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Por que escolhi a pesquisa qualitativa com inspiração na Etnografia? A escolha não foi algo predeterminado, ela foi se configurando com os estudos e à medida que o objeto de estudo ia se clareando juntamente com o objetivo desta pesquisa, o qual se preocupa em compreender como o trabalhador produz os saberes profissionais nas relações sociais e os utilizam nas práticas cotidianas em situação de trabalho.

Este delineamento do objeto/objetivo foca as pessoas, enquanto grupo profissional, em um contexto, no caso desta pesquisa, uma Fundição e a significação que elas atribuem aos acontecimentos e interações. Diferentemente da constituição e concepção de Caria (2010, p. 165-166) relativa ao grupo profissional, o qual concebe como sendo constituído por sujeitos que possuem conhecimento científico provenientes de educação formal superior em ciência, em tecnologia e/ou em outras formas de conhecimento abstrato (a exemplo de professores, assistentes sociais, sociólogos, psicólogos, enfermeiros, médicos veterinários), o sujeito da minha pesquisa tem baixa escolaridade.

Considerando que o campo revelou que o grupo profissional em foco compõe- se de trabalhadores com baixa escolaridade, exercendo atividades profissionais

consideradas “ocupações”, busquei aporte teórico em outros autores, para fundamentar a concepção de grupo sobre outra perspectiva. Segundo Zimerman (1997), um grupo não é um mero somatório de indivíduos; pelo contrário, ele se caracteriza por constituir uma nova entidade com interesses em comum, com leis e mecanismos próprios e específicos, apresenta identidade própria, além das identidades específicas, organiza-se em função de seus membros em espaço e tempo e possuem sentimentos partilhados de pertença.

Nesta perspectiva, além destas características, o grupo profissional tem como peculiaridade o contexto de trabalho, que é enfocado na metodologia qualitativa, a qual, segundo André (1995), se preocupa em analisar e compreender aspectos sociais de forma mais profunda, descrevendo a complexidade do comportamento humano, fornecendo análise mais detalhada sobre hábitos, atitudes e tendências de comportamento, no cotidiano de trabalho. (ANDRÉ, 1995, p. 17-18)

Estes aspectos estão no cerne da minha proposta de estudo e são ampliados quando o método tem como proposta enfocar mais o processo que o produto. Dispensa hipóteses, conceitos bem definidos, busca analisar as práticas cotidianas de profissionais e compreender as inter-relações que estejam se desenvolvendo, destacando os dados descritivos como situações, pessoas, ambientes, depoimentos, diálogos, conforme Angrosino (2009).

É com base nesses princípios que se configura a abordagem qualitativa com inspiração etnográfica, a qual enfoca certos requisitos da etnografia. Segundo André (1995), o que faz com que certas exigências da etnografia não sejam, nem necessitam ser cumpridas pelos pesquisadores, como por exemplo, uma longa permanência do pesquisador em campo, o contato com outras culturas e o uso de amplas categorias sociais de análise. “O que se tem feito é uma adaptação da etnografia, o que me leva a concluir que fazemos estudos do tipo etnográfico e não etnografia no sentido estrito”. (ANDRÉ, 1995, p. 28)

Diante do espectro de possibilidades, confirmava-se em mim que a abordagem qualitativa com inspiração etnográfica era a mais apropriada para auxiliar na compreensão do saber profissional dos trabalhadores de uma Fundição em situação de trabalho. Na abordagem, os dispositivos de coleta de dados tem um caráter multifatorial, segundo Angrosino (2009), por agrupar diversas técnicas etnográficas de coleta de dados.

A multifatorialidade confere um rigor necessário na obtenção dos dados para a compreensão dos comportamentos, valores, hábitos, crenças, linguagens e significados que os trabalhadores, enquanto grupo profissional, atribuem às suas práticas, portanto um mergulho na cultura profissional. Para Caria (2006, p. 92), o conceito de cultura18 é complexo, não sendo de fácil compreensão e explicitação por apresentar uma “maior ambiguidade e maior diversidade teórica”.

A conceitualização do autor assenta-se em diversos estudos antropológicos e ressalta os pressupostos mais amplamente aceitos: a cultura concebida como uma atividade predominantemente contextual e não universalista; como uma prática social indissociável da análise das dimensões simbólicas do social e a cultura como uma reflexividade que se expressa no uso de saberes práticos na interação social e não apenas em uma produção e expressão discursivas. (CARIA, 2006, p. 92-93)

Os pressupostos mostram o quão complexa é a abordagem sobre a cultura, contudo percebe-se uma convergência para a concepção de cultura abrangendo a prática social; a reflexividade na interação social e a forma identitária da subjetividade social. Na perspectiva da prática social, a cultura começa a existir na interação social, através da vivência dos sujeitos e na reciprocidade de sentidos exigidas no processo de comunicação verbal e não verbal.

