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MAPA 1 – Municípios atendidos pelo PROURB/CE

4. GÊNESE E EVOLUÇÃO DO CAMPO DO PLANEJAMENTO URBANO

4.3. A emergência do planejamento entre os anos 1920 e

Caracteriza-se o período entre os anos 1920 e 1940, no Brasil, como de constituição efetiva do urbanismo e de emergência paulatina do planejamento urbano. Em Recife, esse deslocamento paulatino em direção ao planejamento, através da influência do modernismo se faz evidente, como indica Pontual (1999, p. 90; 96):

A ressonância do ideário do movimento moderno europeu na arquitetura e no urbanismo, na cidade do Recife dos anos 30, adquiriu visibilidade por meio dos planos de reforma e expansão, principalmente por incorporarem a noção de previsão e o modelo funcional de cidade, seja na adoção do princípio da tábua rasa, seja na definição do sistema viário, seja no estabelecimento do zoneamento por áreas com funções exclusivas, seja na adoção da salubridade e higienização — insolação, ventilação e iluminação dos espaços fechados e abertos —, seja na preferência pelo padrão verticalizado das edificações, seja na opção pelas grandes concentrações urbanas, mesmo restritas aos lugares centrais, seja na valorização do elemento natural com parques, praças e jardins.

Desta forma, as tensões entre o moderno e o tradicional, nos anos 1930, ressignificam- se através da centralidade do planejamento enquanto elemento de modernização científico- técnica da cidade:

Diante do fantasma da cidade colonial, associado ao temor de perder o Recife a terceira posição entre as grandes cidades brasileiras, apresentava-se o plano de reformas, de remodelação ou de expansão, para os urbanistas e jornalistas, como a estratégia possibilitadora de um futuro promissor, mediante a previsão de regras. O plano significava o modo de recuperar o caos, a sublimação do conflito, a cidade ordenada, sem desperdícios ou disfunções generalizadas (...) (Pontual, 1999, p. 90; 96).

Foi nesse contexto de articulação entre os saberes do urbanismo modernista e de planejamento do Movimento Economia e Humanismo, em Recife, que emergiu a noção de Plano Diretor, como indica Pontual (1999, p. 104-105):

(...) o plano não mais se expressava preponderantemente por intermédio de desenhos de reformas e correções do sistema viário e do zoneamento das funções citadinas. A ênfase passou a ser a explicitação de diretrizes econômicas determinantes de um futuro promissor, das quais as urbanísticas seriam decorrentes; daí o saber do planejamento sobrepujar o do urbanismo; daí a titulação de plano diretor em substituição à de plano reformador. No plano diretor, a idéia de desenvolvimento era propalada para constituir uma imagem na qual não fossem vigentes as condições desumanas de vida da população, o flagelo das secas e os males do latifúndio; não fossem deficientes os transportes, a geração e a distribuição de energia elétrica e o abastecimento d’água; não fossem quantitativamente representativas as migrações e emigrações, o analfabetismo, as endemias, as carências alimentares e a desqualificação da mão-de-obra, e não fossem tolhidas as organizações políticas e sociais. Expressando regras ou diretrizes revertedoras dos enunciados negativos propalados pelos urbanistas, o plano objetivava um futuro para o Recife dos anos 50, representado pela região metropolitana industrializada, equilibrada e integrada, ou seja, pela metrópole regional.

O plano diretor exigia uma multiplicidade de instrumentos técnicos relativos principalmente aos campos da economia, da demografia, da engenharia e da geografia. Dessa forma, no momento da confecção de um plano, fazia-se imprescindível a formação de uma equipe em que estivessem presentes os detentores desses conhecimentos, a fim de levantar, medir, examinar, inspecionar e avaliar, por meio de diversas técnicas de pesquisa, os fatos econômicos, populacionais, sociais e físico-territoriais, registrando a rigorosa observação em mapas, gráficos estatísticos, plantas cadastrais e documentação bibliográfica e monográfica. Sem dúvida, o plano consistia um método globalizante (Lamparelli, 1994, p.12). Só após o minucioso esquadrinhamento da realidade, passava-se com segurança para a etapa de formulação das proposições centradas na correta distribuição da população e localização das atividades econômicas e residenciais, considerando-se o limite de saturação e custo de produção da energia elétrica, do abastecimento d’água e dos meios de transporte. As exigências técnicas na elaboração do plano diretor conferiam a suas propostas um forte caráter de certeza e exeqüibilidade, indicando o aprofundamento da lógica positivista presente na atualização do saber e a possibilidade de maior controle dos conflitos respectivos à organização espacial dos homens.

