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Observação Participante: Posições Epistemológicas e Princípios

3.3 CAMINHANDO PELAS ETAPAS DA PESQUISA

3.3.4 Observação Participante: Posições Epistemológicas e Princípios

A observação participante é a técnica fundamental da investigação do tipo etnográfica, é caracterizada pela interação do pesquisador com a situação estudada, afetando-a e sendo por ela afetada. Mas que concepção tem a observação na pesquisa qualitativa? Para Triviños (2008), “observar”, naturalmente, não é simplesmente olhar. Observar é:

destacar de um conjunto (objetos, pessoas, animais, etc.) algo especificadamente, prestando, por exemplo, atenção em suas características (cor, tamanho, etc.). Observar um “fenômeno social” significa, em primeiro lugar, que determinado evento social, simples ou complexo, tenha sido abstratamente separado de seu contexto para que, em sua dimensão singular, seja estudado em seus atos, atividades, relações etc. Individualizam-se ou agrupam-se os fenômenos dentro de uma realidade que é indivisível, essencialmente para descobrir seus aspectos aparenciais e mais profundos, até captar, se for possível, sua essência numa perspectiva específica e ampla, ao mesmo tempo, de contradições, dinamismos, de relações etc. (TRIVIÑOS, 2008, p. 153)

Nessa concepção, fica evidenciado a complexidade da técnica e a importância do pesquisador-observador, o qual deve possuir sensibilidade e capacidade para captar e interpretar os sinais que o evento social configura. A “observação é o ato de perceber as atividades e os inter-relacionamentos das pessoas no cenário de campo através dos cinco sentidos do pesquisador”. (ANGROSINO, 2009, p. 56)

Captar o que o campo revela através da observação participante é tarefa fundamental do pesquisador. Segundo Lapassade (2005), esse tipo de observação ainda pode ser dividido em observação participante externa (OPE), e observação participante interna (OPI).

Na OPE, o pesquisador provém de fora, é a condição mais habitual, ele chega por um tempo limitado para realizar a pesquisa, solicita o direito de entrar no campo, depois deixa o campo e se dirige à produção da sua tese, podendo retornar ao campo, se necessário. Esta foi a minha condição de pesquisador-observador neste estudo; enquanto que na OPI, o pesquisador é “ator” no grupo e já tem o seu lugar. (LAPASSADE, 2005, p.74-75)

Para esse tipo de atividade, o dispositivo fundamental é o diário de campo, no qual, durante o processo de acompanhamento dos trabalhadores em situação de trabalho, fiz minuciosas anotações de todas as suas atividades, interações com outros colegas, com chefias, entre outras. Para Lapassade (2005),

Os dados coletados, ao longo dessa permanência junto das pessoas, provêm de muitas fontes e, principalmente, da “observação participante” propriamente dita (o que o pesquisador nota, “observa” ao vivo com as pessoas, compartilhando de suas atividades), das entrevistas etnográficas, das conversas ocasionais de campo, do estudo dos documentos oficiais e dos documentos pessoais. (LAPASSADE, 2005, p. 69)

O observador mergulha no seu campo de pesquisa e vai se munindo de elementos, os dados, que serão tratados a fim de tentar identificar os motivos que levaram os membros ou sujeitos a fazerem o que fizeram e, assim, buscar estabelecer o que seus atos significavam para eles mesmos naquele momento. Isto não é uma tarefa fácil e se constitui em um fator desafiador para o pesquisador.

No processo da observação, o pesquisador deve se preocupar em ser aceito pelos sujeitos da pesquisa, bem como planejar rigorosamente o trabalho de observação (determinar com antecedência “o que” e “o como” observar), definindo “o foco da investigação e sua configuração espaço-temporal.” Na medida em que o observador acompanha in loco as experiências cotidianas dos sujeitos, “pode tentar apreender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações.” (LÜDKE, 1986, p. 25-26)

Vale ressaltar que para adentrar na área produtiva da Fundição, preferi usar uniforme padrão da empresa. Comprei uma bota de segurança na cor preta e solicitei para a empresa um guarda-pó ou jaleco igual aos usados por qualquer trabalhador. A intenção com isto era ficar mais próxima dos trabalhadores e ser aceita, estes usavam como farda uma calça de brim cinza, bota preta e camisa de malha laranja ou o guarda-pó cinza. Contudo a observação participante é uma técnica não-dirigida, na medida em que a observação da realidade continua sendo o objetivo final e, habitualmente, o pesquisador não intervém na situação observada. (POUPART et al., 2008, p. 255)

Embora com base em diversos autores, Lüdke (1986) expôs que o conteúdo das observações deve envolver uma parte descritiva e uma parte reflexiva. A parte descritiva diz respeito aos registros detalhados do que ocorre no campo; enquanto que a parte reflexiva das anotações inclui as observações pessoais do pesquisador, realizadas durante o processo de coleta de dados, suas impressões, ideias, dúvidas, especulações, incertezas, decepções, problemas, sentimentos, surpresas.

