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4.4. Técnicas e instrumentos de recolha de dados

4.4.3. A entrevista semiestruturada

A escolha deste instrumento de recolha de dados prendeu-se com o facto de propiciar a descrição do fenómeno a estudar e a recolha das opiniões complexas e diversificadas dos participantes num estudo. Escolher a entrevistasignifica optar pelo estabelecimento de um contacto direto com as pessoas no sentido de recolher informações (Blanchet & Gotman, 1992; Brinkmann, 2008).

Foddy (1996) refere que “fazer perguntas é normalmente aceite como uma forma rentável (por vezes única) de obter informações sobre comportamentos e experiências passadas, motivações, crenças, valores e atitudes, enfim, sobre um conjunto de variáveis de foro subjectivo não directamente mensuráveis” (p. 1). Amado e Ferreira (2014) apontam neste mesmo sentido, considerando que a entrevista “permite um acesso aos discursos dos indivíduos, tal como estes se expressam, ao não-observável: opiniões, atitudes, representações, recordações, afetos, intenções, ideais e valores, que animam uma pessoa a comportar-se de determinado modo” (pp. 211-212). Seguindo esta mesma ideia, Van Der Maren (2004) refere que a entrevista tem como objetivo a obtenção de informações sobre as perceções, os estados afetivos, os julgamentos, as opiniões, as representações dos indivíduos.

Numa entrevista, damos voz ao outro com o objetivo de conhecer melhor o seu pensamento, as suas vivências, a sua singularidade, ou seja, tentar compreendê-lo holisticamente. Patton (2002) considera a entrevista como valiosíssima nesta compreensão do pensamento do outro, questionando: de que outra forma podíamos entrar na perspetiva de um indivíduo? Segundo este autor, “we cannot observe feelings, thoughts, and intentions. We cannot observe behaviors that took place at some previous point in time (…) We have to ask people questions about those things” (p. 341) e daí a necessidade de perguntar, de estabelecer um contacto face-a-face, de entender o outro. Ou seja,

the purpose of interviewing, then, is to allow us to enter into the other person’s perspective. Qualitative interviewing begins with the assumption that the perspective of others is meaningful, knowable, and able to be made explicit. We interview to find out what is in and on someone else’s mind (p. 341).

As características apontadas fazem com que na investigação em Ciências Sociais, a entrevista seja uma técnica muito usada, ou mesmo a mais usada (Moreira, 2007, Brinkmann, 2008). Bell (2008) justifica esse uso através daquilo que considera ser a sua mais valia: “A grande vantagem da entrevista é a sua adaptabilidade. Um entrevistador habilidoso consegue explorar determinadas ideias, testar respostas, investigar motivos e sentimentos” (p. 118). Blanchet e Gotman (1992) consideram que “l’entretien est un parcours” (p. 22), salientando o papel fulcral do entrevistador, pois “l’interviewer dresse la carte au fur et à mesure de ses déplacements” (ibid.).

Quando numa investigação se opta pela entrevista para a recolha de dados empíricos tal significa que nos interessa uma informação mais rica e aprofundada expressa nos discursos dos entrevistados, já que a entrevista visa a obtenção de respostas completas, detalhadas e em profundidade – representações sociais, crenças, valores, vivências, interessando, sobretudo, o ponto de vista dos sujeitos, o seu discurso sobre determinado assunto ou acontecimento. Morgado (2012) aponta neste mesmo sentido: “as entrevistas permitem obter material pertinente para compreender, ou mesmo, justificar, não só os discursos dos atores mas também algumas atitudes e comportamentos que assumem nos seus contextos de trabalho” (p. 74). E daí que, Ferreira e Formosinho (2000) considerem as entrevistas como “práticas discursivas” (p. 66), constituindo-se como estruturantes e “como instâncias de explicitação da experiência reflectida dos actores e dos investigadores” (Id., ibid.).

Contudo, tal como Kvale e Brinkmann (2009) referem, a entrevista vai mais além de uma conversa vulgar, tem um objetivo muito bem definido e baseia-se em questões concretas, com uma estrutura previamente definida e com a finalidade de obter informações. Daí a necessidade de olharmos a entrevista como um diálogo, uma conversa, mas construídos, ou seja, ocorre numa situação produzida (e não natural) entre duas ou mais pessoas (Kvale, 1996), na qual um investigador e um (ou mais) participante iniciam uma conversação focalizada em questões relativas a um tópico concreto (Id., ibid.).

