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2 A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E A FORMAÇÃO DE

2.5 O DISCURSO DA FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFESSOR DA EJA

2.5.2 O educando jovem e adulto, o seu direito à educação e a professores

Arroyo (2005), Cury (2000)45, Ribeiro (1999), entre outros pesquisadores da EJA, compartilham do mesmo discurso pelo qual a entendem como direito à educação, isto é, como uma oportunidade cidadã para os milhões de jovens e adultos que não lograram êxito no período do ensino fundamental obrigatório por motivos diversos e, agora, acorrem aos bancos escolares para exercer este direito e a sua cidadania. Este discurso também é ratificado pela UNESCO, através das Conferências Internacionais de Educação de Adultos (CONFINTEA‟s). Há, portanto, a necessidade de se alargar o olhar sobre os educandos da EJA. Observá-los na “pluralidade de direitos”, reconhecendo-os como “sujeitos dos direitos humanos”. Esta formação discursiva direciona a questão presente no campo da formação de professores para esta modalidade de educação, ou seja, formação adequada para os que atuam ou irão atuar na EJA, a qual atenta para a especificidade do educando (RIBEIRO, 1999). Ainda conforme esse mesmo sujeito enunciador,

A educação de jovens e adultos avançaria também na definição de um campo específico de prática e reflexão pedagógica, superando o paradigma da educação compensatória em prol de uma visão mais prospectiva, que articule a educação básica e a educação continuada como direitos de todos (RIBEIRO, 1999, p. 189-190).

Assim sendo, a EJA passaria a ser considerada, de fato, como uma política pública de acesso à educação para “todos”, não apenas como um “todos” abstrato, mas como “sujeitos concretos”, reconhecidos nas ações públicas de Estado ou como uma responsabilidade pública e política afirmativa (ARROYO, 2005). Nesse sentido, o direito à educação não pode estar

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Cury é o relator do Parecer CEB 11/2000, aprovado pela Câmara de Educação Básica, em 10/05/2000, e que defende a EJA como direito subjetivo, ou seja: “Direito público subjetivo é aquele pelo qual o titular de um direito pode exigir imediatamente o cumprimento de um dever e de uma obrigação. Trata-se de um direito positivado, constitucionalizado e dotado de efetividade. O titular deste direito é qualquer pessoa de qualquer faixa etária que não tenha tido acesso à escolaridade obrigatória. Por isso é um direito subjetivo, ou seja, ser titular de alguma prerrogativa é algo que é próprio deste indivíduo” (PARECER CEB, 11/2000, p. 60).

limitado, como política pública, apenas ao período dos 7 aos 14 anos. No final da década de 1990, a partir do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF)46, o estado responsabilizou-se apenas com ações (traduzidas por políticas públicas) para este nível de ensino, deixando, à margem, entre outras modalidades da educação, a EJA. Prova disso está no acontecido na Conferência Preparatória Regional da América Latina e Caribe para a V CONFINTEA, realizada em Brasília, em janeiro de 1997, conforme afirma Silva (2005, p. 47). O ponto de destaque, nesse encontro, para os representantes brasileiros e a Comissão Nacional de Educação de Jovens e Adultos (CNEJA), foi a apresentação de documento pelo MEC, o qual desprezou as conclusões e proposições do Relatório do Encontro Nacional Preparatório em relação à V CONFINTEA (encontro realizado em Natal, em setembro de 1996), fruto de uma tentativa de democratização da discussão em torno da EJA, entre o poder governamental e a sociedade civil.

Neste novo Relatório, o MEC explicita que a política educacional teria como foco a garantia do acesso ao ensino fundamental para todas as crianças em faixa etária escolar obrigatória, uma vez que, ainda, segundo o MEC, a repetência e a evasão escolar neste nível de ensino alimentam a geração de demanda para a Educação de Jovens e Adultos. Daí, portanto, a prioridade da política pública no ensino fundamental obrigatório.

