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FUNÇÃO SOCIAL (“SOCIOAMBIENTAL”) 316 1 O contexto da ruptura: o antes e o depois da chegada da

1. A genealogia da Arqueogenealogia a partir de Foucault

2.6. A emergência da Genealogia.

Essa tensão entre o discursivo e o não discursivo, ou mesmo a relação entre discursivos distintos (ou seja, o interdiscurso), tornou insuficiente a noção de episteme como elemento de descrição e análise, pois ela se limita a explicar o funcionamento dos discursos no âmbito de

138 Castro (2016 [2004], p. 337-338) afirma que as práticas, no pensamento de Foucault, apresentariam três características elementares: 1) homogeneidade, que se relaciona à ideia de racionalidade e regularidade na produção de enunciados; 2) a sistematicidade, que tem a ver com fato de o eixo do saber e relacionar com o poder e com a ática; e, finalmente, 3) a generalidade, que confere às práticas um caráter recorrente, relacionado com determinada configuração histórica.

139 Essa relação da produção do conhecimento (elemento discursivo) com as condições socio-históricas (elementos não discursivos) já era anunciada desde a “fase” arqueológica, especialmente em História da Loucura (1963), que Machado (2007, pp. 1410-1411) qualifica como “o livro arqueológico de Foucault mais próximo das pesquisas que realizará com o nome de ‘genealogia do poder’”.

105 uma mesma formação discursiva. Para complementar, então, seus instrumentos de análise e viabilizar a investigação do modo como os discursos irrompem como acontecimentos, Foucault acresceu à sua “caixa” uma nova ferramenta, desenvolvendo, assim, uma outra noção: o dispositivo.

Dispositivo

Foucault (2015 [1977], p. 367) explicou que a noção de dispositivo não coincide com a de episteme. Segundo ele, esta é mais restrita, já que corresponderia a um dispositivo especificamente discursivo. O dispositivo propriamente dito, de outro modo, seria muito mais abrangente, compreendendo, além da própria noção de episteme, os elementos não discursivos (FOUCAULT, 2015 [1977], p. 367).

Ele define, então, dispositivo140 como (FOUCAULT, 2015 [1977], p. 364):

140 O bom exemplo de dispositivo e que bem evidencia a noção de funcionamento em rede se extrai dos filmes Tropa de Elite 1 e 2, de José Padilha. Alerto aos leitores que esta nota contém spoilers dos filmes em questão. Feita a necessária advertência, no início filme Tropa de Elite 2 (2010), o Tenente Coronel Nascimento, personagem protagonizado pelo ator Wagner Moura, é convocado para intermediar negociações com detentos rebelados em um estabelecimento prisional. O desfecho do episódio não se deu exatamente como desejado por Nascimento, pois a rebelião termina com a morte de um dos presos custodiados. Seus superiores, então, cogitam a possibilidade de punição, mas a pressão da opinião pública (de parte dela, para ser mais preciso) fez com que o destino de Nascimento pusesse em questão a lei da gravidade: Nascimento cai, mas cai para cima. Ele perde o comando do BOPE, o Batalhão de Operações Especiais, mas é alçado ao patamar de Subsecretário de Inteligência do estado do Rio de Janeiro. Sua atuação contra o crime é reatualizada. Em vez de andar de “Caveirão”, Nascimento sobrevoa de helicóptero as comunidades da Cidade Maravilhosa. No lugar do “saco” (do Tropa 1), ele agora obtém informações a partir da interceptação e do monitoramento de dados telefônicos e telemáticos (popularmente conhecidos como “grampos”). Os novos instrumentos de combate têm uma razão de ser: “O inimigo agora é outro”: eis o subtítulo do filme, já que Nascimento agora se ocupa em combater os “milicianos”, policiais corruptos que estabeleceram um estado paralelo nas comunidades cariocas, mas que, eventualmente, recebem homenagens da Assembleia do Rio de Janeiro e têm parentes empregados nos gabinetes de determinados parlamentares ou são vizinhos do Presidente da República. Ocorre que, ao final do filme, Nascimento compreende algo que aquele mesmo subtítulo queria deixar em suspenso, de modo que somente o desenrolar da trama pudesse revelar: “o sistema é foda!” O problema não são os elementos isolados. Não é o “playboy maconheiro”, o “militante social alienado”, traficante “Baiano”, etc. Também não é o policial corrupto “X”, o político “Y” ou “Z”. “Na verdade”, todos esses elementos são apenas os lugares (singulares) onde se identifica a regularidade num sistema de dispersão. Interessante notar que Nascimento, durante boa parte da trama, mostra-se (ou é mostrado como) um idealista, mas, ao mesmo tempo, um idealista demasiadamente ingênuo, pois naturalizou muitos discursos institucionalizados. Num trecho do filme (Tropa 2), com narrativa em primeira pessoa, Nascimento afirma acreditar piamente na possibilidade de eliminar os milicianos e acabar com esse tipo de organização criminosa: “é questão de tempo”, ele afirma ao sobrevoar as “comunidades” do Rio de Janeiro. E aqui conjugo essa afirmação da sequência (Tropa 2) com o que Nascimento, enquanto Capitão, disse no primeiro filme: “Basta usar estratégia”... e de estratégia ele entendia. Rememore-se que, Em Tropa de Elite 1, durante instrução noturna para os alunos do Curso de Operações Especiais do BOPE/RJ, o então Capitão Nascimento ministrou primorosa e poliglota aula sobre o assunto: “(...) O conceito de estratégia, em grego: estratégia; em latim: estrategie; em francês: stratégie. Em inglês: strategy; em alemão: strategie; em italiano: strategia; em espanhol: estrategia (...)).” Voltando a Tropa 2, somente ao final do filme, após e em decorrência de diversas experiências negativas, Nascimento parece compreender, decepcionado, como funciona essa rede, esse “sistema foda”. Ele percebe, então, de nada adiantar eliminar o miliciano “C” ou “D”, pois outro indivíduo tomará a posição daquele sujeito. Tudo isso se disse para

106 (...) um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos.

Dispositivo, destarte, foi a noção que viabilizou a combinação da arqueologia com a genealogia, na medida em que está sempre inscrito num jogo de poder e, também, por estabelecer uma relação de determinação recíproca com as configurações de saber que dele advêm (FOUCAULT, 2015 [1977], p. 367).

2.7. A ordem do discurso: a abordagem genealógica e uma Arqueogenealogia.