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O SABER PROFISSIONAL: A EPISTEMOLOGIA LATENTE NO CONTEXTO DO

As reflexões acerca do saber/conhecimento apresentaram que estes termos historicamente, em muitas abordagens, são tratados como sinônimos e também

Fonte: Charlot (2000) Autoria própria RELAÇÃO EPISTÊMICA Saber Profissional do Trabalhador o mundo

distinguidos por abordagens que rompem com as formas hegemônicas/tradicionais da ciência científica.

Para Caria (2014), conhecimento e saber são processos sociocognitivos, envoltos em uma tensão e potencial conflito à medida que podem ser vistos numa perspectiva de baixo-para-cima e de cima-para-baixo. Segundo o autor, “a produção e transmissão social de conhecimento na nossa sociedade é uma atividade especializada e institucionalizada, associada a hierarquias de conhecimento (...)”, nas quais as relações de poder simbólico e cultural tencionam para o saber hierarquicamente ser considerado na perspectiva de baixo-para-cima. CARIA (2014, p. 801) A hierarquização, na perspectiva do autor, é tencionada pelas relações de poder cultural nas nossas sociedades.

Segundo Foucault (2007, p. 478), “dificilmente se escapa ao prestígio das classificações e das hierarquias lineares à maneira de Comte.” O saber profissional é enquadrado numa escala microssocial por ser considerado um conhecimento oriundo da prática e da experiência do sujeito, compartilhado na vida cotidiana e “designado em ciências sociais pela expressão muitas vezes ambígua de senso comum”. CARIA (2014, p. 802) Este é depreciado por muitos autores, em face do conhecimento macro e institucional alinhado aos ditames da ciência positivista, isto porque tendenciosamente na sua gênese consideram que a consciência reflexiva social e criativa humanas seriam muito limitadas.

Nessa visão, o nível microssocial em que o senso comum se desenvolve tem como tendência reduzir a ação social “a um modelo comportamentalista de estímulo- resposta (na versão clássica da Psicologia Behaviorista), ou de constrangimento e obediência do indivíduo ao ambiente social envolvente (na versão funcional da sociologia clássica durkheimiana)”. CARIA (2014, p. 802) Olha-se para o conhecimento como um meio prático para reprodução de rotinas, convenções e rituais sociais, com propósitos imediatos de integração/reprodução social e simbólica da ordem institucional ou estrutural vigente. Assim, “o saber será sempre determinado pelo nível macro do conhecimento e será sempre conotado como um conhecimento menor”. CARIA (2014, p. 804)

A perspectiva aqui refletida acerca do saber profissional vem enfatizando o processo relacional do saber. Para Caria (2005), o saber profissional se refere a aprendizagens e a interações sociais que são desenvolvidas em contextos de

trabalho por grupos profissionais, em que o saber profissional depende da articulação adquirida na experiência de trabalho e de aprendizagens resultantes do uso de conhecimentos abstratos adquiridos em processos de educação formal e não formal. Este autor aperfeiçoou e expandiu a concepção de saber profissional, conforme a seguir:

(...) os autores não reduzem o saber à experiência, à narrativa ou à identidade pessoais, nem o reduzem aos conhecimentos adquiridos na educação formal e não formal. Todos tratam do uso que os trabalhadores fazem do conhecimento para atuar, entendendo-se que este uso implica sempre a transformação do conhecimento possuído – adquirido, aprendido e experienciado noutros lugares ou em trajetórias sociais, hoje muito individualizadas – num saber partilhado com outros na interação, para se puder agir num dado contexto de trabalho. É este conhecimento transformado pela intersubjetividade dos grupos profissionais e orientado para atuar em situação, que designamos como Saber Profissional. Ele deve ser entendido como um saber agir em situação de trabalho. (CARIA, 2013, p. 15.) (grifo meu)

Trouxe estas duas acepções de Caria (2005, 2013) relativas ao saber profissional, para mostrar que ao longo das suas pesquisas este autor foi clarificando e expandindo a conceituação sobre o Saber Profissional. É interessante perceber o processo de formação do pesquisador, este saber também chamado saber contextual, é feito de várias dimensões, conforme trata Charlot (2000) e discutido anteriormente, está ligado às aprendizagens desenvolvidas no contexto de trabalho durante o fazer, no sentido procedimental do saber (como fazer), o que implica inter- relações para buscar quem sabe fazer, quem tem a experiência e detém a informação necessária para agir.