Arroyo, um crítico da política educacional no período FHC (1994-2002), é enfático em defender essa modalidade como direito para o grande contingente de seres humanos jovens e adultos, despida, portanto, de preconceitos para com estes mesmos educandos, como fica evidente no seguinte discurso:

Essa mudança de olhar sobre os jovens e adultos será uma precondição para sairmos de uma lógica que perdura no equacionamento da EJA. Urge ver mais do que alunos ou ex-alunos em trajetórias escolares. Vê-los jovens- adultos em suas trajetórias humanas. Superar a dificuldade de reconhecer que, além de alunos ou jovens evadidos ou excluídos da escola, antes do que portadores de trajetórias escolares truncadas, eles e elas carregam trajetórias perversas de exclusão social, vivenciam trajetórias de negação dos direitos mais básicos à vida, ao afeto, à alimentação, à moradia, ao trabalho e à sobrevivência. Negação até do direito de ser jovem. As trajetórias escolares truncadas se tornam mais perversas porque se misturam com essas trajetórias humanas. Se reforçam mutuamente. A EJA como política pública adquire

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O FUNDEF foi instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei n.º 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997. O FUNDEF foi implantado, nacionalmente, em 1º de janeiro de 1998, quando passou a vigorar a nova sistemática de redistribuição dos recursos destinados ao Ensino Fundamental. Disponível em: <http://mecsrv04.mec.gov.br/sef/fundef/funf.shtm>. Acesso em: 18 out. 2008.

uma nova configuração quando equacionada na abrangência das políticas públicas [...] (ARROYO, 2005, p. 24).

A EJA sofreu e sofre, ainda, com a posição marginal que ocupa nas políticas públicas, traduzidas por ações emergenciais, descontinuas e descompromissadas47. Logo, resgatando sua história, a EJA tem vivenciado ações traduzidas por “programas” e “campanhas” que mudam de nome a cada nova gestão pública, sejam estaduais, municipais e federal. A luta histórica do movimento pela educação de adultos é pela implementação de políticas públicas de estado. No entanto, há de se superar a visão, historicamente herdada, de EJA como educação suplementar, para garanti-la como “direito”, conforme ressalta Arroyo (2005, p. 28-29):

Teimar em reduzir direitos a favores, à assistência, à suplência, ou a ações emergenciais é ignorar os avanços na construção social dos direitos entre eles à educação de jovens e adultos [...] fala-se muito hoje em parcerias entre a sociedade, seus diversos atores e o Estado, porém as parceiras que contribuirão na configuração da EJA como garantia de direitos e como dever de Estado serão aquelas que situam suas intervenções na legitimação dos direitos dos excluídos, dos setores populares; aqueles atores sociais que superarem visões assistencialistas para com esses setores populares, que os reconhecerem sujeitos coletivos de direitos, na totalidade dos direitos humanos.

Para reforçar a questão do educando jovem e adulto e o seu direito à educação e a formação de professores qualificados, Arroyo (2005) defende, ainda, que se devem levar em consideração as trajetórias sócio-formativas, para não dizer humanas, destes mesmos educandos. Tais trajetórias constituem-se em um norte para as práticas discursivas repensarem a formação (inicial e continuada) do professor para esta modalidade de educação. Isto porque, historicamente, a EJA se enquadra no campo da luta por direito à educação, por trabalhar com educandos que possuem realidades de vida diversas. Assim sendo, a EJA não pode ser concebida fora do mundo concreto dos sujeitos.

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Na história da EJA se observa que, para esta modalidade educativa, foram criados vários programas e campanhas com o propósito de alfabetizar e escolarizar jovens e adultos, tanto do campo como da cidade. Segundo Paiva (2003, p. 203-327), tais programas e campanhas foram as primeiras iniciativas oficiais de âmbito nacional. Dentre elas se destacam: Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), em 1947; a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER), em 1952; Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA), em 1958; a Mobilização Nacional Contra o Analfabetismo (MNCA), em 1963; o Programa de Emergência, em 1963; o Plano Nacional de Alfabetização (PNA), em 1964; o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), em 1967; a Fundação Educar, em 1985; o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC), em 1990; o Programa de Alfabetização Solidária (PAS), em 1996; o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), desde 2003. Todas essas campanhas e programas foram assumidos pelo governo federal, em distintas gestões, denotando que a política para a EJA, nos últimos 60 anos, não tem conseguido superar uma condição de política emergencial e descontínua.

