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Para além da já citada definição que Bogdan e Biklen (1994) nos proporcionam sobre o que é um estudo de caso, vários autores debruçaram-se sobre este assunto, surgindo, assim, outras explicações sobre este design de investigação. Aliás, inúmeros autores consideram que uma só explicação do que é um estudo de caso é algo difícil de alcançar mercê das inúmeras investigações surgidas sob o nome de estudos de caso (Afonso, 2005; McMillan & Schumacher, 2005, Merriam, 2009; Morgado, 2012; Amado & Freire, 2014;

Punch, 2014; Simons, 2014). A este propósito trazemos à liça a seguinte definição de Bassey (1999), que consideramos bastante completa e abrangente:

Um estudo de caso em educação é uma pesquisa empírica conduzida numa situação circunscrita de espaço e tempo, ou seja, é singular, centrada em facetas interessantes de uma atividade, programa, instituição ou sistema, em contextos naturais e respeitando as pessoas, com o objetivo de fundamentar juízos e decisões dos práticos, dos decisores políticos ou dos teóricos que trabalham com esse objetivo, possibilitando a exploração de aspetos relevantes, a formulação e verificação de explicações plausíveis sobre o que se encontrou, a construção de argumentos ou narrativas válidas, ou a sua relacionação com temas da literatura científica de referência. (p. 58)

Para Cohen, Manion e Morrison (2007) um estudo de caso “provides a unique exemple of real people in real situations, enabling readers to understand ideas more clearly than simply by presenting them with abstract theories or principles” (p. 253).

Segundo Latorre, Del Rincón e Arnal (1996) o estudo de caso constitui-se como um tipo de investigação particularmente apropriado para estudar um caso, ou situação com alguma intensidade num período curto. O potencial do estudo de caso assenta no facto de permitir centrar-se num caso, ou situação, concreto e identificar os distintos processos interativos que o compõem.

Efetivamente, o estudo de caso assume-se como uma estratégia específica de investigação, procurando descobrir as particularidades de um contexto/indivíduo e tentando conhecer em profundidade esse objeto de estudo no seu ambiente natural, constituindo-se como um estudo consistente sobre um determinado caso, que se estuda em profundidade e nos seus mais variados aspetos (Sierra Bravo, 1995; Brage, 2004, Morgado, 2012), podendo-se utilizar técnicas diversas para a recolha de dados, pois tal como refere Stake (1994) “case study is not a methodological choice, but a choice of object to be studied. We choose to study the case. We could study it in many ways” (p. 236). Neste sentido apontam também Meirinhos e Osório (2010) quando recordam que “devem ser o caso e o seu contexto, bem como o problema, as proposições e respectivas questões orientadoras, a indicar ao investigador as melhores técnicas e materiais a utilizar bem como a informação a recolher” (p. 59).

Seguindo esta linha de pensamento, recordamos Simons (2014) para quem o estudo de caso não se define pela metodologia (ou método) utilizada, o que o define é, sim, a singularidade, o conceito e os limites do caso e Punch (2014) que refere que “the basic

idea is that one case (or perhaps a small number of cases) will be studied in detail, using whatever methods and data seem appropriate” (p. 120).

Também Latorre, Del Rincón e Arnal (1996) consideram que “aunque la observación y entrevista suelen ser utilizadas con frecuencia en el estudio de casos, se incluye cualquier técnica que el diseño de investigación precise. Las técnicas de obtención de la información se seleccionan por su pertinencia para el estudio” (p.236). Amado e Freire (2014) apontam neste mesmo sentido: “[os estudos de caso] são estudos que admitem uma grande multiplicidade de abordagens metodológicas” (p. 121).

O estudo de caso apresenta, então, um cunho naturalista, compreendendo e descrevendo o «caso», baseando-se no trabalho de campo e pressupondo um observador participante, ou não, que se interessa sobretudo pela interação de fatores e acontecimentos, valorizando mais os processos que os resultados. Esta estratégia possibilita que o investigador observe, entenda, analise e descreva uma determinada situação, constituindo- se, por isso, como um modo de investigação no qual o investigador se encontra profundamente envolvido em todas as etapas do processo.

Morgado (2012) salienta, igualmente, este “envolvimento pessoal do investigador, interagindo com o contexto em que decorre a ação de forma a captar, do modo mais fiel possível, o desenrolar dos acontecimentos” (p. 59).

