É difícil determinar se o “ surrealismo” , enquanto movimen to, terá atravessado fronteiras europeias. Justifica-se o ceti cismo, no caso, de saber se a Alemanha da década de 1920 teria tido um estilo correspondente ao conjunto de gestos culturais desenvolvidos e cultivados na França dessa época. Ou - para dizer com mais cautela, mais rigor e em termos menos densos - é certo que se podem encontrar na literatura e na arte alemã alguns elementos “ surrealistas” que estavam até agora mais ou menos escondidos, desde que, por razões heurísticas, recorramos aos conceitos resultantes do fenô meno francês. Em última instância, porém, uma pesquisa exaustiva deveria resultar em mais do que a descoberta de paralelos e de superfícies coextensivas entre as culturas fran cesa e alemã - um maior entendimento de suas profundas diferenças, que são, de fato, surpreendentes.
Minhas considerações têm subjacentes três pressupostos, completamente diferentes entre si. Eles servirão para de monstrar, acima de tudo, essa divergência. Primeiro, uma atitude fundamental de reserva em relação à hipótese de que - pelo menos nas culturas europeias - as formações de uma mesma época encontram-se em todos os contextos nacio nais. (Por exemplo, compreende-se melhor a literatura espa nhola se não se procurar nela um “ Iluminismo” setecentista totalmente articulado; do mesmo modo que compreende mos melhor a literatura alemã do começo da modernidade se não a considerarmos em termos do “ Renascimento” .)
N ão é desonra nenhuma para as letras alemãs afirmar que não possuem um “ surrealismo” próprio. Segundo, há uma observação de Walter Benjamin decisiva para o meu enten dimento deste tópico da história da literatura. Foi feita pelo filósofo em 1929 no ensaio “ Surrealismo: o último instantâ neo da intelligentsia europeia” . Benjamin declara que exis tia um canal de sinergia entre o surrealismo francês e os mo vimentos alemães da época. Terceiro - e sobretudo -, estou convencido de que um canal desse tipo explica-se melhor se recorrermos ao conceito de Stimmung, em vez de usarmos noções e expressões daquele tempo que tentam agregar cer tos objetivos programáticos e métodos artísticos (como se deu, por exemplo, no “ surrealismo” e no “ dadaísm o” ).
A maior parte das literaturas europeias do primeiro terço do século X X viram proliferar uma série de projetos pro gramáticos. “Vanguardas” , “ futurismo” , “ criacionismo” , “ dadaísm o” e “ surrealismo” designam aspectos diferentes do mesmo fenômeno. Em face dessa explosão verbal, os his toriadores da literatura têm-se sentido obrigados, em gran de parte, a levar a sério todos os conceitos propostos pelos movimentos, assim como as particularidades que cada um reclamava; no mesmo intuito, os acadêmicos procuraram redescobrir as maneiras como essas noções eram suposta mente concretizadas pelas várias obras - como se a prática artística e literária tivesse aderido aos manifestos e panfletos típicos daquele período. Historicamente, é mais adequado e importante começar por descrever - e circunscrever - a efu são energética que deve ter animado o impulso programáti co nas culturas nacionais americanas e europeias na aurora do século X X ; depois, a tarefa será identificar pontos espe
cíficos de ruptura. N ão pretendo me incluir entre os críticos de literatura da minha geração que vestiram Benjamin com a roupagem de “ visionário” . Apesar disso, valorizo o enten dimento de Benjamin, segundo o qual o surrealismo é uma fonte essencial de energia, com condições de surgimento que variam de acordo com o contexto nacional:
Os sabichões que até hoje ainda não conseguiram ir além das “ origens autênticas” do movimento - e que nada têm a dizer sobre isso a não ser que ali estava ou tra panelinha de literatos confundindo o digníssimo pú blico - são assim como uma reunião de especialistas junto de uma nascente, os quais, após longa delibera ção, concluem que aquele pequeno e insignificante ria cho jamais dará energia a turbinas. O observador ale mão não está na frente da corrente de água. [...] Está no vale. Ele consegue calcular as energias do movimento. [...] Ele [...] não tem justificação para considerar o mo vimento como a corrente “ artística” ou “poética” que parece, à superfície, ser.
