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3.3 CAMINHANDO PELAS ETAPAS DA PESQUISA

3.3.3 Os Documentos Analisados: Ficha Cadastral e Contrato Social

Diante das circunstâncias do campo, no plano metodológico, recorri primeiro à análise documental, a qual busca contextualizar o fenômeno, explicitar suas vinculações mais profundas e completar as informações coletadas através de outras

fontes. Segundo Gil (2009), são considerados fontes da pesquisa documental qualquer objeto que possa contribuir para investigação de determinado fato ou fenômeno. Assim diários, filmes, fotografias, gravações, reportagens de jornais, cartas, contratos, documentos oficiais, relatórios, tabelas. Enfim qualquer material que não tenha recebido ainda um tratamento analítico ou que possa ser reelaborado de acordo com os objetivos da pesquisa.

Existe uma multiplicidade de fontes documentais, por isso a escolha dos documentos deve ser criteriosa e não aleatória. Ela deve atentar para que o documento selecionado seja fonte potencial de informações pertinentes aos questionamentos e ao objeto de estudo. Segundo Poupart et al. (2008),

Torna-se, assim, essencial saber compor com algumas fontes documentais, mesmo as mais pobres, pois elas são geralmente as únicas que podem nos esclarecer, por pouco que seja sobre uma situação determinada. (POUPART, et al. 2008, p. 299)

De acordo com o autor, o pesquisador deve estar atento para o conteúdo do documento e, se necessário, buscar outras fontes concomitante para o esclarecimento do documento original. Como não podia adentrar na produção, em razão do relatado acima, solicitei acesso ao contrato social e aos documentos admissionais de todos os funcionários, basicamente a ficha cadastral.

Sabia que a análise desses documentos forneceria as informações essenciais para que eu pudesse constituir uma visão geral da empresa, tanto no que se refere à sua criação quanto aos trabalhadores e, assim realizar a reunião de apresentação/esclarecimento do meu projeto de pesquisa de forma mais adequada.

O contrato social da Fundição sofreu diversas alterações ao longo dos anos, analisei-os e, considero interessante destacar o primeiro contrato social e o atual. Datado de 18 de abril de 1956, o primeiro contrato social registra como único proprietário seu fundador, transcrevo a seguir alguns trechos interessantes do referido documento:

(...). Uma casa onde funciona a Fundição (...), cuja construção foi feita por ele requerente (...), com as seguintes características de alvenaria, coberta com telhas, com 32 metros de frente, 17 de largura

e quatro metros e cinquenta de altura, com quatro portas estreitas de frente, e uma larga corrediça, limitando-se ao sul (...). (PRIMEIRO CONTRATO SOCIAL, 1956)

Esta descrição possibilita imaginar como era simples a Fundição, a grandeza e a força do sonho de uma pessoa que acreditou e buscou a realização com as condições que possuía. Este documento registra também que a construção física da Fundição foi feita pelo seu fundador – “cuja construção foi feita por ele requerente”. E continua especificando os bens materiais:

Um torno Mecânico com um metro e meio (1 m 50 cm.) de comprimento entre pontas seminovo, movido à eletricidade, no valor de oitenta mil cruzeiros ($80.000,00). Uma máquina de furar com capacidade até 5/8, movida à eletricidade, nova, no valor de treze mil 444cruzeiros ($13.000,00). Um aparelho para soldar à oxigênio, completo no valor de quinze mil cruzeiros ($15.000,00) e capacidade para 6 kilos. Uma banca completa de serra circular movida à eletricidade, seis mil cruzeiros ($6.000,00). Um torno nº 4, para bancada seiscentos cruzeiros ($600,00). Um motor elétrico de 3 H.P. com um ventilador, dez mil cruzeiros ($10.000,00). Um motor a gasolina de 3 H.P. com um ventilador, dezesseis mil cruzeiros ($16.000,00). Um forno para fundição de ferro com capacidade para cinco (5) mil kilos, trinta e dois dez mil e quinhentos cruzeiros ($32.000,00). 550 Caixas de madeira para moldes de fundição, mil cruzeiros ($10.500,00). Um forno para fundição de bronze, seis mil cruzeiros ($6.000,00). 12 panelas, uma tenaz e 6 argolões, treze mil quinhentos cruzeiros ($10.500,00). Uma balança decimal, Um mil quinhentos cruzeiros ($1.500,00). A casa, máquinas e material descritos, somando o total de trezentos e quatro mil e cem cruzeiros ($304.100,00) e outros artigos digo, e artigos outros, como sejam 3 toneladas de areia para moldações, ferramentas miúdas modelos e outros objetos, que não classifiquei no movimento ou preço comercial. (PRIMEIRO CONTRATO SOCIAL, 1956)

Esta descrição densa, própria dos estudos etnográficos, segundo Angrosino (2009), serve para mostrar e caracterizar o cenário que se deseja apresentar. Neste caso a Fundição com todo o maquinário e equipamentos, dando uma ideia da constituição da empresa e do protagonismo do seu fundador. Destaco as particularidades da forma e da organização do documento.

