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Objetivos geral e específicos.

FUNÇÃO SOCIAL (“SOCIOAMBIENTAL”) 316 1 O contexto da ruptura: o antes e o depois da chegada da

4. Objetivos geral e específicos.

O objetivo geral desta pesquisa, então, é promover uma análise histórica dos terrenos de marinha, determinando as condições de possibilidade e as relações de poder que fizeram acontecer sua existência e configuração jurídica, desde a sua invenção e até o estabelecimento de sua atual função social (“socioambiental”), problematizando a sua existência presente e futura.

20 A expressão entre aspas reproduz trecho do Decreto de 21 de janeiro de 1809, expedido pelo soberano de Portugal, após a chegada da Família Real Portuguesa ao Rio de Janeiro. Por esse ato foi autorizada a concessão, em aforamento ou arrendamento, das “praias da Gamboa e Sacco do Alferes”. A partir de então, inaugurou-se uma nova vocação para aqueles espaços, antes reservados ao uso comum do povo e ao serviço da Coroa.

10 Como objetivos específicos foram estabelecidos os seguintes: a) apresentar os pressupostos da Arqueogenealogia a partir de Foucault e problematizar a noção de função social (“socioambiental”), como aporte metodológico e teórico da análise a ser empreendida; b) apresentar as condições históricas da invenção dos terrenos de marinha; c) analisar genealogicamente a invenção e as transformações dos terrenos de marinha, problematizando sua função social (“socioambiental”) presente.

5. Justificativas.

5.1. Justificativas pessoais (motivação do estudo21).

“A história é subjetiva, pois não se pode negar que a escolha de um assunto para um livro de história seja livre.” (VEYNE, 1982-a, p. 37). Na esteira dessa afirmação, afere-se que o primeiro ensejo para o desenvolvimento de qualquer trabalho é, em regra, de caráter pessoal. Pesquisa-se por se ter interesse pelo objeto da investigação. Ainda que esse interesse tenha sido sugerido ou imposto por outrem, mesmo assim há de se considerar que a adesão ou aceitação importa a incorporação pessoal do interesse pelo objeto da pesquisa. Por essa razão, impõe-se apresentar primeiramente as justificativas de caráter pessoal para realização desta pesquisa, pois o “subjetivo não significa arbitrário” (VEYNE, 1982-a, p. 49).

Entre 1998 e 2003, o autor desta pesquisa foi servidor efetivo da Secretaria do Patrimônio da União, na condição de Técnico de Finanças e Controle. Em parte desse período, exerceu, também, o cargo de assessoramento de Assistente Técnico da Gerência Regional do Rio Grande do Norte, sendo responsável pela análise e orientação, no âmbito daquela unidade, dos aspectos relacionados à aplicação da legislação patrimonial em vigor.

O ingresso naquele órgão se deu durante a vigência da Medida Provisória n.º 1.647/199822, posteriormente convertida na Lei n.º 9.636/1998, que promoveu significativa

alteração da legislação patrimonial, modificando especialmente o Decreto-lei n.º 9.760/1946. As novas diretrizes então estabelecidas priorizavam sobretudo o incremento de receitas patrimoniais, tanto que o objeto da aludida norma era a “regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União”. E nesse conjunto de

21 Item 2.2.1, do Manual de Elaboração para apresentação do projeto de qualificação e tese do PRODEMA. 22 A referida Medida Provisória reeditou e revogou a de número 1.567-13, de 26 de fevereiro de 1998, que teve sua primeira edição em 14 de março de 1997.

11 destinações possíveis aos bens da União, a preferencial estabelecida pela aludida lei era a alienação, conforme se afere da leitura do §1.º, do art. 23, cuja redação é a seguinte:

§1.º A alienação ocorrerá quando não houver interesse público, econômico ou social em manter o imóvel no domínio da União, nem inconveniência quanto à preservação ambiental e à defesa nacional, no desaparecimento do vínculo de propriedade.

Tudo se fazia sob o argumento de que, em atendimento ao princípio constitucional da eficiência, pretendia-se implantar um estilo de administração gerencial.23

Nada obstante essa diretriz de atuação, durante o período em questão (1998-2003), iniciativas isoladas foram desenvolvidas no âmbito de algumas “Delegacias”24, no que se refere

ao controle de ocupações irregulares, sobretudo em áreas de uso comum do povo (praias, manguezais, superfície de águas, etc.). A preocupação com a questão ambiental era difusa, no entanto, como reflexo da questão dominial primordial: a União era proprietária de tais bens e deveria resguardá-los da indevida apropriação por particulares.

