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Etimologicamente o vocábulo supervisão é composto por dois étimos de origem latina: ‘super’, com significação de sobre; e ‘vídeo’, com significação de ver. A supervisão será então uma ‘visão superior’ ou, como no dizer de Gaspar, Seabra e Neves (2012), um “olhar de cima ou por cima” (p. 30). ‘Visão superior’ que, à semelhança do olhar de um pássaro durante o seu voo, abarca uma ampla área e, por isso, um vasto leque de informações e, consequentes, interpretações. Supervisionar estará, então, diretamente ligado à observação de algo através de uma visão global realizada a uma determinada distância.

Na literatura é possível perceber que esta ‘visão superior’ parece, porém, não ser, nem nunca ter sido, uma visão consensual. Badiali (2017), e. g., refere a propósito que o termo supervisão esteve desde sempre sujeito a muitas e diferentes interpretações, parecendo, por isso, haver pouco consenso sobre o seu significado29.

Encontrarem-se, no estado da arte, definições dissonantes de supervisãorevela desde logo a coexistência de dissemelhantes conceções da forma como se exerce essa ‘visão superior’. De notar que, no caso particular do campo educativo, essas diferentes conceções/visões têm vindo a ser alimentadas pela própria evolução do conceito.

A noção de supervisão “é frequentemente associada às ideias de inspecção, controlo e hierarquia, o que revela uma certa obsessão com o prefixo Super-” (Vieira, 2009b, p. 31). Porém, no campo educativo, a tónica devia ser colocada na ‘visão’ por esta ser “essencial à compreensão do potencial transformador e emancipatório da supervisão pedagógica enquanto atividade de regulação crítica de processos de ensino e aprendizagem” (Id., ibid.),

29 O pouco consenso que impera relativamente ao conceito de supervisão estende-se à perceção quanto à origem etimológica do termo supervisão. Alarcão e Canha (2013) destacam a origem controversa do termo que “provavelmente deriva de supervision já existente em 1640 segundo os dicionários etimológicos de Antenor Nascentes e Antônio Geraldo da Cunha” (p. 16). Os mesmos autores referem, também, que: “Segundo Smyth, citado em Sullivan & Glanz (2000: 6), o termo é até de origem medieval e corresponde à atividade que consistia em conferir se os textos copiados estavam de acordo com o original”.

pois só assim “podemos conceber a supervisão como imaginação de possibilidades, implicando movimentos entre a prática como ela é e como pode (vir a) ser” (Id., ibid.).

Com efeito, o olhar e a capacidade de visão aparecem como elementos fundamentais em todo o processo de acompanhamento supervisivo. Neste sentido, destacamos Stones (1984, citado por Gaspar, Seabra & Neves, 2012) que entende o conceito de supervisão como

uma visão aprofundada, reflexiva […], uma visão com capacidade de previsão; uma retrovisão, e uma segunda visão para promover o que se pretende que seja instituído, para evitar o que não se deseja e para reconhecer o que aconteceu e não deveria ter acontecido (p. 28).

Inicialmente a noção de supervisão foi definida como a ação e o efeito de vigiar ou inspecionar o trabalho realizado por alguém, com o objetivo de que fosse executado de forma satisfatória e pudesse conduzir a melhorias para a própria organização. Para Sergiovanni (2004a) a palavra supervisão comporta “certas conotações gesellschaft30 que remetem para imagens de fábricas em que o contramestre ‘superbisbilhota’ os trabalhadores” (p. 127). Neste sentido, o supervisor encontra-se, normalmente, numa posição hierarquicamente superior, já que detém a capacidade de determinar se a atividade supervisionada está ou não a ser executada corretamente. Para isto, deve não só ser altamente experiente na área em questão, como também deve ter a autoridade necessária para dirigir os restantes membros da equipa que ele tem como função supervisionar.

Zepeda e Glanz (2016) consideram que a supervisão enquanto conceito e termo foram, ao longo dos tempos, “vociferously debated by scholars and practitioners. The term itself has received criticism for harking back to the field’s early history wherein supervision was conceived, mainly, as an inspectional, bureaucratic function” (p. 1).