A “ energia” partilhada - o clima europeu internacional - que operava nos movimentos literários e artísticos do co meço do século X X foi, sem dúvida, consequência de longo prazo de um complexo evento epistemológico que já ocor rera no início do século XIX. Em As palavras e as coisas, Michel Foucault caracterizou esse fenômeno como “ crise da representação” . Agora, para historiar, refiro-me de novo a ele como a “ emergência da observação de segunda or dem” - conceito originalmente cunhado por Niklas Luh- mann para um uso estritamente sistêmico. Com o início da filosofia do Iluminismo tardio, a experiência humana tor
nou-se autorreflexiva. A meu ver, isso foi uma reação ao crescimento rápido do ceticismo quanto à capacidade que teriam nossos órgãos (no sentido mais amplo) de fornecer uma “ representação adequada” (seja qual for o sentido da expressão em contextos específicos) do mundo além da consciência humana. Podemos ver que a história da filoso fia ocidental dos últimos 250 anos enxerga a história da literatura e da arte ocidentais, desde o final do século XVIII até o começo do século X X , como uma série de confrontos com esse problema. A dimensão filosófica é o lado menos dramático do fenômeno: articula-se na topologia de uma distância crescente entre o “ sujeito” e o “ objeto” e conduz, uma e outra vez, a esforços para negar esse fosso, quer em termos cognitivos, quer em termos práticos - ou, pelo me nos, para reduzir os seus efeitos.
A literatura e a arte, por seu lado, confrontam o pro blema de maneiras que, desde meados do século X IX , têm frequentemente evoluído para sentimentos de frustração e tentativas passivo-agressivas de automarginalização (por exemplo, quando Baudelaire designa a si mesmo como irmão “ do leitor hipócrita” , no último verso do poema com que abre Flores do mal [1857]). Pouco depois de 1900 - primeiro na Europa Central e depois se espalhan do rapidamente por todas as culturas do Ocidente - , es ses sentimentos viram-se transform ados em gestos icono clastas. É como se os artistas e suas obras pretendessem dizer que já não estavam interessados na representação, nos seus métodos ou técnicas, pois a representação, de qualquer modo, não poderia ser perfeitamente verdadeira em relação à vida; que acabariam por não captar realida de alguma, senão uma realidade apenas parcial. Um mo- mento-chave nessa “ virada” em direção à representação fragmentada é o movimento D ada - acontecimento cultu-
ral que foi uma experiência europeia partilhada, anima da por figuras como o romeno Tristan Tzara, o alsaciano Jean Arp e o alemão Hugo Bali.
Num ensaio de 1913 sobre poesia moderna, Guillaume Apollinaire descreve a sua época a partir de três pontos de vista que se cruzam com a nossa análise histórica. Tam bém ele vê a energia que foi subitamente libertada como efeito de um processo iniciado no século XVIII, comum à herança europeia:
Se esse movimento, cujas origens podem ser identifica das já no século XVIII, parece limitado à França, é por que Paris era a capital da arte no século XIX. Porém, na verdade, o movimento não é francês, mas europeu.
Em segundo lugar, Apollinaire entende a distância cada vez maior entre a realidade (ou o que passe por realidade) e suas representações como consequência paradoxal de vivenciar a impossibilidade de obter, dessa realidade, um retrato perfeito:
Mesmo no caso do cubismo mais elementar, a necessá ria abertura da superfície geométrica exigirá do artista em busca da representação perfeita do objeto - especial mente no caso de objetos com formas complexas - que produza uma pintura que aliene até mesmo aqueles ob servadores que querem compreendê-lo, a ele e à verdade objetiva do que ele pretende representar.
Apollinaire acaba por transformar a ruptura do princí pio da representação na afirmação de que a arte não repre- sentacional está próxima a um nível mais elevado de reali dade e de verdade: “ O novo movimento poético [...] eleva-se a lirismo concreto e direto, o qual os autores que se limitam a descrever [aquilo que já existe] nunca conseguem atingir.”