Havia, também, ações em parceria com órgãos ambientais, tanto em nível de estados, como nacionalmente. Nesse sentido, o Projeto Orla, desenvolvido pelo Ministério do Meio Ambiente, por meio da Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos, e pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, por meio da Secretaria do Patrimônio da União, foi fruto dessas experiências colaborativas, tendo como escopo “contribuir, em escala nacional, para a aplicação de diretrizes gerais de disciplinamento de uso e ocupação de um espaço que constitui a sustentação natural e econômica da zona costeira, a Orla Marítima.”25

23 Como se verá mais adiante no Capítulo 3, era nítido o alinhamento com as premissas estabelecidas pelo Consenso de Washington, incorporadas no âmbito nacional pelas Lei n.os 8.031/1990 e 9.491/1997, que, respectivamente, cria e altera o Programa Nacional de Desestatização. Nesse sentido, oportuna a transcrição de parte da mensagem de encaminhamento da Medida Provisória (EM n.º 600, de 12 de dezembro de 1996), que deu origem à Lei 9.636/1998. Dizia o seguinte a aludida mensagem: “3. Com este propósito, o Governo vem, de forma corajosa e segura, derrubando barreiras, quebrando tabus, com a adoção de medidas nem sempre populares, mas, sem sombra de dúvida, necessárias à retomada do desenvolvimento do nosso País. 4. Neste contexto, o patrimônio imobiliário da União se apresenta como um extraordinário recurso destinado a apoiar a consolidação do Plano Econômico Nacional, consistindo este projeto de Medida Provisória um forte instrumento para viabilizar a utilização deste recurso. 5. A elaboração do presente projeto foi norteada pelos princípios de racionalização e descentralização, sendo que, neste caso, ressalvadas as atividades típicas de Estado, e resguardados os ditames do interesse público e as conveniências da segurança nacional, buscou-se desobrigar a Administração de tarefas operacionais, recorrendo-se, prioritariamente, à execução indireta, por intermédio dos Estados, Municípios e da iniciativa privada.”

24 Essa era a designação das unidades regionais da SPU em 1998. Posteriormente passaram a ser designadas de gerências regionais e, atualmente, recebem a denominação de superintendências regionais.

25 O autor da presente pesquisa teve a oportunidade de atuar como colaborador, representando a Secretaria do Patrimônio da União na elaboração dos fundamentos teóricos e metodológicos do Projeto Orla. A publicação desses fundamentos, que é o trabalho inaugural do Projeto Orla, pode ser consultada por meio do link

12 A despeito dessas iniciativas, a “ordem do dia”, durante aqueles anos, era privilegiar a destinação de que resultasse o incremento de receitas patrimoniais: alienação de próprios nacionais não entregues à Administração; alienação dos bens da extinta Rede Ferroviária Federal; demarcação, cadastramento e inscrição da ocupação de terrenos de marinha; promoção da inscrição, “em massa”, de devedores na Dívida Ativa da União; etc.

Ao se desligar da SPU em razão da assunção de outro cargo, o que ficou na memória do autor desta pesquisa foram práticas que muito se afinavam à motivação de criação do instituto em 1809: os aspectos econômico e político.

Entre os anos de 2013 e 2015, este autor realizou seu curso de Mestrado em Direito junto a esta Universidade Federal de Sergipe (UFS), elaborando dissertação com o título “O processo de demarcação dos terrenos de marinha: uma releitura em conformidade com a Constituição de 1988”, defendida e aprovada em março de 2015. Embora, naquele trabalho, o objeto tenha sido o processo de demarcação dos terrenos de marinha, a leitura de referências bibliográficas e documentais permitiu aferir uma mudança de panorama na política de destinação, especialmente com o advento da Lei n.º 11.481/2007, que, dentre outras providências, “prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União”. A partir de então, também as políticas de destinação de imóveis da União para empreendimentos de caráter social seriam instrumentalizadas legalmente.

Mas, nada obstante isso, o aspecto econômico sempre foi o fundamento mais invocado na sistemática e contundente defesa dos terrenos de marinha por parte da SPU, especialmente nas oportunidades em que foram realizadas audiências públicas pelo Congresso Nacional, a fim de obter subsídios para deliberações ali em curso, conforme, inclusive, já foi exposto na presente Introdução.

Ao cotejar a memória decorrente de sua experiência como servidor da SPU, com os argumentos deste Órgão em relação à sustentada afetação dos terrenos de marinha a finalidades relacionadas à proteção dos ecossistemas costeiros e a políticas sociais, cotejo esse ensejado pelas leituras realizadas para o trabalho de mestrado concluído em 2015, este autor se viu estimulado a investigar a alegada imprescindibilidade de manutenção do regime jurídico dos terrenos de marinha, agora como instrumento cuja função “socioambiental” estaria supostamente afinada com os três pilares da sustentabilidade. E essa motivação se deveu ao fato de, ao menos na lembrança deste autor (enquanto servidor), não havia razoável conformação entre os argumentos agora proclamados pela SPU e o prestígio de outrora conferido ao aspecto

13 econômico, o qual foi antes vivenciado nas práticas de destinação baseadas nos “princípios da racionalização e descentralização”.