Apesar de nos seus primórdios se encontrar diretamente relacionada com funções inspetivas31, de fiscalização, de controlo, de avaliação e de imposição, a supervisão foi evoluindo, passando a contar também com outras funções como “as de regular, orientar (reforçando, por vezes, o sentido de acompanhar) e liderar” (Gaspar, Seabra & Neves,

30 Este termo, que em português se pode traduzir para companhia, tem um significado que o associa ao mundo empresarial.

31 No Léxico – Dicionário de Português Online (vd. http://www.lexico.pt/supervisao/), supervisão surge como efeito de inspecionar ou controlar; já no Dicionário Informal (vd. http://www.dicionarioinformal. com.br/supervis%C3%A3o/), a supervisão surge como sinónimo de orientação e é definida como o ato de orientar, guiar, motivar e gerar resultados entre as equipas supervisionadas, o que pressupõe a existência de uma liderança forte e eficaz.

2012, p. 30). E, no dizer de Pawlas e Oliva (2008) “the prefix super- of supervision declined in importance. The word supervision itself became modified by such words as collaborative, cooperative, democratic, and consultive (…) What we are seeing today is an amalgamation of practices and attitudes” (p. 9).

Assim, a supervisão foi, pouco a pouco, surgindo como um processo bidirecional regular, planeado e responsável, que deve oferecer apoio e desenvolver o conhecimento, as habilidades e os valores de um indivíduo ou grupo. Os seus objetivos passarão, então, pela monitorização do progresso da prática profissional e pela ajuda aos profissionais na melhoria da qualidade do trabalho que realizam. No campo educativo, ao cumprir com estes desideratos, a supervisão alcançará o seu objetivo primordial, que de acordo com alguns autores, e. g., Sergiovanni e Starrat (2002) e Vieira e Moreira (2011), deverá ser o de ajudar as escolas, e os professores, a contribuírem de forma efetiva para o desenvolvimento e a aprendizagem dos seus alunos.

Descrita desta forma, a supervisão focaliza-se não de forma unívoca na performance dos professores, mas sim nas aprendizagens que os alunos realizam e daí a importância do termo pedagógica que se lhe associa para formar a expressão supervisão pedagógica. Vieira (2009a) exemplifica de forma clara esta associação: “pedagogia sem supervisão é menos pedagógica, tal como o será a supervisão sem uma visão da pedagogia” (p. 200). E, acrescenta:

as actividades supervisiva e pedagógica são indissociáveis e fazem parte de um mesmo projecto: indagar e melhorar a qualidade da acção educativa. Sempre que um educador regula a sua acção (auto-supervisão), as duas actividades fundem-se numa só, tornando-se indistinguíveis do ponto de vista epistemológico (p. 201).

Badiali (2017) considera que um olhar retrospetivo sobre a história da supervisão, enquanto campo de estudo, revela-nos tensões teóricas, que aumentam ou diminuem, entre a supervisão encarada como um exercício burocrático de poder e a supervisão como pedagogia. E, daí a necessidade, e urgência, de fazer regressar a supervisão pedagógica às suas raízes, ou seja, à pedagogia, sendo “o seu foco de atenção a sala de aula” (Vieira & Moreira, 2011, p. 11).

Orientar, regular, monitorizar e avaliar surgem, tal como já referimos, como elementos significativos e necessariamente presentes numa visão tradicionalista de supervisão pedagógica, tal como esquematizado na figura 2.1.1. Mas, a partir da mesma imagem, constatamos, igualmente, que a supervisão, conforme o ambiente em que ocorre,

pode ter como objetivo duas situações distintas: o desenvolvimento profissional, se ocorrer num ambiente formativo em que o objetivo será a aprendizagem e a formação, ou o cumprimento de normas e a avaliação, quando acontece num ambiente virado para a fiscalização e para a inspeção, onde o objetivo último é a avaliação/certificação dos professores. Estas duas perceções de supervisão, debatidas até à exaustão, encontram-se na génese de toda uma conceção do que é, para que serve e para onde se dirige a supervisão pedagógica. E, no entanto, apesar de existir uma estreita relação entre supervisão, observação e avaliação não são atividades sinónimas e a supervisão não é uma função, mas sim um conjunto de funções que podem ser realizadas e desempenhadas por vários docentes dentro da organização escolar (Badiali, 2017).