Ainda segundo Lüdke (1986, p. 30-31), podem-se destacar na parte descritiva das anotações: a) descrição dos sujeitos; b) descrição de locais; c) descrição de eventos especiais; d) descrição das atividades; e) reconstrução de diálogos; f) os componentes do observador. Explicito-os abaixo:

a) Descrição dos sujeitos, aparência física, maneirismos, modo de vestir, de falar e de agir. Os aspectos que os distinguem dos outros, devem ser enfatizados; b) Descrição de locais, o ambiente onde é feita observação deve ser descrito, a

disposição dos móveis/maquinários, o espaço físico e demais elementos que forem importantes para a caracterização do locus;

c) Descrição de eventos especiais, as anotações devem relatar o que ocorreu, quem estava envolvido e como se deu esse envolvimento;

d) Descrição das atividades, devem ser descritas as atividades gerais e os comportamentos das pessoas observadas, bem como a sequência em que ocorrem;

e) Reconstrução de diálogos, as palavras, os gestos, os depoimentos, as observações feitas entre os sujeitos ou entre estes e o pesquisador devem ser registrados. Na medida do possível, devem-se usar as suas próprias palavras, as citações são extremamente úteis para analisar, interpretar e apresentar os dados;

f) Componentes do observador, é importante que o pesquisador-observador inclua nas suas anotações as suas atitudes, ações e conversas com os participantes durante o estudo.

Enquanto que na parte reflexiva das anotações, podemos destacar os vários tipos de reflexões que podem ser realizadas pelo pesquisador-observador, tais como: a) reflexões analíticas; b) reflexões metodológicas; c) dilemas éticos e conflitos; d) mudanças na perspectiva do observador; e) esclarecimentos necessários. Explicito-as abaixo:

a) Reflexões analíticas, referem-se ao que está sendo apreendido no estudo, isto é, aos temas que estão emergindo, associações e relações entre as partes, novas ideias surgidas;

b) Reflexões metodológicas, nelas estão envolvidos os procedimentos e as estratégicas metodológicas utilizadas, as decisões sobre o delineamento (design) do estudo, os problemas encontrados na obtenção dos dados e a forma de resolvê-los;

c) Dilemas éticos e conflitos, aqui entram as questões emersas no relacionamento com os informantes, quando podem surgir conflitos entre a responsabilidade profissional do pesquisador e o compromisso com os sujeitos;

d) Esclarecimentos necessários, as anotações devem também conter pontos a serem esclarecidos, aspectos que parecem confusos, relações a serem explicitadas e elementos que necessitam de maior exploração.

Evidentemente que estas sugestões não devem ser tomadas como uma cartilha a ser seguida ou lista de checagem para o desenvolvimento do estudo. São apenas diretrizes gerais que podem orientar o pesquisador no momento de planejar a pesquisa de campo, além de poder ajudá-lo na organização dos dados para posterior análise.

Nessa etapa do estudo, o pesquisador geralmente registra suas observações no diário de campo. Não há regras para fazer as anotações, o pesquisador desenvolve seu próprio método de registro para posteriormente recorrer às anotações, a fim de compreender o objeto em estudo. Embora seja aconselhado ao pesquisador, para maior acuidade, registrar o mais próximo possível do momento da observação e ao iniciar cada registro, devem ser indicados o dia, a hora e o local da observação.

Apropriei-me destas referências epistemológicas e metodológicas para que pudesse realizar a observação participante na Fundição de forma mais fundamentada. A princípio, anotava quase tudo no diário de campo, meu olhar queria captar o máximo possível, além do observável físico, registrava minhas impressões, sentimentos, situações vivenciadas com os sujeitos da pesquisa, questionamentos, conforme anotado: “Será que darei conta desse trabalho? Como esses trabalhadores conseguem transitar tão harmoniosamente neste espaço aparentemente caótico?” (DIÁRIO DE CAMPO, 31 mar. 2015)

Com o tempo, fui percebendo a complexidade do espaço físico e do cotidiano dos trabalhadores da fundição e, passei, então, a selecionar e anotar os eventos mais marcantes no processo de produção das peças fundidas. Este amadurecimento só veio após um período de observação, a cada dia percebia que a observação proporcionava uma relação direta com o observável – o que é possível ver – e ao mesmo tempo com o desconhecido – o que aquilo quer dizer. Isto parece simples, mas exigiu de mim um exercício de paciência e de investigação além do imaginável. Pensando no roteiro da entrevista, tracei os primeiros enunciados: Como é sua rotina de trabalho? Você aprendeu como? Você faz do mesmo jeito que aprendeu ou você modificou algo? Como é que você sabe que a areia está bem socada? (DIÁRIO DE CAMPO, 23 abr. 2015) Durante os 09 (nove) meses que durou a pesquisa empírica, março a dezembro/2015, o diário de campo foi meu companheiro

inseparável, nele registrei tudo que foi possível, para posteriormente fazer uso. Recorri inúmeras vezes a este instrumento, na busca de rememorar e refletir sobre as anotações feitas.

3.3.5 Entrevista Semiestruturada: Considerações Epistemológicas,