Essa suposta (hipotética) incoerência, então baseada na experiência empírica, foi suficiente para motivar este Autor a empreender esta investigação, ou seja, para analisar e escrever uma história dos terrenos de marinha, a qual problematiza o presente e o futuro deste instituto.

5.2. Justificativas gerais

Para além do ponto de vista pessoal, a pesquisa também possuía idôneas e suficientes justificativas. O instituto em questão tem seu regime jurídico estabelecido por diversos diplomas, mas é admissível apontar alguns como sendo estruturantes das políticas de destinação dos bens da União, com especial relevância para os terrenos de marinha. A propósito, merecem registro o Decreto-lei n.º 9.760/194626, a Lei n.º 9.636/199827, a Lei n.º 11.481/200728, a Lei n.º

13.240/201529, a Lei n.º 13.465/201730 e a Lei n.º 13.813/2019.

Embora existam trabalhos acadêmicos tendo como objeto de pesquisa os terrenos de marinha31, nenhum deles foi produzido depois da promulgação das duas últimas leis acima

26 “Dispõe sobre os bens imóveis da União e dá outras providências.”

27 “Dispõe sobre a regularização, administração, aforamento e alienação de bens imóveis de domínio da União, altera dispositivos dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987, regulamenta o § 2o do art. 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, e dá outras providências.” 28 “Dá nova redação a dispositivos das Leis nos 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.666, de 21 de junho de 1993, 11.124, de 16 de junho de 2005, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, 9.514, de 20 de novembro de 1997, e 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e dos Decretos-Leis nos 9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de 28 de fevereiro de 1967, 1.876, de 15 de julho de 1981, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987; prevê medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União; e dá outras providências.”

29 “Dispõe sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos; altera a Lei no 9.636, de 15 de maio de 1998, e os Decretos-Lei nos 3.438, de 17 de julho de 1941, 9.760, de 5 de setembro de 1946, 271, de 28 de fevereiro de 1967, e 2.398, de 21 de dezembro de 1987; e revoga dispositivo da Lei no 13.139, de 26 de junho de 2015.”

30 “Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União; altera as Leis nos 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, 13.001, de 20 de junho de 2014, 11.952, de 25 de junho de 2009, 13.340, de 28 de setembro de 2016, 8.666, de 21 de junho de 1993, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 12.512, de 14 de outubro de 2011, 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), 11.977, de 7 de julho de 2009, 9.514, de 20 de novembro de 1997, 11.124, de 16 de junho de 2005, 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 10.257, de 10 de julho de 2001, 12.651, de 25 de maio de 2012, 13.240, de 30 de dezembro de 2015, 9.636, de 15 de maio de 1998, 8.036, de 11 de maio de 1990, 13.139, de 26 de junho de 2015, 11.483, de 31 de maio de 2007, e a 12.712, de 30 de agosto de 2012, a Medida Provisória no 2.220, de 4 de setembro de 2001, e os Decretos-Leis nos 2.398, de 21 de dezembro de 1987, 1.876, de 15 de julho de 1981, 9.760, de 5 de setembro de 1946, e 3.365, de 21 de junho de 1941; revoga dispositivos da Lei Complementar no 76, de 6 de julho de 1993, e da Lei no 13.347, de 10 de outubro de 2016; e dá outras providências.”

31 A propósito, cite-se: LIMA, 2002; FREITAS, 2004; GAZOLA, 2004; OLIVEIRA, 2008; BORGES, 2012; RESCHKE, 2010; NUNES, 2014.

14 mencionadas, as quais representaram um marco de ruptura na política de destinação dessa categoria de bens, pois a disciplina nelas contidas passou a autorizar, “pela primeira vez na história desse país”, que o domínio pleno dos terrenos de marinha seja consolidado em poder de particulares.

Além disso, embora posteriormente aprovadas pelo Congresso Nacional, a Lei n.º 13.240/2015 e a Lei n.º 13.465/2017 são decorrentes de conversão de medidas provisórias32,

espécies normativas em que o debate no âmbito do parlamento é mais limitado, dada a forma peculiar do processo legislativo estabelecido pela Constituição de 1988. Assim, a realização de pesquisas acadêmicas tendo como objeto as ideias e políticas estabelecidas em tais diplomas legais, presta-se a ampliar, democratizar e publicizar o necessário debate em torno das questões ali disciplinadas, especialmente em razão de elas representarem manifesta inflexão nas premissas de destinação dos terrenos de marinha, cujo domínio, agora, pode ser 100% (cem por cento) privado.