Arroyo (ibidem) apresenta seis traços históricos, os quais vêm caracterizando esta educação, ao longo de todo o seu percurso. O primeiro deles tem a ver com a “valorização das trajetórias de vida dos educandos”. Neste caso, entendemos que os sujeitos educandos da Educação de Jovens e Adultos são protagonistas do seu próprio processo educativo. Este princípio deve nortear o processo de formação de professores, com vistas à compreensão de que os educandos da EJA não são atores coadjuvantes, mas atuantes e decisivos para traçar metas, didáticas, conteúdos, bem como a própria formação de professores. Portanto, a trajetória de vida dos discentes da EJA é a bússola que orienta o processo de sua construção/reconstrução como direito subjetivo e como indicativo do processo formativo de professores.

Para tanto, há a necessidade de se reorganizar o sistema de ensino para que se possa instituir a EJA, levando em consideração sua especificidade, a partir do perfil apresentado por seus educandos.

Para isto acontecer, reforça o sobredito autor, o sistema precisa dialogar com as experiências de EJA, com o propósito de promover uma renovação ou reorientação para que possa ser democrático e público. Tal renovação/reorganização se expressa por meio, dentre outros, da reformulação dos tempos e dos espaços escolares e da sua didática, formas de gestão e reorientação do princípio político-pedagógico da escola. Além disso, a formação de professores para atuar nesta modalidade constitui-se em um dos elementos essenciais para esta renovação/reorganização da EJA, uma vez que os professores são sujeitos igualmente importantes, porque são eles que irão conduzir o processo educativo para este contingente educacional.

O segundo traço histórico descrito tem a ver com o “saber popular” construído pelos sujeitos da EJA, a partir de suas trajetórias de vida. “Uma proposta pedagógica de EJA deverá dialogar com esses saberes” (ARROYO, ibidem, p. 35). Nesse sentido, também uma proposta de formação de professores, para esta modalidade de ensino, deverá exigir, como um de seus princípios formativos, partir dos saberes populares para chegar ao saber sistematizado.

A valorização do saber popular, como norte da formação do professor, é discurso recorrente na perspectiva da Educação Popular. A proposição de Freire a este respeito é que os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam à escola, devem não só ser respeitados na prática pedagógica do professor, como igualmente “discutidos com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos” (FREIRE, 2005, p. 30).

O terceiro traço histórico da EJA é o seu reconhecimento como um campo rico da inovação da “teoria pedagógica”. “EJA tem sido um campo de interrogação do pensamento pedagógico [a partir da percepção da] especificidade das trajetórias dos jovens-adultos” (ARROYO, 2005, p. 36). Dentre as tantas interrogações, destaca-se a rejeição às práticas pedagógicas que têm transferido os procedimentos aplicados às crianças para os jovens e os adultos. A ação de transferência se reflete no tipo de recursos didáticos utilizados de modo insatisfatório, impróprio ou mal adaptados para o perfil de educandos, no linguajar infantilizado do professor, num mobiliário inadequado da sala de aula e numa metodologia de ensino pedagogicamente desajustada. A este respeito, estudos sobre a inadequação de ações pedagógicas para a EJA, no campo discursivo da Educação Matemática, constatou o seguinte fato:

Constrangimentos, perda da referência ou desinteresse manifestos ou mal- disfarçados pelos alunos [da EJA] refletem a inadequação dos procedimentos didáticos e das posturas pedagógicas que daí decorrem e redundam no afastamento (real ou atitudinal) do aluno dos palcos em que se desenvolvem as cenas do ensino-aprendizagem escolar (FONSECA, 2002, p. 34).

A peculiaridade da EJA contribui para que se possa inovar com os educandos em sala de aula e na escola, não se limitando às circunstâncias adversas. Contudo, as diversas e variadas experiências de EJA no país, originárias dos movimentos sociais, têm procurado construir suas práticas pedagógicas de modo que sua especificidade seja preservada. A maioria destas experiências não se enquadra no modelo do sistema escolar oficial, ou seja, na forma linear do pensar e do fazer pedagógico. Em outras palavras, na lógica da razão instrumental, muito presente na organização do nosso sistema escolar. Portanto, pensar a EJA como um campo rico da inovação da teoria pedagógica implica também pensar como ela pode contribuir para a formação de professores para esta modalidade de educação.