Durante a realização da entrevista alguns cuidados devem ser observados, pois as boas entrevistas “caracterizam-se pelo facto de os sujeitos estarem à vontade e falarem livremente sobre os seus pontos de vista” (Bogdan & Biklen, 1994, p. 136).

Tuckman (1994) alerta-nos para alguns procedimentos a ter em conta quando se realizam entrevistas, nomeadamente a apresentação, aos entrevistados, dos objetivos e a natureza da entrevista, a necessidade de solicitar o seu consentimento para a sua gravação e o dever de acautelar a influência que poderá ter sobre as respostas dadas pelo entrevistado. O investigador deve, então, possuir uma postura empática, aproveitando os silêncios para dirigir o rumo da conversa para os tópicos que interessam e jamais julgar o entrevistado pois “ao pedir a alguém que partilhe parte de si próprio, é importante que não o avalie, para não o fazer sentir diminuído” (Bogdan & Biklen, 1994, p. 137). Além disso, e tendo em conta que a entrevista é um encontro entre dois ou mais sujeitos (Blanchet & Gotman, 1992), tendo como principal característica constituir-se como um ato de fala, ou um speech event, segundo Labov e Fanshel (1977), em que um sujeito A pretende extrair uma informação do sujeito B, as regras de cortesia e de etiqueta, não podem nunca ser esquecidas pelo entrevistador (Valles, 2007), “because the objects of inquiry in interviewing are humans, extreme care must be taken to avoid any harm to them” (Fontana & Frey, 2005, p. 715).

Ao investigador pede-se, também, que evite a parcialidade nas questões que coloca e nas interpretações que realiza, já que a procura da objetividade deve nortear a entrevista, apesar de tal como referem Fontana e Frey (2005) esta objetividade ser muito relativa, pois “interviewing is not merely the neutral exchange of asking questions and getting answers. Two (or more) people are involved in this process and their exchanges lead to the creation of a collaborative effort called the interview” (p. 696).

Aliás, um dos inconvenientes que Cohen e Manion (1990) apontam a este instrumento de recolha de dados é precisamente a subjetividade tantas vezes imputada ao investigador, nomeadamente na elaboração das questões e nos processos de transcrição e de análise. Contudo, acrescentamos que o entrevistador não pode ignorar os elementos contextuais, societais e interpessoais presentes em qualquer contexto de entrevista. Parafraseando Fontana e Frey (2005) “each interview context is one of interaction and relation and the result is a much a product of this social dynamic as it is the product of accurate accounts and replies” (p. 699).

Em relação aos tipos de entrevistas, Erlandson, Harris, Skipper e Allen (1993) consideram que “may take a wide variety of forms, including a range from those that are very focused or predetermined to those that are very open-ended” (p. 86).

Fontana e Frey (2005) acrescentam que:

Interviewing includes a wide variety of forms and a multiplicity of uses. The most common form of interviewing involves individual, face to-face verbal interchange, but interviewing can also take the form of face-to-face group interchange and telephone surveys. It can be structured, semistructured, or unstructured (p. 698).

Nesta investigação, e tendo em conta os diversos tipos de entrevista, optamos pela entrevista semiestruturada, ou semidiretiva, (Erlandson, Harris, Skipper & Allen, 1993; Bogdan & Biklen, 1994; Valles, 2002; Quivy & Campenhoudt, 2003; Flick, 2004a; Schmidt, 2004; Afonso, 2005; Fontana & Frey, 2005; Cohen, Manion & Morrison, 2007; Moreira, 2007; Flick, 2007a; Valles, 2007; Merriam, 2009). Vários autores apontam como grande vantagem deste tipo de entrevistas a liberdade que permite ao entrevistador, não implicando uma rígida formulação de questões nem uma determinada ordem a seguir na formulação das mesmas, nomeadamente, Erlandson et al. (1993), para quem a entrevista mais comum é a “semistructured interview that is guided by a set of basic questions and issues to be explored, but neither the exact wording not the order of questions is predetermined” (p. 86).

Morgado (2012) assinala que “no que se refere ao estudo de caso, as entrevistas semiestruturadas são muito utilizadas, uma vez que, sem coartar a possibilidade de imprimir alguma diretividade ao processo, garantem uma confortável margem de liberdade aos inquiridos” (p. 74).