E, é neste sentido que concordamos com Stake (1998) ao afirmar que “qualitative case study is characterized by the main researcher spending substantial time, on site, personally in contact with activities and operations of the case, reflecting, revising meanings of what is going on” (p. 99) e com Lawn e Barton (1985) quando referem que a investigação com um estudo de caso implica uma avaliação e uma interpretação por parte do investigador e daí o esforço deste em identificar-se com os participantes do estudo, com o objetivo de conseguir entender o seu mundo. Simons (2014) acentua esta vertente ao defender que o estudo de caso permite uma interação com as pessoas, ouvindo as suas histórias, julgamentos, inquietações, ou seja, dando-lhes voz na compreensão dos contextos e dos projetos em que se encontram envolvidos.

Segundo Yin (1994) e Tuckman (1994) o estudo de caso justifica-se sempre que se pretenda responder a questões do tipo como, o quê e porquê, podendo ser definido, segundo Yin (Ibid.), como uma investigação empírica que estuda um fenómeno contemporâneo no seu contexto real, constituindo-se, por tudo isso, como um valioso

instrumento para todos os que pretendem descrever e compreender contextos de ensino com alguma profundidade.

Aliás, a noção do contexto e dos seus limites, ou fronteiras, é fundamental na compreensão do caso, tal como referem Miles, Huberman e Saldaña (2014), para quem o caso pode ser definido como um fenómeno que ocorre num contexto circunscrito, “a ‘case’ always occurs in a specified social and physical setting; we cannot study individual cases devoid of their context” (p.30) e para Flick (2009b) que considera que casos concretos devem ser analisados na sua particularidade temporal e local e atendendo sempre ao contexto em que se desenvolvem.

Neste tipo de investigação, o investigador não pretende modificar a situação, mas compreendê-la e descrevê-la tal como ela é, não tendo, contudo, de ser meramente descritiva, pois pode ter igualmente um profundo alcance analítico, interrogando a situação, confrontando-a com outras situações já conhecidas e/ou com as teorias existentes e ajudando, deste modo, a criar novas teorias e novas questões para futuras investigações (Yin, 1984). Este conhecimento, que se vai construindo à medida que o estudo se vai desenvolvendo, leva a que Muñoz Serván e Muñoz Serván (2004) defendam que o estudo de caso envolve dois princípios básicos: (i) o construtivismo (o conhecimento que se cria vai sendo construído no processo de investigação, não sendo, por isso, um resultado final que se descobre), (ii) a relatividade (o investigador interpreta em função da sua própria experiência e constitui-se como uma variável de suma importância a ter em conta em todo o processo de investigação).

A investigação que pretendemos desenvolver será realizada num contexto educativo (um agrupamento de escolas que, enquanto organização, se apresenta como singular, com características distintas que o individualizam e o tornam ímpar no seio de outras organizações semelhantes), constituindo-se como um caso único, procurando descobrir e descrever o que há nele de mais substancial, característico e particular (Anguera, 1986, Cohen & Manion, 1990; Yin, 1994; Pérez Serrano, 1994, 2004, Stake, 1994, 2009; Latorre et al., 1996; Fonseca, 2002; Morgado, 2012 ). Saliente-se ainda que, nesta investigação, consideramos que estamos perante um estudo de caso único (Bogdan & Biklen, 1994; Lessard-Hérbert, Goyette & Boutin, 1994; Yin, 1994), do tipo intrínseco (Stake, 1994; 2009) e interpretativo (Pérez Serrano, 1994; Merriam, 2009) já que será nosso propósito conseguir uma melhor compreensão de um caso particular que contém em si mesmo o

interesse da investigação. Ou seja, o objetivo fundamental será então a compreensão do caso e em que todo o sistema de relações facilitará essa mesma compreensão a um nível basicamente descritivo, através de descrições ricas e densas, que fornecem dados para desenvolver categorias concetuais, para ilustrar, defender e mesmo desafiar pressupostos teóricos disseminados antes da recolha de dados.

