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9. A PROCESSUALIDADE DA REVISÃO DO PLANO DIRETOR NA GESTÃO

1.2. Fontes e procedimentos da pesquisa

O trabalho incluiu fontes oficiais e jornalísticas, primárias e secundárias, considerando-se inclusive a literatura crítica.18 As principais fontes de pesquisa encontram-se situadas na cidade de Fortaleza (CE), onde vive e trabalha o pesquisador, porém a identificação e o acesso a essas fontes impôs um conjunto de atividades com graus variados de dificuldade.

As fontes primárias incluíram os agentes individuais e coletivos participantes da revisão, os documentos oficiais, as atividades e os eventos da revisão do PD, exigindo procedimentos de identificação, seleção e acesso, diferenciados em cada caso e situação. Os procedimentos investigativos de coleta e produção de dados incluíram a realização de

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A palavra fonte, que tem origem no latim (fons ou fontis), significando originariamente nascente de água, adaptada à metodologia da pesquisa remete aos agentes, objetos ou suportes que originam as informações e os dados da pesquisa. A pesquisa trabalhou principalmente com fontes escritas e imagéticas, mas também, em alguns casos fontes orais.

entrevistas, a coleta de depoimentos e documentos e, em alguns casos, a observação direta de eventos e atividades, porém de forma mais assistemática, por limitações do próprio pesquisador, e mais com o sentido de geração de insigths do que de produção de dados.

Foram realizadas quatro entrevistas parcialmente estruturadas.19 Além disso, foi bastante importante a análise das gravações em vídeo de 14 Audiências Públicas (AP’s) legislativas, realizadas na Câmara Municipal entre maio e novembro de 2006. A riqueza das posturas e das falas analisadas nas AP’s pode ser evidenciada através de uma diferença relevante em relação às entrevistas parcialmente estruturadas. Nestas, o pesquisado interage de forma direta somente com o entrevistador, em uma situação razoavelmente controlada. Nas AP’s cada agente interage com vários outros participantes, submetido a situações bastante dinâmicas, onde estão postas de forma direta as correlações de força e as posições de poder do campo, com riscos imediatos de críticas, confrontos e desqualificações. Portanto, esse indivíduo está plenamente exposto

Por meio de um jogo de palavras heideggeriano, poder-se-ia dizer que a disposição é exposição. Justamente porque o corpo está (em graus diversos) exposto, posto em xeque, em perigo no mundo, confrontado ao risco da emoção, da ferida, do sofrimento, por vezes da morte, portanto obrigado a levar o mundo a sério (e nada é mais sério do que a emoção, que atinge o âmago dos dispositivos orgânicos), ele está apto a adquirir disposições que constituem elas mesmas abertura ao mundo, isto é, às próprias estruturas do mundo social de que constituem a forma incorporada (Bourdieu, 2001, p. 171).

Desta forma, cada indivíduo que faz uma intervenção na Audiência Pública está imerso estrutural e intersubjetivamente no processo de revisão do Plano Diretor e, portanto, nas estruturas e nas disposições sociais presentes no campo do planejamento urbano. Desta forma, nos momentos e situações das Audiências Públicas, as pessoas estão envolvidas no jogo, atuando a partir dos móveis e dos sentidos postos, investindo suas emoções e razões. Essa situação é bastante diferente da entrevista, em que o indivíduo tende a se posicionar como em estado de suspensão e distância do jogo, analisando teoricamente a este.20 Nas AP’s, cada pessoa, vivenciando situações reais, está “sofrendo” o que Bourdieu (2005) caracteriza como o “efeito do campo”, atuando em um “espaço dos possíveis”. Isso gera informações relevantes à qualificação analítica das fala e posturas selecionadas:

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Laville e Dione (1999, p. 188) definem a entrevista parcialmente estruturada, que caracteriza o tipo utilizado nesta pesquisa, como: “Entrevistas cujos temas são particularizados e as questões (abertas) preparadas antecipadamente. Mas com plena liberdade quanto à retirada eventual de algumas perguntas, à ordem em que essas perguntas estão colocadas e ao acréscimo de perguntas improvisadas”.

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Essa avaliação não nega de forma absoluta a existência de estratégias analíticas para deslocar esse tipo de postura do entrevistado, como discute Bourdieu (1997).

O efeito de campo exerce-se em parte por meio do confronto com as tomadas de posição de todos ou de parcela daqueles que também estão engajados no campo (e são outras encarnações distintas, e antagônicas, da relação entre um habitus e um campo): o espaço dos possíveis realiza-se nos indivíduos que exercem uma “atração” ou uma “repulsão”, a qual depende do “peso” deles no campo, isto é, de sua visibilidade, e da maior ou menor afinidade dos habitus que leva a achar “simpáticos” ou “antipáticos” seu pensamento e sua ação (Bourdieu, 2005, p. 55- 56).