A percepção crítica da evolução do urbanismo e do planejamento urbano e das trajetórias de agentes como Agache e Le Corbusier deve ser referenciada metodologicamente pela compreensão de que as concepções, os padrões ou as matrizes de urbanismo e de planejamento urbano não são objetos estáticos e homogêneos e sim processos e dinâmicas inscritos em correlações de força e em estruturas sociais nas quais as ações e as decisões sociais são reconfiguradas, muito embora haja um espaço dos possíveis. Ao mesmo tempo, as diferentes concepções, padrões ou matrizes conjugam-se e articulam-se entre si. Bourdieu (2004, p. 166) destaca que uma capacidade essencial do poder simbólico é o “poder de fazer grupos”, baseado em duas condições:

Primeiramente, como toda forma de discurso performativo, o poder simbólico deve estar fundado na posse de um capital simbólico (...) O capital simbólico é um crédito, é o poder atribuído àqueles que obtiveram reconhecimento suficiente para ter condição de impor o reconhecimento (...) (Bourdieu, 2004, p. 166).

Em segundo lugar, a eficácia simbólica depende do grau em que a visão proposta está alicerçada na realidade (...) O poder simbólico é um poder de fazer coisas com palavras. É somente na medida em que é verdadeira, isto é, adequada às coisas, que a descrição faz as coisas. Nesse sentido, o poder simbólico é um poder de consagração ou de revelação, um poder de consagrar ou de revelar coisas que já existem (Bourdieu, 2004, p. 166-167).

Cardoso (1996, p. 95), ao discutir a contribuição do urbanismo de Lúcio Costa evidencia características e tensões importantes inscritas na gênese e nas metamorfoses do campo do urbanismo e/ou do planejamento urbano no Brasil:

Na década de 20, os intelectuais modernistas tomam como referência para sua atuação, a busca da construção de uma nova prática artística e cultural que possa articular modernidade e nacionalidade. Esta abordagem, que se expressa exemplarmente na obra e na carreira de Mário de Andrade, irá aos poucos “contaminar” todos os campos da prática cultural, chegando à arquitetura na década de 30, através de Lúcio Costa. A incorporação do tema do urbanismo na prática do modernismo, todavia, só será plenamente feita na década de 50 (...) Cardoso (1996, p. 95).

Nessa perspectiva, o modernismo para Lúcio Costa é a “melhor e mais correta maneira de resgatar o caráter nacional, e, ao mesmo tempo, incorporar as idéias, as técnicas e a estética renovadora da era da máquina e da indústria” (Cardoso, 1996, p. 95). Em 1931, Lúcio Costa assumiu a direção da Escola de Belas-Artes, efetivando uma gestão modernizadora que encontraria resistências de grande parcela dos urbanistas brasileiros:

Em maio de 1931 o Instituto Paulista de Arquitetos, em ofício ao ministro, protesta contra a contratação de professores estrangeiros para “ensinar modernismo” aos jovens brasileiros.

A campanha contra Lúcio, encabeçada por José Marianno, levou à sua substituição pelo professor Archimedes Memória, “acadêmico” com inserção importante na arquitetura carioca (Cardoso, 1996, p. 96-98).

No decorrer dos anos 1930, Lúcio Costa desenvolveu suas concepções modernas, em diálogo com Le Corbusier, destacando características importantes para a modernização da arquitetura/do urbanismo no país: a superação dos limites regionais ou nacionais, a simplificação e a uniformização. Defendeu também a idéia de que os arquitetos/urbanistas devem promover o desenvolvimento industrial na construção, impulsionando a produção e apropriação de novas técnicas e recursos. Cardoso (1996, p. 100) destaca:

Em 1936, Lúcio Costa divulga um manifesto (...) “Razões da Nova Arquitetura”, e vai buscar estabelecer os princípios das novas práticas. Já nesse artigo, aparece uma idéia que seria mais desenvolvida em outros textos. Trata-se do caráter evolutivo que marcaria todo o processo histórico e social. Essa evolução seria caracterizada por ciclos de estabilidade e unidade, entremeados por períodos de transição, onde o desequilíbrio e a confusão seriam predominantes. Os períodos de transição seriam marcados pelas idéias de imprecisão, desequilíbrio, perda de coesão, tumulto, incompreensão, ambiente confuso, mal-estar, desacordo, falta de sincronização. Essa desordem seria, na verdade, a decorrência de uma crise de valores, onde se associam a demolição de tudo o que precedeu e a negação de tudo o que é novo.