A partir de tudo o que referimos sobre esta estratégia de investigação, podemos destacar todo um conjunto de características básicas, que diferencia o estudo de caso de outras estratégias:

(i) Executam uma descrição contextualizada do objeto de estudo e o seu principal mérito consiste em desvendar as relações entre uma determinada situação e o seu contexto;

(ii) São estudos holísticos, pois o investigador observa profundamente a realidade, oferecendo uma visão completa do fenómeno em estudo e da sua complexidade;

(iii) Refletem a peculiaridade e a particularidade de cada realidade/situação através de uma descrição densa e fiel do fenómeno investigado;

(iv) O estudo de caso é heurístico, pois tenta elucidar a compreensão do leitor sobre fenómeno social objeto de estudo;

(v) A abordagem não é hipotética; observa-se, tiram-se conclusões e apresentam-se;

(vi) Centram-se em relacionamentos e interações e, portanto, requerem um investigador participante;

(vii) Estudam fenómenos contemporâneos, analisando um aspeto de interesse exigindo ao investigador uma permanência prolongada no terreno da investigação;

(viii) Os processos de negociação entre o investigador e os participantes são permanentes; (ix) Envolvem múltiplas fontes de dados e a análise desses dados deve ser realizada de um modo global e interrelacionado;

(x) O raciocínio é indutivo; as premissas e a generalização dos resultados surgem, sobretudo, a partir do trabalho de campo, o que implica uma descrição minuciosa de todo o processo de investigação.

Apesar de ser um design de investigação cada vez mais utilizado na pesquisa qualitativa (Morgado, 2012; Amado & Freire, 2014), o estudo de caso também pode ser alvo de críticas no que respeita à generalização de resultados. Punch (2014) coloca mesmo a questão: se um estudo é baseado num único caso como podemos generalizar resultados? Segundo este autor, a resposta é simples: nem sempre a generalização deverá constituir-se

como um fim da investigação. E exemplifica com duas situações: “first, the case may be so important, interesting or misunderstood that it deserves study in its own right. Or it may be unique in some very important respects, and therefore worthy of study” (p. 122), e dá como exemplo o estudo de caso intrínseco, defendido por Stake para apoiar a sua justificação. De facto, num estudo de caso intrínseco, a intenção do estudo não é a generalização, mas sim a compreensão do caso na sua complexidade, totalidade e no seu contexto.

Denzin (1970) considera que a generalização não deveria ser necessariamente um objetivo dos projetos de pesquisa, sejam, ou não, um estudo de caso. E, Robson (2002, citado por Cohen, Manion & Morrison, 2007, p. 253) assinala que os estudos de caso optam por uma generalização mais analítica em vez de estatística, pois desenvolvem uma teoria que pode ajudar os investigadores a entenderem outros casos/fenómenos semelhantes. Em jeito de síntese, lembramos Pérez Gómez (2002) quando refere que as generalizações em ciências sociais são sempre configuráveis e probabilísticas, circunscritas a um espaço e tempo determinados e passíveis de serem interpretadas de maneira específica em cada contexto singular.

No quadro 4.2.1, podemos conferir os pontos fortes e pontos fracos, que acabamos de referir, do estudo de caso, segundo a perspetiva de Cohen, Manion e Morrison (2007).

Quadro 4.2.1 – Pontos fortes e pontos fracos do estudo de caso

PONTOS FORTES E PONTOS FRACOS DO ESTUDO DE CASO

PONTOS FORTES PONTOS FRACOS

Os resultados são mais facilmente entendidos por um vasto público (incluindo não-académicos) por serem frequentemente escritos em linguagem corrente e não profissional

Os resultados poderão não ser generalizáveis exceto quando outros leitores/investigadores percebem a sua aplicação

São imediatamente compreensíveis, falam por si mesmos

Não são facilmente abertos a verificações cruzadas, consequentemente poderão ser seletivos, tendenciosos, pessoais e subjetivos Capturam características únicas que de outra

forma poderiam perder-se numa larga escala de dados (por exemplo, inquéritos); estas características únicas poderão ser a chave para entender a situação

Estão propensos a problemas de viés de avaliação, apesar das tentativas de enfrentar a sua reflexividade

São fortes na realidade que descrevem

Proporcionam conhecimentos sobre outras situações e casos semelhantes e deste modo assistem na interpretação de casos semelhantes Podem ser realizados por um único investigador sem a necessidade de uma equipa de

investigadores

Podem abranger e desenvolver-se em eventos imprevistos e em variáveis incontroláveis

Adaptado de Cohen, Manion & Morrison (2007, p. 256)