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Muitos foram os modelos de supervisão pedagógica que ao longo dos tempos foram implementados nas escolas. Se recuarmos aos primórdios do século XX, assistimos ao nascimento da teoria científica que defendia o racionalismo e a supervisão científica como um meio de controlar o desempenho dos docentes justificado como uma forma de, segundo as palavras de Smyth (1991), “ensuring that incompetente teachers are removed from schools, that wastage of educational resources is eliminated and that, in the process, schools produce ‘outputs’ that slot neatly into industry and improve national economic performance” (p. xi).

32 A supervisão clínica teve origem nos Estados Unidos, quando Morris Cogan (1973) publicou a obra “Clinical Supervision”, um trabalho influente e que praticamente redefiniu o campo da supervisão, sugerindo que supervisor e professor deviam constituir-se como parceiros, deixando de lado a relação hierárquica anterior, de forma a estudarem juntos a sala de aula. A supervisão clínica pedia aos supervisores que abandonassem as abordagens tradicionais focalizadas na crítica e na inspeção, adotando, ao invés, uma postura de investigação, reflexão e colaboração. Em Portugal, foi Isabel Alarcão quem introduziu a ideia de supervisão clínica.

Desde esse período, em que o principal objetivo da supervisão incidia na avaliação e na otimização do trabalho dos professores33, através de investigações e aplicação de fórmulas matemáticas, em que eram definidos objetivos muito concretos para professores e o papel do supervisor consistia em medir o seu desempenho, aplicando medidas de remediação ou despedindo aqueles cujo desempenho fosse considerado mau, através da utilização de escalas de avaliação que se consideravam ser objetivas, precisas e quantificáveis, deixando de lado a opinião pessoal do supervisor para assim se conseguir uma análise impessoal, até à “supervisão interpares, colaborativa, horizontal” (Alarcão & Roldão, 2010, p. 19), um longo caminho tem sido percorrido, e continua, ainda, a sê-lo.

No quadro 2.2.1, podemos verificar a evolução histórica do tipo de supervisão realizada ao longo dos tempos, dos objetivos a alcançar e quais os responsáveis pela implementação dessas práticas supervisivas. E, apesar de se constituir mais como uma realidade de países anglo-saxónicos, não deixa de ter alguma relevância no estudo da supervisão pedagógica, pois permite-nos daí retirar algumas ilações. Com efeito, mesmo atendendo à relevância dada às ações de inspeção e avaliação, constata-se uma nítida preocupação, a partir do século XIX, com o desenvolvimento dos professores, de forma a melhorar os seus níveis de proficiência e, desta forma, a qualidade do processo de ensino e aprendizagem. Outro fator relevante prende-se com a evolução do tipo de supervisão realizada e da ênfase dada, a partir da década de 50, do século passado, às relações humanas, desaparecendo o carácter inspetivo que dá lugar à colaboração interpares e a uma humanização das funções inspetivas.

Quadro 2.2.1 – Principais períodos do desenvolvimento histórico da supervisão

PERÍODO TIPO DE SUPERVISÃO OBJETIVOS RESPONSÁVEIS

1620-1850 Inspeção Regras de monitorização,

busca de deficiências.

Pais, clérigos, pessoas selecionadas, comités de cidadãos. 1850-1910 Inspeção, desenvolvimento instrutivo. Regras de monitorização, ajudar os professores a melhorarem. Diretores supervisores, diretores, supervisores especiais e centrais da administração central, superintendentes.

1910-1930 Científica e burocrática Melhorar a instrução e a eficiência.

Diretores e supervisores da administração central.

1930-1950 Relações humanas, Melhorar a instrução. Diretores e

33 Já aqui referimos que em Portugal a implementação de uma supervisão pedagógica se confinou ao início de carreira dos docentes (formação inicial e período probatório) e daí que estes modelos não tenham tido uma grande tradição de implementação no nosso país.

democrática superintendentes.

1950-1975

Burocrática, científica, clínica, relações humanas, recursos humanos, democrática. Melhorar a instrução Diretores e supervisores da administração central, supervisores da escola. 1975-1985

Científica, clínica, relações humanas, recursos humanos,

colaborativa/colegial/ pares, orientador, mentor, artística, interpretativa.

Melhorar a instrução, aumentar a satisfação dos professores, expandir a perceção dos alunos dos eventos/acontecimentos de sala de aula. Diretores e supervisores da administração central, supervisores da escola, colega/ orientador/ mentor. 1985 até ao presente

Científica, clínica, relações humanas, recursos humanos, colaborativa, pares, orientador/ mentor, artística, interpretativa, responsável culturalmente e ecológica

Melhorar a instrução, aumentar a satisfação dos professores, expandir a perceção dos alunos dos eventos/acontecimentos de sala de aula, analisar padrões culturais e linguísticos na sala de aula.

Supervisores da escola, colega/ orientador/ mentor.

Adaptado de Pawlas e Oliva, 2008, p. 5

De facto, durante muito tempo supervisão pedagógica e avaliação de professores foram entendidas como sinónimos e, segundo Nolan e Hoover (2011) “the struggle to understand the relationship between supervision and evaluation is not new. The problema has his roots in the history of school supervision” (p. 1).

