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As reflexões desenvolvidas por Lave e Wenger (2008) que dão ênfase à aprendizagem a partir das práticas de trabalho com os mais experientes, ajudou-me a compreender os processos relacionais de aprendizagem do grupo profissional em estudo. Na perspectiva da teoria da aprendizagem situada, o contexto, a participação e a identidade são elementos constituintes da aprendizagem que ocorre quando os novos membros começam a dominar as habilidades e demonstram atitudes que legitime sua participação na comunidade.

Lave ao estudar os alfaiates nos anos de 1970, na Libéria, buscou saber como este ofício era efetivamente ensinado e aprendido, observou que o processo de aprendizagem ocorria indissociável da prática social. Assim como este autor, Rose (2007, p. 122) também percebe essa indissociabilidade ao concluir em seus estudos

sobre o ofício de uma cabeleireira: “Ela está fazendo a transição da concentração na técnica para o engajamento no trabalho propriamente dito.” Assim a cabeleireira incorpora “técnica ao planejamento e à execução de um corte, respondendo a problemas que emergem durante o processo, pensando por meio da tesoura que tem nas mãos”. (ROSE, 2007, p. 121-122)

Nesta perspectiva, a noção de transferência de conhecimento é questionada e contrapõe-se a de aprendizagem situada, vista como um processo ligado a um contexto social e histórico-cultural que compreende o indivíduo, na sua relação com a comunidade em que se situa e não como um ser que se sujeita apenas ao papel de receptor de conhecimentos. A aprendizagem abrange dimensões além da transferência de conhecimentos, ela perpassa o estar no mundo do indivíduo por meio da sua participação em práticas sociais, é um modo de pertencimento a uma comunidade.

Para Lave e Wenger (2008), a aprendizagem situada abrange conhecimentos que são gerados e adquirem significados somente nas circunstâncias em que ocorrem, ou seja, depende do contexto social que os ocasionou e dos agentes. É importante ressaltar que o “situar” em certos momentos pode significar não generalizar ou localizar os pensamentos e as ações das pessoas no tempo e no espaço. Por isso a expressão aprendizagem situada pode ser entendida como o processo em que grupos sociais na interação e em contexto de trabalho realizam trocas de experiências, estabelecem contatos, sentem-se membros pertencentes a uma comunidade de prática. Segundo Barato (2011),

O aprender na e pela atividade, cujo padrão mais evidente na história é a aprendizagem em corporações de ofício, não desvincula conhecimento da prática social. O saber que se elabora dessa maneira não tem aquela conotação dualista apresentada pelo par teoria e prática. (...) a aprendizagem em comunidades de prática parte do objeto para sua representação. Um trabalhador aprende e elabora conhecimentos com outros trabalhadores, negociando significados, reconhecendo sua participação na obra, vendo-se como ator em um empreendimento coletivo. (BARATO, 2011, p.27)

A aprendizagem pela participação implica que o indivíduo ou aprendiz seja capaz de se engajar em novas atividades e se torne um membro reconhecido pela

comunidade, criando uma identidade, uma vez que à medida que a aprendizagem acontece, o indivíduo se constrói. Como este processo é informal, ocorre diretamente de atividades relacionadas ao trabalho, como: resolução de problemas durante um processo de produção no “chão de fábrica”, aprendizagem de habilidades técnicas no trabalho com os colegas, discussão e reflexão dos erros cometidos, conforme relatos a seguir:

Aprendo muitas coisa, como eles molda, o que eles faz, peças difícil que eles pega prá fazer eu fico oiando só, aí eu pergunto a ele, ele diz é assim, assim, quando me dá e eu não sei fazer, aí eu perguntando a ele: o que é prá fazer isso aqui? Isso, isso, tudo aí me ajuda. (TAMPÃO)