Nesse contexto, a norma, que “formaliza uma necessidade objetiva do indivíduo e da sociedade e, ao mesmo tempo, também, o meio racional de satisfazê-la”, fundamenta-se na ciência, conhecimento capaz de enunciar as necessidades sociais e os meios de satisfazê-las tendo em vista que conhece as leis que regem a vida social. Derivam, portanto, respostas universais, nas quais a racionalidade se impõe a todos, materializando-se em “regulamentos administrativos ou espaços construídos” (Topalov, 2006, p. 40-41). Souza (2001, p. 109) indica como:

A história do Urbanismo aponta a estreita relação entre a delimitação do objeto dessa disciplina, a construção científica dos problemas urbanos e a preocupação dos reformadores sociais em ordenar o caos, normalizar os comportamentos das classes populares, enfim, constituir trabalhadores sedentários, disciplinados, comprometidos com o processo produtivo e com o mercado. A articulação entre reforma urbana e questão social significou, antes de mais nada, uma nova página nas relações de força, pois disseminou no espaço da cidade o poder normativo

As concepções de Lúcio Costa não descartam uma articulação do moderno com o passado nacional. Essa articulação é produzida, por exemplo, ao caracterizar positivamente o barroco colonial, por seu despojamento, compostura, dignidade e alheamento ao “assanhamento ornamental”, e ao reconhecer e integrar os saberes e práticas populares

inscritos no mobiliário, na adoção de determinadas técnicas construtivas e determinados materiais. Cardoso (1996, p. 100) reflete sobre a conciliação entre o moderno e o tradicional nas concepções de Lúcio Costa:

A conciliação é possível por dois motivos: primeiramente, pela própria caracterização do barroco de origem latina como mais sóbrio, pouco afeito aos ornamentos excessivos que caracterizam, de forma acentuada, seus congêneres de outras origens. Além desse despojamento formal, haveria, ainda, uma relação de honestidade entre a expressão formal e as técnicas construtivas, o que permite aplicar, à nossa arquitetura colonial, os mesmos critérios que valorizam a arquitetura clássica. E se, por meio destes conceitos, é possível estabelecer uma continuidade entre a arquitetura clássica e a moderna, é também possível pensar a arquitetura moderna brasileira formando uma continuidade com o nosso barroco.

Porém, essa perspectiva modernizadora, capaz de efetuar intervenções relevantes, mobilizar símbolos e gerar representações próprias será confrontada, no decorrer de grande parte do século XX, por uma outra perspectiva. Neste sentido, Sampaio (1996, p. 141) analisa a trajetória de Christiano Stockler das Neves, arquiteto paulista fundador do curso de Arquitetura da Escola de Engenharia Mackenzie, em 1917 e primeiro diretor da Faculdade de Arquitetura Mackenzie (que substituiu o curso em 1947), além de primeiro-secretário da primeira diretoria do Instituto Paulista de Arquitetos. Christiano das Neves formou-se em 1911 na Universidade da Pennsylvania, profundamente influenciada pela Escola de Belas Artes de Paris, defendendo as concepções de que a arquitetura e o urbanismo são arte e não ciência e, portanto, devem sempre estar regidos por referências estéticas, pela busca da beleza. Criticava o funcionalismo e a estandardização inscritos nas novas tendências, contestando particularmente a influência de Le Corbusier:

Essas construções inexpressivas dos corbusieristas fundam-se, exclusivamente, no utilitarismo, na economia construtiva, facilitados pelos processos técnicos e inobservância das regras de arte (...) Sempre que ao construtor faltam gênio e gosto, insiste na ciência. Justifica-se muito bem, portanto, o nome de ‘máquina de habitar’ dado a semelhantes concepções (Sampaio, 1996, p. 144).

Além disso, fez parte de sua intervenção acadêmica, profissional e política a defesa do estatuto profissional do arquiteto, e decorrente mercado profissional, principalmente em confronto com o engenheiro, que “não possui os estudos artísticos e é um arquiteto incompleto” (Sampaio, 1996, p. 145). Na visão de Christiano das Neves:

(...) os propósitos do urbanismo se confundem com uma vasta composição arquitetônica, uma composição cujo plano, acima de todas as suas funções, deve responder aos princípios de harmonia dos edifícios que agrupará: “A principal parte do urbanismo é a composição artística”. Tudo o mais são subsídios a essa composição que incumbe ao arquiteto (Sampaio, 1996, p. 151).

