Resumir o curso dos acontecimentos no último romance de Machado de Assis, Memorial de Aires (1908), não é tarefa difícil. O livro conta a história de Aguiar, alto empregado bancário no Rio de Janeiro do final do Império, antes de 1889, e de sua mulher, Carmo. Aquilo que inúmeras vezes é mencionado como a “ idade” que já têm (o autor ficcio nal, isto é, o narrador, chega a referir-se a Dona Carmo como “ a velha m oça” ) alude provavelmente a uma fase da vida que hoje não consideraríamos tão tardia assim. Pode mos imaginar que estejam ambos nos começos dos sessen ta, ou pelo meio dessa década da vida; era a idade que tinha M achado quando perdeu sua amada mulher, Carolina, em 1904. Tal como os M achado, também os Aguiar não tive ram filhos, e, como o autor pretendesse que os imaginásse mos gentis e afetuosos pais em potencial, nos descreve suas vidas como sendo de “ orfandade às avessas” . Apesar dessa condição, os Aguiar conseguem preencher o vazio de suas vidas com “ filhos postiços” . Muito antes de 1888 (quando a história se inicia), eles ajudaram a criar o afilhado Tris- tão; desde aquele ano, o jovem vivia com seus pais brasilei ros em Lisboa, e os Aguiar nunca mais souberam dele. M ais recentemente, haviam acolhido Fidélia, uma bela e jovem viúva que, após a morte prematura do marido, não pôde voltar para o lar paterno porque o casamento que fizera tinha sido de paixão - como as bodas de Romeu e Julieta - e contrariara a vontade de seus progenitores.
Os acontecimentos mais importantes no romance são o regresso de Tristão ao Rio de Janeiro, que, apesar de ter tardado, inaugura um período de felicidade calma mas in tensa para os seus pais adotivos. Semanas antes de regres sar a Portugal, para seguir carreira na política, Tristão de clara aos Aguiar o seu amor por Fidélia (e, através dele, à melhor sociedade do Rio de Janeiro). Em seguida eles se casam, para a alegria de todos. De qualquer modo, Tristão não pretende renunciar ao sonho de uma vida política. Pro metendo deixar o Brasil apenas por um breve período, du rante o qual apresentará Fidélia aos seus pais biológicos - promessa na qual ele acredita -, Tristão embarca para Portugal com sua jovem mulher e põe termo à alegria dos anos de ouro dos Aguiar.
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Parece uma história “ agridoce” , à maneira de Hollywood. M as, se não lemos Memorial de Aires percorrendo as li nhas da intriga, o romance pouco tem a ver com essa desig nação genérica. Esse tipo de síntese deixa necessariamente de fora aquilo que faz da obra derradeira de M achado de Assis uma obra-prima. Nesse erro incorreu um dos primei ros a resenhar o livro, Almáqui Diniz, que se queixava de que Fidélia - que considerava a “ heroína” da história - era uma personagem pouco “ desenvolvida” e dizia “ não se justificar” no enredo do livro. A forma do romance é a de um memorial, uma antologia de memórias. Aires - de quem nunca sabemos o primeiro nome - é um conselhei ro diplomático já aposentado que, a intervalos nem sem pre regulares, registra observações e pensamentos que lhe suscitam o lento passar dos seus dias. Dito isso - algo de fato extraordinário -, o duplo engano de Diniz foi exce
ção entre as reações contemporâneas a Memorial de Aires. A maioria dos leitores admirou o engenho de Machado. Ao mesmo tempo, ele estava no auge da fama, era o autor mais reconhecido na emergente nação brasileira. Seu estilo era visto como “ tão perfeito quanto o dos melhores escri tores portugueses” . Acima de tudo, o público tinha em boa consideração a leveza do seu tom, ainda que acertassem ao apontar - mais por intuição do que em resultado de análise - que sua obra era comparável à de Flaubert.