A cada dia que passa, a gente vai modificando a forma de trabalhar, de ver o lado da, que às vezes a gente vê, faz uma coisa, amanhã mesma coisa pá fazê, a gente acha que é melhor daquele outro jeito, a vida, as coisa vai evoluindo, tinha peça aqui que era manual, hoje é na placa, já é mais prática pra moldá, já é diferente pra nós moldadô, facilita o modo de trabalhar. O tampão T27, T60, às vezes ele num era na placa, hoje ele é na placa, a moldação na placa é mais prática de que a moldação comum, que a gente num escarea tudo isso. A gente só faz um lado, só faz o oto, abre, feha, bota macho e tal, abre canal, é diferente de você ter que escarear, tem que batear, jogar area e tal pra poder coisá. Tem várias formas, assim fica até difícil de te explicar aqui, lá na área eu pudia pegá duas peça e te amostrá, essa aqui tá na placa e essa num tá. (PENEIRA)

Aprendo com o colega. Aprendi fazer quadro de tampa, cortar, soldar, botar no esquadro, aprendi também identificar as varas de solda, regular a máquina. Já sabia é, tinha noção, mas o macete aprendi mermo com o colega. (MARRETA)

Assim o aprender situacionalmente requer negociação de significados em que o aprendiz é um ator que participa do processo organizacional e projeta entendimentos acerca do trabalho. Segundo Lave e Wenger (1991), a aprendizagem vista como atividade situada, tem como característica principal a participação periférica legitimada. Estes três elementos são constituintes monolíticos do processo de aprendizagem e referem-se ao aprender articulado ao contexto, participação e construção de identidade em que o aprendiz se torna membro reconhecido pela comunidade, através da interação sociocultural e do sentido de pertencimento.

Dessa forma, Lave e Wenger (1991) expõem que a aprendizagem ocorre quando os aprendizes passam a dominar as habilidades e demonstram atitudes que são legitimadas pelas comunidades de prática. Estas envolvem um conjunto de indivíduos com interesses comuns que aprendem, constroem e fazem a gestão do conhecimento principalmente sua aplicação prática.

No processo, o domínio caracteriza-se pela capacidade, individual e coletiva, para experimentar a vida e o mundo com significado. Contribui para a criação de uma base comum e um sentido de desenvolvimento de uma identidade, legitimando a existência da comunidade através da consolidação dos seus propósitos e do valor atribuído aos membros da comunidade.

Enquanto que a comunidade refere-se às configurações sociais, constituídas por grupo de pessoas que interagem, aprendem conjuntamente, constroem relações entre si, desenvolvem um sentido de engajamento e de pertença, embora isto não implique necessariamente existência de homogeneidade. Há diversidade e diferenciação entre os membros que assumem papéis distintos e criam as suas diversas especialidades e estilos. A prática são os recursos compartilhados, históricos e sociais que envolvem um conjunto de esquemas de trabalho, ideias, informação, estilos, linguagem, histórias e documentos partilhados pelos membros da comunidade. Segundo Lave e Wenger (1991, p. 123),

Tudo isso acontece em um mundo social, dialeticamente constituído nas práticas sociais que estão no processo de reprodução, transformação e mudança. O problema tem sido um desafio para abordar o caráter estrutural do mundo no qual se vive. (...), a participação periférica legitimada nos permitiu gerar termos e questões analíticas fundamentais para essa análise. Além de formas de associação e de construção de identidades, estes termos incluem questões de localização e capacidade de organização nas comunidades; problemas de poder, acesso e transparência. (Tradução livre)

Neste sentido, as comunidades de prática (CoPs) geram aprendizagem situada em um contexto social, carregado de influências ambientais e socioculturais dos seus membros e pelo sentimento de pertencimento que se firma através do diálogo, da observação, das histórias contadas e do interesse mútuo compartilhado no qual as pessoas e as ações estão implicados.

4.6 MOBILIZAÇÃO E RECONTEXTUALIAÇÃO: O MOVIMENTO DO