Um deslocamento essencial inscrito na passagem do liberalismo para o reformismo/intervencionismo articula-se à passagem de um predominante caráter disciplinar- repressivo para uma perspectiva onde a integração social torna-se central. Desta forma, as mudanças nas formas de enfrentamento da questão social – a partir de onde emerge uma questão urbana – significam mudanças nas formas de interação entre as diversas classes e grupos sociais e o Estado e mudanças nas formas de exercício do poder. Lanna (1996, p. 313- 314) afirma:

Assim, em fins do século XIX, as elites brasileiras procuravam as cidades, incrementando formas “civilizadas” e europeizadas do viver urbano (...) As diferenças sociais visíveis e expressas em homens teoricamente livres e iguais traduziram-se numa necessária reordenação dos espaços. Os critérios de ordem e racionalidade adotados tentaram resolver os impasses desta convivência necessária entre iguais tão socialmente diferentes, separando as funções de trabalho, moradia e lazer e promovendo com isso uma intensa segregação social.

A partir da segunda década do século XX, na Europa e nos EUA, constitui-se uma perspectiva funcionalista, através do movimento de planificação urbana, que transita das intervenções pontuais enquanto enfrentamento das problemáticas sociais/urbanas para o planejamento da cidade como um todo:

A divisão do solo em áreas específicas era instrumento privilegiado deste esforço por separar o espaço reservado às finanças do da indústria, os locais de trabalho do das moradias dos trabalhadores (Topalov, 2006, p. 44).

Parte-se do pressuposto de que a nova ordem social será engendrada por esta nova ordem urbana pensada, ao mesmo tempo, como organismo no qual cada elemento contribui para a vida de todo o conjunto e como fábrica racionalizada na qual cada função se realiza no lugar adequado e da melhor maneira possível (Topalov, 2006, p. 45).

Evidencia-se uma perspectiva onde as intervenções urbanas tendencialmente moldam comportamentos e atitudes adequados às novas relações sociais e criam condições para a plena implantação dos usos e das funções burguesas da cidade, regulamentando “as diversas formas de utilização do espaço urbano, alterando práticas econômicas, costumes, formas de lazer e de habitar tradicionais” (Moura Filha, 2000, p.106). Trata-se de fundar e consolidar a ordem burguesa no país, enfrentando as múltiplas dimensões da questão social/urbana, gerando condições materiais, intelectuais e morais de integração do trabalhador aos novos tempos e de articulação entre as diversas classes e grupos sociais. Porém, esse processo que

tem suas raízes desde meados do século XIX, implica rupturas no processo de constituição de um campo do urbanismo e do planejamento urbano:

Desde o século XIX, na capital do país, engenheiros e arquitetos vinham demonstrando, por meio de sua intervenção no meio urbano, quem eram os profissionais capacitados tecnicamente a lutar contra os problemas urbanos emergentes, identificados, em geral, à insalubridade do meio. Afastando-se da tradicional cultura retórica – bacharelesca, típica das elites dominantes, apoiadas na formação jurídica – engenheiros e arquitetos, embora também integrantes dessa elite, têm, porém, uma maneira mais técnica/racional de equacionar os problemas que lhes são submetidos (Pechman, 1996, p. 354).

(...) apesar de sua formação técnica, engenheiros e arquitetos seguiam a mesma trajetória de formação da elite política nacional (...) Assim, apesar de seu vínculo profissional com os diferentes níveis de governo, essa intelligentzia técnica ainda se articula com o poder muito mais por sua origem social, por fazer parte de uma ilha de letrados, que por seu vínculo profissional. Por isso mesmo, esses profissionais tinham da sociedade uma visão fortemente marcada pelo liberalismo, que os levava a ter uma concepção assistencialista dos problemas sociais e uma ação moralizante/paternalista na resolução desses problemas (Pechman, 1996, p. 354).

No Brasil, será a partir dos anos 1930, sob hegemonia da burguesia urbana, que “a eficiência, a ciência e a técnica começam a substituir os conceitos de melhoramento e embelezamento” (Maricato, 2002, p.138). O urbanismo assume o sentido de adaptação das cidades à era industrial e, por tabela, às necessidades do capitalismo, buscando transpor a racionalidade da produção industrial fordista para o âmbito da produção do espaço urbano. A idéia central nessa perspectiva é a de modernização, onde a casa e a própria cidade são concebidas como máquinas e onde a funcionalidade é um princípio básico. Le Corbusier, o mais destacado nome no urbanismo modernista, afirma: “É preciso criar o estado de espírito da série. O estado de espírito de construir casas em série. O estado de espírito de residir em casas em série. O estado de espírito de conceber casas em série” (Le Corbusier apud Souza, 2002, p.126). Maricato (2002, p.126), referindo-se ao planejamento urbano que se constitui nesse período, indica:

