fundamental;  Relação entre a formação inicial e a melhoria da qualidade do ensino na EJA;  Formação que garanta profissionais do magistério mais qualificados e antenados

com os projetos específicos para a EJA; Formação em sintonia com as necessidades educativas dos alunos; Políticas e medidas que objetivem melhorar a formação inicial e a introdução de métodos inovadores de ensino e aprendizagem; Formação que habilite o educador a desenvolver sua tarefa na modalidade EJA à distância; Aperfeiçoamento profissional para a EJA; Reflexão sobre a prática educativa com vistas à mudança e a melhoria da qualidade do ensino e do atendimento; Formação alicerçada na prática pedagógica concreta do docente da EJA; Articulação entre teoria e prática; Reforço da identidade singular da EJA, fundamentada em sua história, lutas e conquistas; O educando da EJA como fio condutor da formação; O educando jovem e adulto e o seu direito à educação e a formação de professores; O diálogo como princípio educativo da EJA e da formação de seus professores.

Homogeneidade enunciativa:

a especificidade do educando da EJA como fio

condutor da formação de professores.

 Pedagogia freireana; Humanização dos sujeitos educandos; Educação libertadora;  Formação vinculada à realidade socioeconômicas dos educandos; EJA como

direito à educação; Formação para a cidadania; “Valorização das trajetórias de vida dos educandos da EJA”; “Valorização do saber dos educandos da EJA”; Articulação entre os saberes populares e os saberes escolares.

Estes enunciados, portanto, revelam os principais enunciados propagados nos lugares de emergência dos discursos em questão e, ainda, sua homogeneidade enunciativa, especialmente, com o campo da Educação Popular, a partir das lentes e categorias freireanas. Sendo assim, no capítulo seguinte, trataremos de discutir os discursos pela refundamentação e vigência da EP, e sua contribuição para o objeto de pesquisa em foco nesta tese.

3 OS DISCURSOS PELA REFUNDAMENTAÇÃO E VIGÊNCIA DA EDUCAÇÃO