Neste contexto, como recurso, geralmente se apela para os indivíduos mais experientes, recorrendo às suas experiências individuais, para pensar a questão ou problema atual e coletivizá-lo. Segundo Caria (2004), o apelo a um repertório coletivo a partir de acontecimentos passados vividos pelos indivíduos do grupo profissional pode acarretar em uma mobilização de saberes, a partir de experiências individuais que acabam sendo rememoradas e podem permitir a resolução do problema, feitas as adaptações pertinentes.

Para Shön (2000), o saber profissional deve ser concebido de maneira investigativa, pelas quais os profissionais “raciocinam para encontrar, em instâncias problemáticas, as conexões entre conhecimento geral e casos particulares”. (SHÖN, 2000, p. 41). O saber profissional não pode ser confundido com o saber-prático, para o autor:

Quando alguém aprende uma prática, é iniciado nas tradições de uma comunidade de profissionais que exercem aquela prática e no mundo prático que eles habitam. Aprende suas convenções, seus limites, suas linguagens e seus sistemas apreciativos, seu repertório de modelos, seu conhecimento sistemático e seus padrões para o processo de conhecer na ação. (SHÖN, 2000, p. 39)

Na citação, o autor traz a racionalidade técnica do saber-prático, em que o profissional aprendiz incorpora maneiras instrumentais de execução. Em seus estudos, o autor faz severas críticas a esta racionalidade técnica, a prática pela prática não gera saber. É preciso refletir na ação diante de situações-problema imprevistas para que se mobilize saberes.

Barato (2011) apresenta em seu estudo o exemplo do pedreiro que foi incumbido de assentar uma máquina industrial, para o qual recebeu o manual em outro idioma que não dominava, mesmo assim, “foi capaz de articular seus saberes para planejar e executar um trabalho completamente novo.” BARATO (2011, p. 20) Para o autor, a aprendizagem emerge por meio de participação na obra, ou seja, o manejo e a compreensão das ferramentas do ofício, incluídas nelas desenhos esquemáticos e plantas acontecem a partir de uma prática social que possibilita a elaboração contínua de um saber coletivo. Assim a competência de leitura de plantas foi resultado de saber que não separava a execução de suas representações abstratas.

Ainda para este autor, a “divisão entre trabalho intelectual e trabalho braçal sugere que o primeiro fundamenta e guia o segundo, essa visão separa saberes ou, mais que isso, não confere ao que chama de trabalho braçal o status de conhecimento.” BARATO (2011, p. 20)

Para Foucault (2007), há configurações epistemológicas cujo desenho, posição, funcionamento não apresentam caracteres de objetividade e de sistematicidade que permitem defini-las como ciências. Estas pertencem ao domínio

do saber e nem por isso devem ser tratadas como um fenômeno negativo e sim investigadas, o pesquisador deve buscar mostrar em que sua configuração é radicalmente diferente daquelas das ciências no sentido estrito, essa configuração que lhes é peculiar, constituem outros saberes.

Nesta perspectiva, o homem é esse ser vivo que do interior da vida à qual pertence inteiramente e pela qual é atravessado em todo o seu ser, “constitui representações graças às quais ele vive e a partir das quais detém esta estranha capacidade de poder se representar justamente a vida.” FOUCAULT (2007, p. 487)

É a constituição desse saber que se estrutura no interior das atividades produtivas e nos modos de aprender em comunidades de prática que estou explorando neste estudo. Segundo Barato (2011, p.19), “há uma ausência de estudos de caráter epistemológico sobre o saber do trabalho.” É preciso adotar uma epistemologia que examine o saber no trabalho e considere dimensões importantes do aprender na ação, em comunidades de prática.