Amado e Ferreira (2014) referem que neste tipo de entrevista “as questões derivam de um plano prévio, um guião onde se define e regista (…) o essencial do que se pretende obter” (p. 208). Assim, este tipo de entrevista caracteriza-se por ser conduzida seguindo um guião “construído a partir das questões de pesquisa e eixos de análise do projeto de investigação. A sua estrutura típica tem um carácter matricial, em que a substância da entrevista é organizada por objectivos, questões e itens ou tópicos” (Afonso, 2005, p. 99).

O guião de entrevista “resulta de uma preparação profunda para a entrevista55

(Amado & Ferreira, 2014, p. 214) e “à construção deste instrumento deve presidir a

preocupação por não fazer dele um questionário, mas sim um referencial organizado de tal modo que permita obter o máximo de informação com o mínimo de perguntas” (Id., ibid.). Também Blanchet e Gotman (1992) referem que o guião de entrevista deve organizar a interrogação, mas não o discurso, servindo de apoio ao investigador. Este guião surge, então, como um instrumento orientador, pois apesar de não implicar que o investigador tenha as perguntas previamente elaboradas ou que tenha que seguir uma ordem antecipadamente definida (Kvale, 1996), revela-se, na realidade, uma preciosa ajuda durante o desenrolar da entrevista, possibilitando, simultaneamente, uma grande flexibilidade na ação do entrevistador e permitindo que as mesmas questões (abertas) possam ser colocadas a todos os entrevistados. Neste sentido, recordamos o que nos dizem Morgan e Guevara (2008):

the interview guide typically contains a general framework for the interview, but the researcher also has the freedom to pursue the questions in a different order and to allocate more time to some questions than to others depending on what is most appropriate for discussing the research topic with each individual participant (p. 469),

e seguindo a mesma linha de ideias, parafraseamos Patton (2002):

an interview guide is prepared to ensure that the same basic lines of inquiry are pursued with each person interviewed. The interview guide provides topics or subject áreas within which the interviewer is free to explore and ask questions that will elucidate and illuminate that particular subject (p. 343).

Foram as características acabadas de elencar, que nos levaram a optar pela entrevista semiestruturada por nos parecer ser o tipo de entrevista que melhor serviria os objetivos do estudo, tendo em conta que nos interessava conhecer opiniões, perceções e entendimentos dos participantes sobre um tema concreto.

Na elaboração dos guiões das entrevistas, foram tidas em conta as funções dos entrevistados no agrupamento de escolas estudado, i. e., elaboramos um guião para a entrevista com a diretora (vd. Anexo II), um guião para a entrevista com os coordenadores (vd. Anexo III) e um guião para o focus group (vd. Anexo IV), sendo, no entanto, constituídos pelas mesmas dimensões e por categorias muito semelhantes, o que obrigou à predefinição de itens, sem, contudo, implicar uma formulação rígida de questões, servindo de orientação, de forma a garantir que as questões colocadas a todos os entrevistados fossem semelhantes. Na elaboração desses guiões tivemos, ainda, em conta os objetivos da pesquisa, explicitados na Introdução desta tese, e todas as questões para as quais procurávamos uma resposta.

Antes da concretização das entrevistas, procedemos à realização de duas entrevistas- piloto com o objetivo de perceber se seria, ou não, necessário proceder a reajustes nos guiões elaborados para a diretora e para os coordenadores. Como as questões foram entendidas e consideradas de fácil perceção, mantiveram-se os guiões iniciais.

Como se pode verificar nos guiões (vd. anexos I, II e III) considerámos como primeira dimensão a caracterização dos participantes no estudo, com vista a conhecer o seu perfil pessoal, académico e profissional. A segunda dimensão incidiu na conceção sobre supervisão pedagógica, em que pretendíamos identificar as perceções sobre liderança e supervisão pedagógica. Interessava-nos, igualmente, conhecer a caracterização das práticas de supervisão no agrupamento e daí tê-la considerado como a terceira dimensão. Como quarta dimensão, referimos a contribuição da supervisão pedagógica para o desenvolvimento profissional docente, tendo como objetivo analisar como a supervisão pedagógica contribui para o desenvolvimento profissional docente no agrupamento. Como quinta, e última, dimensão, considerámos as práticas inovadoras de supervisão implementadas no agrupamento, apresentando como objetivo evidenciar práticas inovadoras de supervisão implementadas no agrupamento.