Ao mesmo tempo, Bourdieu (1997, p. 710) orienta metodologicamente a sistematização e análise das falas, alertando para as distinções entre linguagem oral e escrita, e evidenciando como a transcrição é sempre uma reescrita. Neste sentido, o pesquisador situa- se entre as escolhas e tensões ambíguas de exposição das situações, contextos e particularidades da fala, o que pode ajudar na interpretação, e a necessidade de clarificar o texto através da eliminação de frases confusas, redundâncias verbais e outros elementos que podem tornar confusa a transcrição. O pesquisador efetuou a eliminação dos traços de linguagem prejudiciais à leitura e das informações desnecessárias, simplificando a fala, mas sem alterá-la em sua estrutura e conteúdo.

Ao mesmo tempo, considerou-se que o “estudo da imagem é fundamental para o entendimento dos múltiplos pontos de vista que os homens constroem a respeito de si mesmos e dos outros, de seus comportamentos, seus pensamentos, seus sentimentos e suas emoções em diferentes experiências de tempo e espaço” (Porto-Alegre, 1998, p.76). O vídeo, caracterizado como um suporte material que registra observações efetuadas através da mediação técnica de agentes sociais vinculados à TV Fortaleza, foi compreendido como fonte secundária de informações e dados. Nessa perspectiva, para além de um caráter ilustrativo ou de verificação de hipóteses, as imagens em movimentos foram percebidas como fontes de conhecimento da realidade social:

Poderemos quiçá decifrar olhares e gestos, compreender o entorno, decifrar o ausente. Na tentativa de ‘descongelarmos’ o documento poderemos, talvez, devolver aos cenários e personagens sua anima, ainda que seja por um instante. Poderemos, por fim, intuir sobre seus significados ocultos. O imaterial, que afinal é o que dá sentido à vida que se busca resgatar e compreender, pertence ao domínio da imaginação e dos sentimentos. É a nossa imaginação e conhecimento operando na tarefa de reconstituição daquilo que foi (Kossoy, 1998, p. 43).

Também foram realizadas observações diretas, através da participação do autor em algumas atividades e eventos da revisão do PD e, de forma mais ampla, do campo do planejamento urbano na cidade. Essa participação direta permitiu a coleta de observações e de depoimentos informais de indivíduos participantes do campo.

A revisão de literatura vincula-se a um processo de longo prazo, de constituição do pesquisador enquanto agente capaz de dialogar com autores, teorias e conceitos em um quadro de compreensão e interlocução entre diferentes perspectivas, escolas e vertentes em disputa e articulação. Neste sentido, os estudos, reflexões e diálogos gerados a partir das disciplinas freqüentadas no Doutorado, a vinculação ao LEC e os processos de orientação foram momentos essenciais para a construção da pesquisa.

Também foram essenciais à pesquisa os procedimentos de identificação e coleta de documentos de diversas origens, destacando-se os seguintes: gravações em vídeo das Audiências Públicas legislativas realizadas na Câmara Municipal; relato do Banco de Experiências do MCidades sobre a revisão do Plano Diretor de Fortaleza; Ação Civil Pública 99/2004, Ministério Público Federal no Ceará; Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – Lei Nº. 7.061 de 16 de Janeiro de 1992; PDDU-For 2003, versão preliminar; Versão da Minuta do PDPFor que chegou ao Congresso; regimentos dos eventos participativos; listas de delegados e relatorias dos grupos do Congresso do Plano Diretor Participativo; Revisão do PDPFor pós-congresso, incorporadas decisões formadas; tabela de revisão da Procuradoria Geral do Município; Versão do PDPFor que deu entrada na Câmara Municipal; Versão final do PDPFor, publicada no Diário Oficial do Município.

No caso das fontes jornalísticas, foi feita uma pesquisa sistemática com os jornais impressos e/ou em formato digital, abrangendo o período entre o segundo semestre de 2002 e dezembro de 2008, identificando e coletando as matérias jornalísticas de interesse para a pesquisa.

Preservadas através de vídeos, as gravações das Audiências Públicas da Câmara Municipal são imagens em movimento, representando um testemunho material e visual do passado, preservando fragmentos da realidade social. O vídeo, caracterizado como um suporte material que registra observações efetuadas através da mediação técnica de agentes sociais vinculados à TV Fortaleza, é compreendido como artefato e fonte secundária de informações e dados. Nessa perspectiva, para além de um caráter ilustrativo ou de verificação de hipóteses, as imagens em movimentos foram tratadas como fontes de conhecimento, investigação e interpretação da realidade social.

Deve-se também fazer referência aos procedimentos de organização e sistematização, que constituem efetivamente os dados, e também aos procedimentos de análise. Neste sentido, para a revisão de literatura os fichamentos e as anotações do pesquisador foram sendo revisitados em diferentes momentos, articulados em temáticas substantivas. A partir do

manejo empírico, os recortes teórico-metodológicos foram sendo constituídos, evidenciando deslocamentos intelectuais de um nível mais abstrato para um patamar mais operacional de articulação das teorias e conceitos. Nessa perspectiva, dois movimentos são reveladores. O que foi gerando uma articulação interna entre os núcleos temáticos, através de recortes e diálogos conceituais específicos. Ao mesmo tempo, o movimento que foi desvelando, a partir das referências teóricas, as categorias analíticas que operacionalizaram o manejo empírico dos dados. As problemáticas e as questões processuais e substantivas identificadas no desenvolvimento da pesquisa foram tornando-se elementos analíticos organizadores.