O fato de que o clima europeu partilhado, um clima de energia iconoclasta, ganhou forma de modos que variam de nacionalidade para nacionalidade apresenta um desafio à análise histórica e à descrição com nuances. Os histo riadores da literatura nunca chegaram realmente a domi nar o assunto. Gostaria de indicar, através de pelo menos três “ casos” nacionais - Espanha, Alemanha e França -, como podemos avançar a partir daqui. É óbvio que não foi sob a bandeira espanhola (nem latino-americana) que se deu o passo radical em direção à “ grande abstração” (ou, mais precisamente, em direção à “ ausência de obje to ” ). Isso pode ser demonstrado com as obras de Pablo Picasso. Por um lado, Picasso distanciou-se de uma pintura orientada para o objeto antes de qualquer outro artista do seu tempo: são boas as razões para considerar Demoiselles
d ’Avignon como o primeiro grande quadro do cubismo.
Por outro lado, ele nunca chegou tão longe quanto muitos contemporâneos seus. O mesmo vale para o grande Fe derico García Lorca, que - apesar de uma tendência para a abstração linguística em antologias como o Romancero
gitano e Poeta en Nueva York - nunca chegou realmente
a romper com o princípio da referência extratextual (tal como, por exemplo, o dadaísmo reclamava). Um notável ensaio de José Ortega y Gasset, “ A desumanização na arte” (1927), articula os riscos de manter intacta essa fronteira. Por razões que, em última análise, serão éticas, o crítico se revela contra os afastamentos radicais em relação à forma: as obras demasiado abstratas tornam precária a conexão entre a experiência estética e a vida humana.
É natural nos sentirmos tentados a especular acerca das causas por trás das formas específicas das idiossincrasias nacionais. M as, na verdade, o que poderá contar como “ causa” ? Como saber que as formas características de cada
nacionalidade foram mais do que marcas da sedimentação institucional afetando os desenvolvimentos individuais - e muito possivelmente coincidentes? Vou restringir-me às vi sões do oposto. N o que diz respeito à situação alemã, exis tiu, sem dúvida, desde cedo e com grande determinação, a vontade - ou mesmo o desejo - de ir além dessas fronteiras, numa dimensão não representacional. N o entanto, em ter mos filosóficos, artísticos e literários, a principal preocupa ção continuava a ser a questão de encontrar solução para o problema da (aparente) distância entre sujeito e objeto. En tre os esforços para achar essa solução, a proposta de Hei degger de substituir a topologia sujeito/objeto pela noção de “ ser-no-mundo” - a existência humana entendida como
Dasein espacial (“ ser-aí” ) - veio a revelar-se de uma in
fluência incomparável; de acordo com essa ideia, o que quer que esteja confortavelmente “ à-m ão” tem preferência sobre aquilo que esteja “ presente-ao-alcance” , que não está tão próximo. (Note-se a hifenização obsessiva do filósofo!) Entendo que o “ expressionismo” alemão, quer na pintura, quer na escultura, pertence à mesma dimensão histórico- -cultural, pois abriu espaço considerável ao jogo da expe riência subjetiva sem, no entanto, abandonar a referência à realidade enquanto experiência comum. Muitas dessas experiências e propostas foram reunidas sob a designação de “ revolução conservadora” ; Hugo von Hofmannsthal cunhou a expressão em 1927, quando apontou os esforços contemporâneos para solucionar problemas do presente observando as culturas do passado e em contextos não eu ropeus. Nesse contexto, o sentido da palavra “ conserva dor” derivava da sua oposição em relação a “ inventado” . Hoje, pelo contrário, a expressão “ revolução conservadora” é usada com a conotação política de “ protofascista” , que não corresponde totalmente à situação histórica da década
de 1920 - mesmo que tenha havido posições protofascistas que vieram a fazer parte do espetro cultural da revolução conservadora.