Do modernismo, esse planejamento urbano ganhou a herança positivista, a crença no progresso linear, no discurso universal, no enfoque holístico. Da influência keynesiana e fordista, o planejamento incorporou o Estado como a figura central para assegurar o equilíbrio econômico e social, e um mercado de massas (...) atribuía ao Estado o papel de portador da racionalidade, que evitaria as disfunções do mercado, como o desemprego (regulamentando o trabalho, promovendo políticas sociais), bem como asseguraria o desenvolvimento econômico e social (...).

O Estado passa a deter caráter regulatório, ou seja, deve controlar a expansão urbana, a ocupação e o uso da terra e o planejamento é entendido como atividade de elaboração de planos de ordenamento espacial para a “cidade ideal”, preocupado com fatores como o

traçado urbanístico, as densidades de ocupação, a racionalização dos fluxos e o uso do solo (Souza, 2002, p.123-124; Harvey, 1993, p.69).

Alguns autores não distinguem entre planejamento modernista e funcionalista, ou compreendem a existência de um planejamento influenciado pelo modernismo enquanto movimento cultural e regulado por princípios funcionalistas. No caso do planejamento urbano, o funcionalismo vincula-se à idéia de separação funcional dos usos e formas de ocupação no espaço urbano, tendo na Carta de Atenas um documento essencial, fundador mesmo.51 O Congresso Internacional de Arquitetura Moderna de 1933 foi um marco na constituição e difusão dessa perspectiva de planejamento:

(...) a consolidação do urbanismo e do planejamento urbano modernistas, orientados pelos princípios da separação das funções da cidade (habitar, trabalhar, recrear-se e circular), definidas no Congresso Internacional de Arquitetura Moderna de 1933 (Carta de Atenas). Coerente com o ideal de busca da racionalidade em termos econômicos e sociais, esse planejamento propugnava a intervenção do poder público por meio de instrumentos legais, com destaque para o zoneamento, visando ao controle da ocupação e do uso do solo urbano. A intervenção estatal direta ocorria mediante a provisão de infra-estrutura e concessão de subsídios que permitiam, nos países capitalistas maduros, o acesso à habitação e aos serviços urbanos para a maioria da população (Gondim, 2007, p. 72).

Ribeiro e Cardoso (1996, p. 64-65) caracterizam o planejamento urbano no período Vargas como higiênico-funcional, vinculado ao organicismo na formulação do diagnóstico, ao embelezamento, à monumentalidade e ao controle social. O Estado assume competência e responsabilidade no enfrentamento da questão social na mediação dos conflitos e tensões entre as classes sociais, pautando intervenções destinadas à integração dos segmentos estratégicos urbanos da classe trabalhadora à ordem emergente, de forma a gerar condições estáveis de reprodução social, inclusive ao garantir a saúde e a produtividade do trabalhador.

Porém, na trajetória brasileira, o enfrentamento da questão social assume o sentido de controle social das massas trabalhadoras e subordina-se às idéias-força de modernização e de nacionalidade. Nessa perspectiva, se no discurso estatal a habitação popular assume sentido estratégico, gerando capacidade qualificada de trabalho e paz social através da estabilidade familiar, na prática, intervenções públicas pontuais destinadas à provisão habitacional conjugam-se com uma aceitação tácita da ilegalidade/informalidade na produção da habitação popular. Ribeiro e Cardoso (1996, p. 64-65) indicam

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Ao mesmo tempo, cabe registrar a articulação dessa concepção urbanística ao ideário funcionalista mais geral, vinculado à constituição de uma ordem socioeconômica pautada pela produção e consumo de mercadorias em larga escala, com um outro patamar de articulação entre as classes sociais, destacando-se a influência de “modelos” de organização e gestão do trabalho tayloristas e fordistas.

A possibilidade da modernização se expressa nos planos, de maneira geral, de forma inclusiva. Ao ter a cidade como um todo como objeto de sua intervenção, os planos expressam mecanismos de regulação que deveriam influir decisivamente sobre as condições de vida das camadas populares, mesmo considerando a ênfase nos aspectos relativos às reformas nos centros urbanos. Todavia, a relação dos planos com a efetiva regulação pública não se efetiva. Os planos produzem normas