Enquanto que sob a ótica da reflexividade, a cultura se desenvolve na interação social dos atores, não tendo que “reproduzir automaticamente uma ordem simbólica.” (CARIA, 2006, p. 93) A cultura expressa uma identidade social quando se configura em função das relações intersubjetivas com o outro e “não por efeito direto da reprodução das estruturas sociais.” (CARIA, 2006, p. 93)

Outro fator que contribuiu para a escolha desta abordagem foi os estudos aprofundados no grupo de pesquisa GEPECT19. Naquela ocasião, decidi que queria estudar as pessoas em grupos organizados, os estudos se intensificaram, ainda mais, quando cursei as disciplinas do doutorado “Abordagens e Técnicas de Pesquisa em Educação” e “Análise Qualitativa de Dados”, as quais apresentaram

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Para maiores detalhes consultar: Educação, trabalho e culturas profissionais: contributos teórico- metodológicos (CARIA e MARQUES Org., 2006).

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Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Conhecimento e Trabalho (GEPECT), da Faculdade de Educação da Bahia-FACED/UFBA (Universidade Federal da Bahia).

fundamentação teórica densa na perspectiva da abordagem qualitativa do tipo etnográfico.

Segundo Triviños (2008), os cientistas modernos argumentavam que os fenômenos humanos e sociais são muito complexos e dinâmicos para serem investigados sobre a lógica positivista. Seria necessária uma abordagem metodológica que se preocupasse com a interpretação dos significados atribuídos pelos sujeitos às suas ações e para compreender esses significados, é necessário colocá-los dentro de um contexto.

Aproprio-me das reflexões de Angrosino (2009, p. 8-10) para reforçar a escolha desta abordagem em meu estudo, por permitir analisar experiências de indivíduos ou grupos, as quais podem estar relacionadas, além de outros aspectos, às práticas cotidianas e profissionais.

Podem ser tratadas analisando-se conhecimento, relatos e histórias do dia a dia, examinando-se interações e comunicações que estejam se desenvolvendo em seu contexto natural, investigando documentos (textos, imagens, filmes etc.), enfocando as particularidades, o estudo de caso, adaptando ou criando novos métodos e novas abordagens em relação ao que se estuda durante o processo da pesquisa, enfatizando o processo, ou seja, aquilo que está ocorrendo e não o resultado final, retratando a visão do grupo profissional ou sujeitos pesquisados, preocupando-se com o significado ou a maneira própria com que estes veem a si mesmos, as suas experiências e o mundo que os cerca.

Estes aspectos metodológicos favorecem o exame detalhado de um ambiente, de um sujeito, de um grupo ou de uma situação peculiar, pois o contexto particular em que ocorre o fenômeno é um elemento essencial para sua compreensão. No caso específico da minha pesquisa, o cotidiano de trabalho em uma Fundição, levando em conta as inter-relações dos sujeitos enquanto grupo profissional em situação de trabalho, conforme dito anteriormente.

Como pesquisadora, posso investigar detalhadamente como estes constroem o mundo à sua volta, o que estão fazendo e os sentidos que atribuem às coisas de uma forma mais direta, pois tenho contato com os sujeitos da pesquisa e o contexto específico no qual ocorre o fenômeno.

Segundo Lüdke (1986), o estudo de caso se destaca por se constituir em uma unidade dentro de um sistema mais amplo e tem um interesse próprio, singular. Para Yin (2005), é um estudo empírico que investiga um fenômeno atual dentro do seu contexto de realidade, quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não são claramente definidas e no qual são utilizadas várias fontes de evidências.

A caracterização de “tipo estudo de caso etnográfico” deve-se ao uso da abordagem etnográfica no estudo e a forma de tratamento dos dados. Segundo André (1995),

A investigação ocorre sempre num contexto permeado por uma multiplicidade de sentidos que, por sua vez, fazem parte de um universo cultural que deve ser estudado pelo pesquisador. Através basicamente da observação participante, ele vai procurar entender essa cultura, usando para isso uma metodologia que envolve registro de campo, entrevistas, análises de documentos, fotografias, gravações. Os dados são considerados sempre inacabados, o observador não pretende comprovar teorias nem fazer “grandes” generalizações. O que busca, sim, é descrever a situação, compreendê-la, revelar os seus múltiplos significados, deixando que o leitor decida se as interpretações podem ou não ser generalizáveis, com base em sua sustentação teórica e sua plausibilidade. (ANDRÉ, 1995, p. 37-38)

De acordo com esta autora, o interesse do pesquisador deve incidir naquilo que o caso tem de único, de particular, principalmente as características culturais (as práticas e os comportamentos, os valores, os hábitos, as crenças, as linguagens e os significados que os sujeitos atribuem às experiências). Considero que esta pesquisa se enquadra nesta perspectiva metodológica por entender, assim como Yin (2005), André (1995), Lüdke (1986), que esta caracterização abrange a concepção do estudo de caso.

Explicitada a escolha da abordagem metodológica adotada na pesquisa, visando a compreender o cotidiano dos trabalhadores da fundição, especificamente os seus saberes e fazeres, as interpretações e significados que atribuem no processo de socialização das suas ações, passo a relatar as etapas da caminhada.