Fonte: Alarcão e Canha (2013, p. 20)

Figura 2.1.1 – Conceções de supervisão pedagógica

Alarcão e Canha (2013) explicam as variações, no significado de supervisão, conjugadas em duas modalidades: (i) formativa, ou relacionada com o desenvolvimento da aprendizagem das pessoas e das organizações, que dá ênfase às potencialidades de cada um, admitindo a existência de algum controlo, aproximando-se da noção de coaching e mediação; (ii) inspetiva, ou relacionada com o controlo, assumindo duas posturas: uma punitiva e outra preventiva. Aproxima-se da supervisão institucional e implica coordenação, administração, gestão e liderança.

E aqui, trazemos à liça a opinião de Waite (2006) para quem a questão da decadência, ou o fim anunciado, da supervisão pedagógica depende, sempre, da perspetiva com que se encara e olha para a supervisão. Se como uma forma de aprendizagem ao longo da vida, de forma reflexiva e autoconstrutora, ou como uma forma de julgamento, seriação e punição.

Segundo Harris (2002) algumas definições de supervisão “espelham de forma bastante precisa a velha ênfase de índole inspetorial no controlo, administração e avaliação do ensino” (p. 135). Alarcão (2001), contudo, considera que “em Portugal, o supervisor não é instrumento de uma política educativa exterior à instituição” (p. 16), ou seja, no nosso país, a supervisão nunca terá estado relacionada com um controlo externo exercido sobre as escolas, destinando-se a verificar o cumprimento das políticas definidas a nível central, tal como sucede, e sucedeu, noutros países.

Deste modo, a supervisão pedagógica em Portugal terá nascido, e ter-se-á desenvolvido, associada “à formação inicial e à profissionalização em serviço dos professores e incide na orientação e avaliação das práticas pedagógicas em contexto escolar” (Oliveira, 2000, p. 45), implicando, no plano concetual, “o seu entendimento como um dispositivo adequado à formação ou apoio ao professor em formação, inevitavelmente portador de um défice de experiência profissional” (Roldão, 2012, p. 17). Segundo Gaspar et al. (2019), “os modelos de supervisão pedagógica têm, vulgarmente, a raiz nos modelos de formação de professores, pois a supervisão pretende o aperfeiçoamento da função do professor, visando a excelência do ensino” (p. 46).

A noção de supervisão pedagógica relacionada com a formação inicial, e em período probatório, é abordada por vários autores. Senão vejamos: Alarcão e Tavares (2007) consideram-na como um “processo em que um professor, em princípio mais experiente e mais informado, orienta um outro professor ou candidato a professor no seu desenvolvimento humano e profissional” (p. 16); Sá-Chaves (2002), refere-se-lhe como

uma prática acompanhada, interactiva, reflexiva e colaborativa que tem como objectivo contribuir para desenvolver no candidato a professor o quadro de valores, de atitudes, de conhecimentos, bem como as capacidades e as competências que lhe permitam enfrentar com progressivo sucesso as condições únicas de cada acto educativo (p. 167).

Alarcão (2000) observa que “a supervisão em Portugal tem sido pensada, sobretudo, por referência ao professor (em formação inicial) e à sua interacção pedagógica em sala de aula” (p. 18). Neste sentido, e como refere esta autora, a função do supervisor consiste na

orientação e apoio ao desenvolvimento profissional e pessoal de um professor em início de carreira, através da reflexão sobre as suas práticas em contexto de sala de aula, visando, assim, a melhoria das atitudes e competências profissionais do professor em formação inicial e, desta forma, a qualidade das aprendizagens dos alunos. Alarcão, Leitão e Roldão (2009) consideram que a área da supervisão “tem vindo a sofrer um desenvolvimento não apenas na compreensão da sua substância, mas também no âmbito da sua influência”, pois quando se pensava em supervisão “pensava-se geralmente na supervisão de professores em formação inicial” (p. 4). Estes autores consideram que hoje, a atividade de supervisão deve ser estendida a toda a escola. E, daí a importância que lhe vem sendo atribuída. Salientamos Sergiovanni e Starrat (2002) que separam a definição de supervisão dos papéis tradicionais e hierárquicos da organização escolar e redefinem-na mais em termos democráticos e profissionais. A ‘nova’ supervisão que estes autores descrevem e defendem engloba a supervisão clínica32entre pares, o mentorado, a investigação-ação, a avaliação de programas e de currículo. Mudando a metáfora da escola como organização para a escola como comunidade, estes autores afirmam que o contexto da supervisão mudou e os objetivos, que agora devem ser priorizados, prendem-se com o desenvolvimento do esforço dos professores para melhorar os processos de ensino e aprendizagem.