Por outro lado, parece que nenhum leitor tentou explicar o que, precisamente, constitui a incomparável grandeza des se livro. N a verdade, Memorial de Aires sempre ficou na sombra dos romances anteriores de Machado - mesmo que os leitores, quase em silenciosa reverência, estivessem convic tos de seus conspícuos méritos. O segredo da grandiosidade desse romance - um daqueles segredos que, por serem tão óbvios, se mantêm segredo - está precisamente no seu enre do; o uso que M achado faz do memorial, com diversos enfo ques, transforma o autor (o conselheiro Aires) no verdadeiro herói, não a jovem moça apaixonada. Este herói leva uma vida descansada; seus pensamentos comandam seus senti mentos íntimos e a aparência externa que encontramos. Ai res acredita possuir uma disposição especialmente benigna e alegre: “ N ão odeio nada nem ninguém, - perdono a tutti, como na ópera.” Ao passo que seus deveres profissionais lhe haviam exigido que não confiasse implicitamente nos outros, agora Aires gostaria de acreditar na honestidade de todos; na maior parte dos casos, pode dar-se ao luxo de o fazer.
Quando eu era do corpo diplomático efetivo não acre ditava em tanta coisa junta, era inquieto e desconfiado; mas, se me aposentei, foi justamente para crer na since ridade dos outros. Que os efetivos desconfiem!
A princípio, a perspectiva que lhe dá sua vida serena parece pôr tudo e todos - conforme variadas circunstâncias - a uma certa distância. Até mesmo os seus próprios impul sos e reações espontâneas são vividos por Aires com tal afastamento que só raramente ele se sente inclinado a segui- -los. É precisamente com essa atitude que ele ganha centra- lidade no palco da intriga. Sua irmã Rita - único parente vivo do narrador - é uma viúva que vive feliz e em paz com sua vida e com o mundo em que se move. Escreve a Aires para pedir-lhe que a perdoe por não ir visitá-lo no dia do aniversário do seu regresso ao Rio e sugere irem juntos no dia seguinte visitar a tumba da família - “ dar graças pelo seu regresso” . A linha seguinte, onde se expressa a reação de Aires, condensa seu caráter, na realidade muito comple xo: “ N ão vejo necessidade disso, mas respondi que sim.”
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Tudo no diário de Aires fica distanciado - também no sentido espacial. Embora tenhamos apenas algumas pistas sobre os lugares onde ele representou seu país, suas atividades profis sionais não o teriam levado muito longe. Os dramáticos even tos políticos do Rio de Janeiro durante os anos registrados no diário - 1888 e 1889, quando se aboliu a escravidão e foi fundada a República do Brasil - ficam também apenas em segundo plano. Em certo ponto, um antigo colega convida Aires para uma reunião política. Depois de refletir um pouco, Aires declina o convite, pois sente que deve isso ao seu caráter e à sua anterior profissão: “ Os meus hábitos quietos, os cos tumes diplomáticos, a própria índole e a idade me retiveram melhor que as rédeas do cocheiro aos cavalos do carro, e re cusei.” Sobretudo existe uma distância entre Aires e o mundo que Tristão abandona pelo Rio de Janeiro, e a que o jovem
regressará. É o mundo europeu do pensamento afetado e da política do pós-romantismo. Esse ambiente ecoa nos sons suntuosos da ópera, que aproximam Tristão e Fidélia junto ao piano da casa de seus pais adotivos (assim cumprindo a pro messa implícita nos seus nomes). Ao mesmo tempo, porém, essa distância do mundo da Europa - e, mais que tudo, a consciência sempre presente de que ela ocupa o centro das coisas - é o que mantém as personagens afastadas da cultura colonial. Aliás, como vem do continente, Tristão é o único que acredita ter alguma coisa de apropriado a dizer sobre tudo o que vive e sente. É Tristão que sempre fala ao capricho so Aires das atmosferas “elegíacas” e da melancolia. Apesar disso, poderemos mesmo crer nessas palavras e nas suas ope- rísticas promessas quando o próprio nome Tristão parece tão desajustado? Ali está um jovem determinado, absolutamente incapaz de sentir tristeza - do mesmo modo que Fidélia (a “ fiel” ), sua futura esposa, quase não hesita em esquecer todos os votos de lealdade eterna prometidos a seu defunto marido.