O quarto traço apresentado dá ênfase à questão do termo “educação” em contraposição ao termo “ensino”. Segundo o próprio autor,

As trajetórias de jovens e adultos recolocam uma questão que está na raiz da pedagogia: a educabilidade humana. As trajetórias de jovens e adultos populares estranham a docência porque não cabem nas crenças na linearidade dos processos de aprendizagem, mas também porque essas trajetórias quebram outra crença da pedagogia: a bondade, inocência, educabilidade com que tem sido imaginada a infância que a pedagogia aprendeu a acompanhar e a ensinar. Como manter essas ingênuas crenças na educabilidade espontânea humana diante de trajetórias de jovens e adultos que revelam a banalização do mal não tanto nas suas condutas de alunos(as),

mas na sociedade que os mantém nos limites das possibilidades de humanização? (ARROYO, 2005, p. 37).

Nesse sentido, o autor reforça sua tese de que a EJA precisa caminhar no processo educativo que lhe é peculiar e, desse modo, romper com aquelas perspectivas, as quais entendem a educação como circunscrita apenas ao ensino (transmissão de conhecimentos, imposição de saber, etc.). Os jovens e os adultos possuem trajetórias de vida; passaram por um processo de educação (escolar ou não) e, ainda, continuam nele. A escola que assume a EJA precisa entender essas peculiaridades, para poder ampliar sua ação, para dialogar com as histórias de vida dos educandos, articulando-as ao ensino (métodos, técnicas, avaliação da aprendizagem, currículos etc.), para entender a EJA como educação no sentido da “[...] formação do povo, não apenas ensino” (ARROYO, ibidem, p. 38).

Educação, portanto, é algo muito mais amplo do que simplesmente ensino, pois “[...] não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo” (FREIRE, 2002a, p. 67). Há, então, no processo de educação, o dispositivo pelo qual tal fenômeno somente ocorre quando o sujeito do processo a ele se predispõe. Logo, educar não é transferir algo para alguém, é uma decisão intrínseca ao sujeito, de se abrir para. Isso é primordial para que os professores tenham consciência e, assim, possam reorganizar suas ações pedagógicas. Outrossim, o processo formativo de professores não poderá deixar de considerar todos estes elementos, uma vez que eles são importantes para a construção deste perfil de professor voltado à EJA.

O quinto traço evoca a tensa relação entre os “saberes populares com os saberes escolares”. Assim, os conhecimentos dos educandos da EJA são indicadores para quem intenciona formar professores para esta modalidade de educação, uma vez que irá requerer uma dada formação alicerçada no trabalho pedagógico escolar diferente, criativo, que respeite e considere as especificidades desta modalidade educativa. A formação do professor, portanto, levaria em consideração as experiências de vida dos sujeitos da EJA e, desse modo, a superação da concepção da formação do professor ensinante, para construção do perfil de professor que aprende, constrói, questiona, motiva e supera a prática rotineira, mecânica do seu ato pedagógico. Ou, como nos diz Freire (2002a, passim), de superação da concepção “bancária de educação”. Ou ainda, como concebe Schön (2007), da formação do professor reflexivo da sua prática.

Eis, por conseguinte, um dos desafios da formação de professores para a EJA: articular nesse processo o diálogo entre os saberes populares com os saberes escolares. Esta seja, talvez, uma postura política e filosófica que deve ser assumida pelas propostas pedagógicas dos cursos de formação de professores, sobretudo se estes cursos assumem o paradigma da Educação Popular como norte de suas propostas políticos-pedagógicos.

Por fim, o sexto traço histórico que contribui para a reconfiguração da EJA: “fazer a interpretação política das intricadas trajetórias dos setores populares” (ibidem, p. 40). A este propósito, Arroyo argumenta que não é preciso reforçar o discurso do preconceito, o qual revela enunciados que concebem os jovens e os adultos populares “[...] como pobres, preguiçosos ou violentos, ou como reprovados e defasados” (ibidem). Isso não é uma visão crítico-política das histórias de vida dos educandos. Pelo contrário, esta visão reforça o discurso que impõe a subserviência destes jovens e adultos que se encontram desprovidos de uma condição de sobrevivência humana mais justa, tal condição não ajudando, assim, em seu processo emancipatório. Portanto, a interpretação política significa compreender os dispositivos sociais do poder pelos quais certo contingente da população é submetido às condições de injustiças e exclusões sociais diversas (econômicas, étnicas, de gênero, sexual etc.).