No que se refere à organização e sistematização dos dados jornalísticos, estes foram em um primeiro momento agrupados por datas, permitindo um tratamento inicial que revelou a evolução cronológica do processo de revisão do PD. Porém, aos poucos, essa agrupação cronológica foi cedendo espaço para uma análise centrada em categorias analíticas, processuais ou substantivas, formatadas e utilizadas na pesquisa. Da mesma forma, os demais dados também foram sendo agrupados.

Por fim, destaquem-se mais cinco reflexões metodológicas. Uma refere-se à utilização da comparação como recurso metodológico, à medida que a pesquisa analisa momentos/conteúdos diversos do processo de revisão.

A segunda questão remete às relações entre o pesquisador e os agentes sociais em presença no campo. No decorrer da pesquisa, uma série de dificuldades de acesso referiu-se aos sentimentos e posturas defensivos daqueles agentes sociais, situados em um campo demarcado por lutas cotidianas, percebendo-se a revisão do PD como um jogo de xadrez onde cada situação, atitude e momento são decisivos para os oponentes que participam do jogo. Neste sentido, a entrada no jogo exige determinados requisitos e se você não é reconhecido como um participante deste jogo, ou se não é percebido como um recurso de poder relevante vivencia o risco de tornar-se invisível ou não importante. A terceira reflexão associa-se a este elemento, destacando a importância da pesquisa para a publicização criticamente construída de documentos, situações, posturas e discursos dificilmente acessíveis ao público acadêmico e à população em geral.

A quarta referência metodológica enfatiza o caráter dialógico da produção do conhecimento científico, através de diálogos explícitos ou implícitos. Neste sentido, devem ser destacados o papel da orientadora enquanto artífice que, em situação, vai corrigindo, indicando, questionando, criticando, sugerindo mudanças e caminhos para o pesquisador em processo, assim como o momento da qualificação, com valiosas sugestões e contribuições

analíticas. Esse processo de crítica é essencial à pesquisa, ponto de apoio e baliza que permite encontrar caminhos, estabelecer processos de tomadas de decisão, fazer escolhas difíceis e superar dificuldades e crises que compõem o percurso.

Por fim, a quinta reflexão, muito vinculada às reflexões inscritas na orientação, indica que o pesquisador articulou dinâmicas dedutivas e indutivas. Aos poucos se fez a transição de um momento mais dedutivo para outro indutivo, o que teve profundas implicações para as articulações teoria e empiria.

A ancoragem metodológica da pesquisa também exige uma apresentação singular dos conceitos, teorias, hipóteses, dados e interpretações que compõem a tese. Essa dimensão de apresentação textual necessita articular de forma produtiva, coerente, organizada, clara, objetiva e singular a teoria e a empiria. Às vezes sutilmente desvelam-se momentos de transição, onde a escrita torna-se mais presente e premente que a leitura, através da reconstrução sucessiva e permanente do documento, com recortes, revisões e rearticulações singulares.

Este texto evidencia os processos e as dinâmicas da pesquisa, desvelando as dificuldades, desafios e restrições vividos pelo pesquisador, assim como os resultados e análises desenvolvidos. A Tese engloba esta Introdução, um conjunto de outros 11 capítulos e as Considerações Finais. A Introdução (Capítulo 1) efetua uma primeira aproximação com o recorte da investigação, constituindo o objeto, através de uma contextualização e da problematização, com a indicação dos objetivos gerais, do desenho da investigação e da estrutura textual. O Capítulo 2 apresenta autores, teorias e conceitos que compõem a Teoria da Democracia, selecionados os considerados relevantes analiticamente. O Capítulo 3 fundamenta uma sociologia do campo do planejamento urbano, desenvolvendo conceitos como campo, habitus, disposições e redes sociais. Ao mesmo tempo, efetua uma caracterização preliminar dos agentes sociais participantes do campo do planejamento urbano em Fortaleza, e aponta alguns indícios dos fundamentos do poder desses agentes.

Os Capítulos 4 e 5 apresentam a gênese e a evolução do campo do planejamento urbano no país, evidenciando características e tensões constitutivas. O Capítulo 6 desenvolve uma caracterização territorial de Fortaleza e uma apresentação da evolução do planejamento urbano na cidade. Os Capítulos 7 e 8 efetuam a análise processual e substantiva do PDDUA, enquanto os Capítulos 9, 10 e 11 fazem o mesmo com o PDPFor. Por fim, as Considerações Finais, no Capítulo 12, sintetizam e articulam análises e resultados da pesquisa.