Contrário ao mundo diplomático que Aires deixou para trás, o aqui-e-agora da sua vida de aposentado e do seu di ário é o mundo do Rio de Janeiro e arredores pós-coloniais: partes da cidade, como o Flamengo e Botafogo, e cidades-sa- télite, como Petrópolis e Niterói. M as Aires nunca descreve as paisagens vibrantes da cidade, e não há uma única palavra que nos permita imaginar como é a casa onde ele escreve todas suas observações. Num dado ponto, sua irmã pede-lhe “ informações de um leiloeiro” . Com isso, ela provoca o úni co momento em que Aires - com surpreendente intensidade de sentimentos - tenta instalar uma distância reconfortante entre ele mesmo e os pensamentos da sua própria morte:
Que sei eu de leiloeiros ou de leilões? Quando eu mor rer podem vender em particular o pouco que deixo,
com abatimento ou sem ele, e a minha pele com o resto; não é nova, não é bela, não é fina, mas sempre dará para algum tambor ou pandeiro rústico.
Conforme aquilo que Aires registra em seu diário, pode mos nos sentir mais ou menos preparados para a viagem através da intriga do romance. Aires é, de maneira muito específica, um “ narrador não confiável” . E possível consi derar seriamente cada palavra do romance como honesta expressão do personagem principal, mas esse personagem não escreve com regularidade. As entradas do diário às ve zes começam com a indicação de dia e mês; outras vezes, só é mencionado o dia da semana; e por vezes só a hora do dia aparece, sem outra informação. Entre algumas entradas há longos hiatos de tempo, e Aires sublinha vez ou outra que tais espaços resultam de estados emocionais e físicos distin tos - e não do lento decorrer dos próprios acontecimentos.
9 de junho. Este mês é a primeira linha que escrevo
aqui. Não tem sido falta de matéria, ao contrário; falta de tempo também não; falta de disposição é possível. Agora volta. A matéria sobra.
Ou, um pouco mais dramático, já no final do livro:
Sem data. Já lá vão dias que não escrevo nada. A prin
cípio foi um pouco de reumatismo no dedo, depois visi tas, falta de matéria, enfim preguiça. Sacudo a preguiça. Mesmo quando o diarista encontra um ritmo, consegue ser ou doloroso ou espantosamente lento. Aires volta mui tas vezes a entradas anteriores e sempre faz revisões, co mentários, interpretações:
21 de março. Explico o texto de ontem. Não foi o
medo que me levou a admirar o espírito de D. Cesária,
os olhos, as mãos, e implicitamente o resto da pessoa. Já confessei alguns dos seus merecimentos. A verdade,
porém, é que o gosto de dizer mal não se perde com elogios recebidos, e aquela dama, por mais que eu lhe ache os dentes bonitos, não deixará de mos meter pe las costas, se for oportuno. Não; não a elogiei para desarmá-la, mas para divertir-me, e o resto da noite não passei mal.
M as há algo ainda mais desconcertante do que a irregu laridade das entradas ou a lentidão do narrador (que nos exigem paciência) - há algo desconcertante no sentido filo sófico. Por vezes, Aires observa que escreve mesmo quando não há nada na sua vida que mereça registro:
13 de julho. Sete dias sem uma nota, um fato, uma re
flexão; posso dizer oito dias, porque também hoje não tenho o que apontar aqui. Escrevo isto só para não per der longamente o costume. Não é mau este costume de escrever o que se pensa e o que se vê, e dizer isso mesmo quando se não vê nem se pensa nada.