Oportunamente, reforço esta reflexão a partir de dois ícones da EJA, na perspectiva da Educação Popular no Estado da Paraíba, os quais possuem a seguinte compreensão acerca da finalidade educacional no campo da EJA:

[...] definimos a finalidade política concreta e explícita da nossa educação como transformadora e libertadora em atendimento aos interesses e anseios dos nossos alunos. É uma prática engajada a serviço dos explorados e excluídos, a fim de contribuir na luta pela sua humanização e libertação; uma instância crítica como suporte à mobilização e organização da sociedade, a fim de que assumam seu papel histórico como agentes transformadores da sociedade e, consequentemente, da definição de seu próprio destino (POEL; POEL, 2007, p. 78).

Destarte, significa compreender que a EJA, na qualidade de educação, é um ato político como propagava Freire (passim), explicitamente em suas reflexões. O discurso freireano é contundente no que se refere a esta questão. Ele pode ser considerado, portanto, uma instância enunciativa propagadora desta proposição: “a educação como ato político”. Sendo assim, no processo de formação de professores para a EJA, há de se reconhecer que “a educação é uma forma de intervenção no mundo” e, como tal, é ideológica (FREIRE, 2005, p. 98).

Assim, a formação do professor para a EJA não pode estar dissociada dos traços históricos que a identificam como categoria educacional historicamente compromissada com a luta das classes populares. Na teia discursiva desta questão, Joia et al. (1999) levanta três ideias-forças referentes à questão da identidade da educação de jovens e adultos, as quais, sob nossa percepção, reforçam os discursos em favor da formação específica do professor para a EJA: a EJA, enquanto uma ação política, em favor da

[...] promoção da cidadania e da participação dos sujeitos na vida social, econômica e cultural, devendo levar em conta as necessidades (sociais e individuais) desses sujeitos na conformação dos programas e planos de ensino (JOIA et al., 1999, p. 24).

A segunda ideia-força, que entende a EJA em suas especificidades, valorizando, portanto, as necessidades básicas de aprendizagens dos seus educandos: (a) aquelas relativas às exigências e requerimentos do mundo do trabalho; (b) aquelas relativas ao universo familiar; (c) aquelas referidas à participação na comunidade; (d) aquelas que propiciam o acesso aos bens culturais e simbólicos da sociedade (ibidem). E, a terceira ideia-força, que caracteriza a EJA como um campo onde os seus educandos possuem uma carga de saberes prévios, construídos ao longo de sua história de vida.

Esse leque de conteúdos fornece o ponto de partida para o desenvolvimento de habilidades e competências tipicamente escolares, de modo que os processos de ensino devem dar conta da transformação desses modos práticos de funcionamento cognitivo em procedimentos escolares complexos, que viabilizam a generalização das habilidades, o acesso a novos conhecimentos e a novas aprendizagens ao longo da vida (JOIA et al.

ibidem).

Por conseguinte, a formação deste mesmo professor não pode estar abstraída da valorização destes saberes prévios, da especificidade desta modalidade educativa e da dimensão política que caracteriza a EJA em nosso país. Assim, a formação de professores de EJA, em Centros de Educação e em demais cursos de licenciaturas das Universidades públicas e privadas, abertas a todos e, inclusive, às experiências ligadas aos movimentos sociais populares, tem em seu discurso a herança da Educação Popular e o compromisso com os anseios e interesses das classes populares. Em outros termos, uma formação (inicial e continuada) capaz de gerar e capacitar professores críticos, progressistas, cujas práticas didático-pedagógicas caminhem com essa intenção, segundo os preceitos da ética. Não de qualquer ética, mas conforme aquela preconizada por Freire (2005, p. 15-16), ou seja: “[...]