Todavia, hoje parece ser consensual que a supervisão pedagógica se dirige, antes de mais, à aprendizagem e ao ensino (Alarcão, 2008), e daí que “os critérios e a apreciação da qualidade não são impostos de cima para baixo numa perspectiva de receituário acriticamente aceite pelos professores, mas na interação entre o supervisor e os professores” (p. 12). Além disso, e ainda parafraseando Alarcão (Ibid.):

embora a tónica seja colocada na relação ensino-aprendizagem, convém ter presente que esse processo ocorre no ambiente institucional escolar, pelo que nem o supervisor nem os professores podem se circunscrever ao que acontece na sala de aula, pois a sala de aula funciona como um microcosmos de um universo mais amplo, constituído pela escola e pela comunidade (pp. 12-13).

E, efetivamente, não podemos descurar esse universo amplo que é a escola, enquanto organização que aprende e se desenvolve num continuum e em simultâneo com os seus profissionais.

Nas últimas décadas, a forma como a profissionalidade docente34 e a própria instituição escola começaram a ser olhadas levaram ao surgimento de modelos de

34 Darling-Hammond e Sclan, já em 1992, chamavam a atenção para o facto de a legislação e as políticas daí resultantes refletirem a visão de os professores se constituírem como uma parte fundamental da equação educativa e as suas competências serem uma componente crucial para a qualidade da educação, contudo, as

supervisão pedagógica com menor preocupação na objetividade e na avaliação do professor e mais centrados no crescimento das instituições e dos seus profissionais, na colaboração e nas relações interpessoais. Neste sentido, “as novas tendências supervisivas apontam para uma concepção democrática de supervisão” (Alarcão & Roldão, 2010, p. 19), através da implementação de estratégias que evidenciam a “reflexão, a aprendizagem em colaboração, o desenvolvimento de mecanismos de auto-supervisão e auto- aprendizagem, a capacidade de gerar, gerir e partilhar o conhecimento, a assunção da escola como comunidade reflexiva e aprendente” (p. 19). Daí que a dimensão prática- reflexiva e a figura do supervisor como um colega, colaborador que “orienta, apoiando, questionando e disponibilizando-se para ajudar outro colega” (Alarcão, 2008, p. 18), acabam por se tornar fundamentais. Mas, igualmente fundamentais em todo este processo surgem os líderes escolares a quem se pede uma “capacidade de liderança mobilizadora de vontades e ideias partilhadas e a efetiva gestão de serviços e recursos” (Alarcão, 2001, p. 12).

O quadro 2.2.2 mostra, de uma forma muito clara, a forma como se processou a evolução da supervisão pedagógica nos últimos anos, no contexto português.

Quadro 2.2.2 – A evolução da supervisão pedagógica

A EVOLUÇÃO DA SUPERVISÃO PEDAGÓGICA

DE PARA

Da formação de professores à formação de outros profissionais Da formação inicial à formação ao longo da vida De uma relação hierarquizada a uma relação colaborativa De uma orientação normativa a uma orientação reflexiva

De uma atitude fiscalizadora a uma perspetiva de desenvolvimento Do olhar sobre a técnica à consideração da atitude crítica Da supervisão punitiva à supervisão prudencial

Da mera classificação à avaliação formativa

reformas implementadas adotavam frequentemente uma visão burocrática do ensino, deixando para trás a profissionalidade docente.

Da avaliação de comportamentos à análise de competências

Do feedback unidirecional ao feedback colaborativo e interativo De uma supervisão vertical à autossupervisão e à supervisão horizontal Da consideração da atividade em si à relação pessoa/atividade/contexto De uma atitude passiva dos

profissionais a uma atitude questionante, transformadora Da microcontextualização à multicontextualização ecológica

Da sala de aula à escola

Da prática ocasional da supervisão à prática sistemática Da qualidade do produto

contextualizado

ao processo da sua consecução e sua relação com a qualidade

Adaptado de Alarcão e Canha (2013, pp. 37-38)

Em síntese, em todo o percurso da supervisão constatamos uma ampliação da sua área de influência, uma reconceptualização do conceito estendido ao desenvolvimento profissional e à escola. O enfoque dá-se igualmente no desenvolvimento profissional dos que já são profissionais e se encontram em ambiente de formação contínua, em contexto de trabalho, considerando-se uma orientação mais colaborativa, menos hierárquica e transformadora. Recordamos, aqui, a conceção de supervisão para Pawlas e Oliva (2008):

Supervision (…) is conceived as a service to teachers, both as individuals and in groups. To put it simply, supervision is a means of offering to teachers, in a collegial, collaborative, and professional setting, specialized help in improving instruction and thereby student achievement (p. 11).

E, Glanz e Heimann (2018) que encaram a supervisão

as an ongoing process of engaging teachers in instructional dialogue for the purpose of enhancing reflection about teaching and student learning to modify teaching practices aligned with increasing student achievement. (p. 356)

Alarcão e Tavares (2007) consideram que “idealmente todos deveriam ser auto e hetero-supervisores e potencialmente todos o serão, mas é conveniente, pelo menos no momento em que ainda vivemos, que existam membros do corpo docente com funções supervisivas específicas” (p. 145). A questão que colocamos é quem desempenhará estas funções supervisivas? E, não serão aqui entendidas igualmente como uma forma de avaliação? Com efeito, estes membros do corpo docente podem ser encarados dessa forma e a sua ação nem sempre ser muito bem compreendida e aceite pelos restantes professores.

Reconhecemos que a ação de melhorar o nível de instrução de um professor ou de uma escola surge como um problema para o qual não existe uma só solução, devendo, por isso, ser encarado de diferentes formas. E, à supervisão pedagógica cabe precisamente esse papel: garantir que se encontram essas diferentes vias (Glickman, 1985).