Neste ponto, o autor ficcional de Memorial de Aires encontra-se com o verdadeiro escritor Flaubert, que, na sua correspondência com a amada, cunhou a famosa expressão “ um livro sobre nada” - um livro que não dependeria nem de intriga nem sequer de referência com a realidade. O ro mance de Machado - isto é, o diário do autor ficcional Ai res - parece muitas vezes “ vazio” precisamente nesse senti do. N o entanto, e ao contrário de Flaubert, que sonhava com “ um livro sobre nada” enquanto desafio estético, Ai res parece sugerir que a escrita regular - mesmo a escrita que seja sobre nada e que não tenha uma direção clara (como se vagueasse) - pode dar forma à nossa existência:
Estou cansado de ouvir que ela vem, mas ainda me não cansei de o escrever nestas páginas de vadiação. Cha mo-lhes assim para divergir de mim mesmo. Já chamei a este memorial um bom costume. Ao cabo, ambas as opiniões se podem defender, e, bem pensado, dão a mes ma coisa. Vadiação é bom costume.
Uma e outra vez, Aires demonstra com grande habilida de que é capaz de dar forma ao curso lento de seus dias e, mais do que isso, às maneiras que tem de pensar nisso. Há ainda outro sentido - parece-me que mais agressivo - de “ nada” no texto que o narrador compõe sobre sua vida; é um sentido mais forte do que o “ nada” do não-referir-se- -ao-mundo. Tal como sua irmã e Fidélia haviam perdido seus maridos, Aires também perdera a esposa. Porém, seu túmulo fica muito longe - na Europa. E, ao contrário dos Aguiar, Aires não tem filhos, sequer adotivos:
Eu tenho a mulher embaixo da terra de Viena e ne nhum dos meus filhos saiu do berço do Nada. Estou só, totalmente só. Os rumores de fora, carros, bestas, gentes, campainhas e assobios, nada disto vive para mim. Quando muito o meu relógio de parede, batendo as horas, parece falar alguma coisa, - mas fala tardo, pouco e fúnebre.
}J- 5[- íf-
Apesar da calma impiedosa do narrador para consigo mes mo, Memorial de Aires também é um romance que fala com ternura das ilusões perdidas - isto é, ilusões em que Aires e os Aguiar nunca chegaram a acreditar completamente. Aires vê a linda Fidélia pela primeira vez ao visitar o cemitério, no começo do livro. Ele diz a sua irmã que o nome de Fidélia
dificilmente a impedirá de contrair novo matrimônio. Rita provoca-o, dizendo que talvez ele mesmo possa pôr termo à viuvez dela. Descontada a diferença de idades, tal união se ria possível nos escalões mais elevados da sociedade nos fi nais do século X IX , especialmente nas colônias. Aires chega mesmo a alimentar essa ideia - à qual a irmã não se referira muito a sério (e depressa esquece) - assim que é apresentado a Fidélia na casa de seus pais adotivos. Mesmo quando re conhece, em parte, o seu fascínio, ele ainda insiste em que apenas está interessado na personalidade da jovem viúva. Desabafando com as páginas do seu diário, o solitário ob servador do mundo - e de si mesmo - diz:
Escuta, papel. O que naquela dama Fidélia me atrai é principalmente certa feição de espírito, algo parecida com o sorriso fugitivo, que já lhe vi algumas vezes. Que ro estudá-la se tiver ocasião. Tempo sobra-me...
Algumas páginas adiante, Aires imagina que Fidélia vai a sua casa perguntar-lhe se deverá ficar para sempre sozi nha; ele concede que ela não terá sido feita para a viuvez; e, como por magia, ela confessa que tem pensado nele para futuro marido.
N a sua solidão, demora até que Aires “perceba” final mente que aquilo não passa de um sonho - um sonho “ en graçado” , agora podemos dizer. Ele retoma o controle das suas emoções - ao menos por um instante - dizendo para si mesmo que a linda Fidélia continuará viúva. Seja como for, Aires sente que sua mudança de atitude foi causada ou por inveja ou por ciúme. Quando, mais tarde, Tristão entra fi nalmente na história, Aires tem menos folga para especular e perde a capacidade de acalentar as racionalizações que poderiam ajudá-lo a preservar seu modo calmo de viver. Alguns dias antes de Tristão pedir Fidélia em casamento
(mas sem ter garantia de que ouviria um “ sim” como res posta), Aires admite que não consegue ser totalmente ho nesto consigo mesmo:
Aires amigo, confessa que, ouvindo do moço Tristão a dor de não ser amado, sentiste tal ou qual prazer, que aliás não foi longo nem se repetiu. Tu não a queres para ti, mas terias algum desgosto em a saber apaixonada dele; explica-te se podes; não podes.