A ideia do surrealismo - Apollinaire foi quem usou o termo pela primeira vez, em 1918 - não corresponde às tendências então predominantes na Alemanha, nem às con dições existentes na Espanha. O surrealismo concentra-se nas confrontações do indivíduo com a realidade material; essa perspectiva é tipicamente, se não mesmo exclusiva mente, francesa. As coisas-no-mundo “ agem” com frieza - e até com brutalidade - porque recusam ao observador uma visão “ adequada” e não se adaptam a programas individuais. Conceitos paradoxais como hasard objectif (acaso objetivo) ou épifanie profane (epifania profana) são característicos desse clima; eles sublinham o modo como dimensões ontologicamente diferentes - entre as quais não pode ocorrer nenhuma mediação demonstrável - existem em paralelo. Nesse contexto, as intenções, os sentimentos e as façanhas intelectuais do homem transpõem-se para um nível puramente mecânico de existência - como fica exem plificado, por exemplo, na ideia de écriture automatique (escrita automática), que tanto fascinava os surrealistas. À semelhança do conceito de “ revolução conservadora” na Alemanha, a noção francesa de “ surrealismo” parece ter sido, no início, independente de quaisquer conotações polí ticas. Só no final da década de 1920 se estabeleceu um elo entre o surrealismo e a esquerda - que se mantém até hoje.
Ninguém mais do que Apollinaire soube incorporar o Stim
mung do primeiro surrealismo, quando o movimento ainda
não era politicamente determinado nem restringido. Ele en
carnou, pode-se dizer, o surrealismo por completo, pois é impossível desenhar uma linha divisória entre sua autoence- nação artística e a realidade biográfica. N as cartas que tro cou com seu amigo Picasso vibra uma energia ativa que faz com que todos os tópicos tratados na correspondência pare çam triviais e insignificantes. Cada momento em que escre viam se apresentava como um período de trabalho intenso, em que constantemente surgiam novos projetos. Em face do presente fugidio, veloz, cada uma das cartas é curta e febril. Porém, e ao mesmo tempo, essa correspondência exprime o desejo de trocas mais extensas. “ Sobretudo escreva-me uma carta longa” , pede Picasso a 16 de agosto de 1918 - menos de três meses antes da súbita morte de Apollinaire. Os dois também nunca poupam cumprimentos ao outro e às suas companheiras: “ Dê meus cumprimentos a sua esposa; a ela envio minha mais pura amizade.”
Os pontos-chave na vida de Apollinaire parecem estou ros súbitos - em staccato, no tom do hasard objectif. N as ceu em 1880, filho de um nobre polonês que vivia em Roma; o nome do pai não aparece nos documentos oficiais. Apollinaire passou os primeiros vinte anos de vida migran do por toda a Europa. Esse percurso de viagens era quase sempre determinado por sua mãe (ou pelos caprichos dela). Num a ocasião, ele decidiu se casar com a primeira mulher que encontrou no trem. Quando a Guerra Mundial come çou, Apollinaire abraçou tudo o que tivesse a ver com os militares. Após ser ferido na cabeça, envergava com maior orgulho seu uniforme - e exibia a atadura ensanguentada. Depois de uma convalescença prolongada, recuperou a saúde e, poucos dias antes do fim das hostilidades, morreu em Paris, de gripe espanhola. O seu gesto artístico mais tí pico - o que não significa que foi a coisa mais interessante que fez, em sentido estético - surge nos Calligramas. Nesses
poèmes image, a disposição dos grafemas, escritos ou im
pressos na página branca, desenha os contornos de objetos que também se apresentam verbalmente. Um exemplo é
“ La petite auto” - uma obra que conta como, no dia da sua
convocação para o Exército, Apollinaire (ou, para ser mais preciso em termos crítico-literários, o “ eu lírico” ) regressou a Paris com um amigo e o condutor de automóvel. Esses poemas-quadro parecem descontraídos e animados ao mes mo tempo; aqui, os processos que outros usariam para ex primir protesto chegam a raiar o lúdico.