Ao analisar o contrato social atual, verifiquei que as suas cláusulas estabelecem o acordo firmado entre os sócios e membros da família, contém em linhas gerias: o tipo jurídico de sociedade - por cotas entre os seus sócios, não

descrevendo detalhadamente o patrimônio da empresa como no primeiro contrato; a denominação social e o objetivo da sociedade; a localização da empresa; a forma de integralização do capital social e da administração da sociedade; prazo de duração da sociedade, foro contratual, além de outras especificidades (DIÁRIO DE CAMPO, 19 mar. 2015).

A ficha cadastral é um documento elaborado pela empresa para obtenção de dados do funcionário. Normalmente constam informações gerais como nome completo, filiação, endereço, estado civil, escolaridade, dependentes, função, dentre outras dados pessoais. (DIÁRIO DE CAMPO, 24 mar. 2015) Analisei ao todo 25 fichas e durante o processo de análise, produzi um formulário (Apêndice B), para facilitar a sistematização dos dados que elegi como mais importantes (nome, data de admissão, função, escolaridade, nascimento).

Para a minha surpresa, constatei que somente um funcionário da produção tinha a formação técnica e a maioria nem tinha o Ensino Médio (Figura 1). Segundo Poupart et al. (2008, p. 298), o exame minucioso de alguns documentos abre, às vezes, “inúmeros caminhos de pesquisa e leva a formulação de interpretações novas, ou mesmo a modificação de alguns pressupostos iniciais.” Esse foi o caso nesta pesquisa, a qual inicialmente pressupôs estudar os “técnicos de nível médio”.

Figura 1 – Gráfico de nível de escolaridade (2015)

0 2 4 6 8 10 12 14

Técnico Ensino Médio Ensino Fundamental

Ensino Superior

Fonte: Ficha Cadastral da Fundição (2015) Autoria: própria

Neste gráfico, fica evidente que a maioria dos funcionários possui baixo nível de qualificação, se situando mais no Ensino Fundamental, que em termos

percentuais corresponde a 54%; no Ensino Médio concentra-se 42% dos funcionários; no Ensino Técnico, o percentual equivale a 4% e não tem nenhum funcionário no Ensino Superior.

Diante do que o campo estava me revelando e das possibilidades de perspectivas outras, mudei o foco em relação aos sujeitos da pesquisa, deslocando para trabalhadores de uma Fundição, independentemente do nível de escolaridade. Segundo Rose (2007, p. 32), há muitas distinções que podem ser feitas entre tipos de trabalho, referentes à renda, à autonomia, à limpeza, ao risco físico, digo à escolaridade que leva as pessoas a estender ao trabalhador as qualidades do trabalho, muitas vezes com uma carga preconceituosa, cheia de significados e julgamentos morais.

Revi mais uma vez a condução deste estudo e comecei a produzir o material para a reunião com todos os funcionários da Fundição, preparei cartazes com meu nome, objetivo geral e específico, relevância do estudo. No dia 26 de março de 2015, cheguei antes do horário marcado e preguei os cartazes na parede, no espaço reservado para a reunião. Estava tudo preparado dentro do planejado, todavia houve um pouco de atraso, pois só podia iniciar a reunião com o gestor administrativo.

O espaço foi improvisado, os funcionários foram chamados assim que o gestor chegou, não havia cadeiras para sentarmos, todos em pé, iniciei a reunião me apresentando e agradecendo a presença deles. Os semblantes eram de apreensão, curiosidade e até surpresa. Expus os motivos que me levaram a estar na Fundição e a importância deles para a minha pesquisa, procurei falar em uma linguagem clara para me fazer ser entendida.

A palavra estava franqueada a qualquer momento, porém todos só ouviam. Percebi que de certa forma, a presença do gestor inibia as pessoas, mas insisti para que perguntassem e tirassem as dúvidas, até que um teve coragem e indagou: “o que a senhora vai fazer aqui, vai trazer melhorias para a gente?” Pairou uma certa apreensão em todos e até um ar de concordância coletiva com a pergunta. Esclareci, em linhas gerais, que meu objetivo ali era realizar uma pesquisa visando a compreender os significados que eles dão ao que realizam e não em interferir em questões da empresa.

Enalteci bastante a importância de cada um, senti que era o momento de sensibilizar e convencê-los a colaborar com a pesquisa. Outros questionamentos foram feitos, sempre voltados a reivindicações, percebi a carência naquelas falas. O gestor se posicionou algumas vezes, encerrei a reunião solicitando que cada um assinasse a lista de presença, (Apêndice C), que eu tinha preparado. Somente três pessoas não puderam estar presentes (o técnico em metalurgia, um lixador e uma auxiliar administrativa), a outra auxiliar administrativa convidou a todos para lanchar.

Neste momento de descontração, tentei me aproximar, mas de maneira informal, porém senti que eles estavam desconfiados, por isso não insisti, sabia que era o início de uma caminhada lenta, respeitei o movimento de cada um que após o lanche, dirigiu-se para suas atribuições. O restante do dia transcorreu dentro da normalidade.

3.3.4 Observação Participante: Posições Epistemológicas e Princípios