Graças a essas “ conversas” , Aires poupa-se a necessidade de admitir as esperanças que teria de uma união com Fi délia: afinal, ele nunca se permitiu sequer pensar que essa esperança poderia ter existido. Todos estão bem cientes da impossibilidade de suprimir o sentimento de perda em situações como essa, que intuímos na dor de Aires, em cada uma das palavras que ele usa para nos dizer que não sente nenhuma dor. N a posição que ele ocupa, é-lhe mui to mais simples reconhecer a perda pela qual passam os seus amigos Aguiar. Em última análise, o nome “ T ristão” - nome de um homem que, afinal de contas, está sempre feliz - ganha todo o sentido porque Tristão é aquele que inflige a ferida nos seus pais adotivos - ferida que só se cura quando eles morrem.
Desde o momento em que Fidélia e Tristão anunciam que partirão para Portugal, Dona Carmo e o seu marido parecem perceber que a sua “vida familiar” terminará em breve. N a última cena do romance, na derradeira entrada do diário (“sem data” ), Aires entra na casa dos amigos por uma porta que ficara aberta. Como, de longe, consegue perceber a tristeza deles, decide não lhes falar. Esse último
relance do olhar e as duas últimas frases fixam a tristeza dos Aguiar numa imagem belíssima:
Ao transpor a porta para a rua, vi-lhes no rosto e na ati tude uma expressão a que não acho nome certo ou claro; digo o que me pareceu. Queriam ser risonhos e mal se podiam consolar. Consolava-os a saudade de si mesmos. Aires acredita que vê o esforço de seus amigos para sor rir e para parecerem alegres. M as, na verdade, o que os consola é “ a saudade de si mesmos” . A meu ver, uma leitu ra correta - mesmo se um pouco problemática, em termos gramaticais - deveria fazer corresponder às últimas pala vras a expressão “ a solidão deles” ; ou seja, os Aguiar acham “ conforto na própria solidão” . Porém, o sentido da palavra saudade é mais complicado do que sugere sua raiz latina, solitudo. Acima de tudo, saudade refere-se a um an siar por uma condição passada que se tornou irrecuperável para sempre. Se tomarmos esse sentido mais complexo como nosso ponto de partida, poderemos reescrever assim a última frase do Memorial: “ O que lhes dava consolo era a lembrança da felicidade passada - felicidade que sabiam perdida para sempre.” Ou poderíamos afirmar, alternativa mente, sob a forma de um paradoxo existencial: “ O que os consolava era perceber que eles mesmos e as suas vidas es tavam perdidos para sempre.” A memória de um passado feliz, combinada com a consciência da perda presente e fu tura, em experiência simultânea, dá à dor dos Aguiar uma forma que Aires observa encarnada na aparência dos dois: “Ao fundo, à entrada do saguão, dei com os dois velhos sentados, olhando um p ara o outro. Aguiar estava encos tado ao portal direito, com as mãos sobre os joelhos. Dona Carmo, à esquerda, tinha os braços cruzados à cinta.” E difícil dizer o que, exatamente, achamos de belo nessa
imagem - a forma que assume a tristeza dos Aguiar. Não farei especulações psicológicas, que são sempre banais. Certo é que Machado dá aos leitores a possibilidade de ver na dor das suas personagens algo de belo - e nisso nada há de cínico, pois essa beleza só aparece aos leitores se eles se identificarem com a dor das personagens.
N os dias de hoje, quem quiser discutir um autor periférico à cultura ocidental vê-se forçado a assegurar ao público que a parte em questão conseguiu atingir a mesma catego ria intelectual e estética de seus contemporâneos europeus.