Eu gostaria de situar o auge do surrealismo francês - ou, dito de forma mais precisa: o auge do surrealismo na Europa, considerando que o surrealismo circulou também fora da França, embora tenha sido um movimento de impulso ico noclasta essencialmente francês - num momento anterior a sua transformação em ideologia por uma codificação expli citamente política. A meu ver, o momento de canonização é assinalado por duas obras: Paysan de Paris, de Louis Aragon (1926), e Nadja, de André Breton (1928). N o posfácio a uma recente tradução de N adja, Karl Heinz Bohrer já sugeriu esse juízo histórico. As principais preocupações dos dois textos incluem a descrição e o incentivo às “ epifanias profanas” ; é aqui - na medida em que se consegue falar nesses termos - que reconheço a “ essência” do surrealismo. Para Aragon, a experiência central está ligada aos confrontos com as reali dades materiais da cidade - os objetos e as coisas que a fa zem ser aquilo que é. Para Breton, a questão principal inclui “ encontros” com um ser humano - Nadja. O ambiente é um cotidiano em que já aconteceu a desumanização; a propósito da figura feminina, poderíamos mesmo falar de uma condi
ção geral - e, ao mesmo tempo, historicamente específica - de “ reificação” . Quer no observador - aquele que está den tro do texto (ou seja, o narrador) -, quer no leitor (que ocupa uma posição exterior), esses momentos podem desencadear súbitos instantes de êxtase e até de iluminação; no entanto, nunca se reúnem num ponto de referência coerente em rela ção aos conteúdos das obras ou às identificações que pro põem aos leitores. Segundo Bohrer, trata-se de uma questão da “visão trágica sobre a necessária dificuldade em reconhe cer a identidade do outro. A conversa trivial sobre a identi dade - é o que suspeita o surrealismo - não reconhece que a verdadeira identidade só é atingível num piscar de olhos” .
A “ energia profana” parece nos dar o fugaz ponto concei tuai para todas as razões que, no seu ensaio de 1928, Ben jamin considera que explicam a razão da superioridade do surrealismo francês em relação aos seus correspondentes alemães. E significativo que ele descreva o surrealismo como uma energia que circula através de toda uma nação. Isso equivale a dizer que a situação na França forma uma atmosfera e um ambiente distintos:
Bretón e Nadja são os amantes que convertem todas as coisas que vivenciamos em lúgubres viagens de trem (as ferrovias começam a envelhecer), em esquecidas tardes de domingo, em bairros proletários das grandes cida des, em um primeiro olhar através das janelas molhadas de chuva num apartamento que estreamos, em expe riência, se não mesmo em ação revolucionária.
Eles levam a imensa energia da “ atmosfera” , que existe escondida nessas coisas, até o ponto de explosão. Que forma imaginarás que uma vida teria se fosse de-
terminada num momento decisivo precisamente pela última das canções de rua que andasse na boca de todo o mundo? O estratagema que faz dominar esse mundo das coisas - e é melhor falar de um estratagema do que de um método - consiste em substituir uma visão histó rica do passado por uma visão política.
Deveríamos, tanto quanto possível, desconsiderar a ob sessão de Benjamin, afirmando que todas as suas observa ções são políticas. Esta tendência é característica daquele tempo, e, por volta de 1930, haveria de tornar-se loucura. Ao fazê-lo, poderemos ver que as referências à energia, à atmosfera e ao ambiente ocupam posições-chave naquilo que ele escreve: “ insurreição” , “ explosão” , “ vontade indó mita” , “ linguagem comandando o eu” , e por aí vai. Benja min entendia o surrealismo como uma energia pulsando na fronteira entre o sono e o caminhar, em que a atribuição de forma ou a produção de sentido estável são impossíveis.
Em 1931, Paul Nizan traduziu para o francês O que é a
metafísica?, a lição inaugural de Heidegger em Freiburg.
Embora não recorra a essa metáfora, é claro que Nizan terá pensado que também ele estava “ no vale” de uma energia crescente, que fluía para as literaturas nacionais. É historicamente importante que sua leitura da filosofia de Heidegger se tenha centrado nos motivos do “ nada” e da “ niquilação” - aliás, a tal ponto que apresentou Heidegger aos seus leitores como o “ fundador da filosofia do nada” . Nizan entendia o “ nada” no sentido das epifanias profanas do romance de Breton - ou seja, como a impossibilidade de fornecer à existência os contornos de sentido (ou, na
terminologia de Heidegger, Dasein). Dez anos mais tarde, esse gesto experiencial daria o tom e o mote dos primeiros