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3.5 A INDÚSTRIA DE FUNDIÇÃO: CENÁRIO NACIONAL E LOCAL

3.5.3 O Grupo Profissional: A Liga Não-Metálica Sujeitos-Objeto

Em Metalurgia, liga metálica são materiais com propriedades metálicas que contêm dois ou mais elementos químicos, sendo que pelo menos um deles é metal, ou seja, as ligas metálicas são resultado da união de metais entre si ou de metal com outra substância. O aço é uma liga metálica formada essencialmente por ferro e carbono com percentagens variando entre 0,008 e 2,11%, além de outros elementos como manganês e silício. A alusão “liga não-metálica sujeitos-objeto”, metaforicamente refere-se aos sujeitos da pesquisa – os trabalhadores, enquanto grupo profissional e aos saberes profissionais, objeto desta pesquisa.

A concepção de grupo profissional adotada na pesquisa tem inspiração nos estudos de Caria (2011), porém com adaptação, considerando que este pesquisador relaciona-o com profissões de educação formal superior, cujo poder social e simbólico é afirmado e legitimado a partir das aprendizagens resultantes de uma “educação formal superior em ciência, em tecnologia e/ou em outras formas de conhecimento abstrato (filosofia, ideologia, direito, etc.).” (CARIA, 2011, p. 4)

Nesta pesquisa, a concepção de grupo profissional está relacionada à interação decorrente das atividades profissionais desenvolvidas pelos trabalhadores de “chão de fábrica” em situações de trabalho, as quais produzem experiências coletivas compartilhadas – cultura profissional. Este entendimento é decorrente das primeiras observações dos sujeitos da pesquisa, os quais possuem baixa escolaridade entre o Ensino Fundamental e Médio ou somente a experiência prática. Para a produção das peças fundidas, a Fundição atualmente conta com um quadro de funcionários constituído por 22 (vinte e dois) operários de “chão de fábrica”, sendo 21(vinte e um) com ocupações variadas e 01 (um) técnico em metalurgia; 02 (duas) funcionárias administrativas; 01 (um) sócio-gerente, totalizando 25 (vinte e cinco) funcionários, conforme Quadro 5. Concentrei a investigação no

grupo profissional constituído pelos 22 (vinte e dois) funcionários que atuam diretamente no processo produtivo das peças fundidas.

Vale esclarecer que as 02 (duas) funcionárias administrativas e 01 (um) sócio- gerente não são considerados operários chão de fábrica, por isso não compusseram o grupo profissional investigado.

Quadro 5 – Quantitativo de funcionários/ocupação

QUANTITATIVO OCUPAÇÃO 01 Sócio-gerente 01 Técnico em Metalurgia 05 Moldadores 08 Ajudante de Moldação 01 Forneiro 02 Lixadores 01 Operador de Máquinas 02 Ajudantes de Oficina 01 Torneiro 01 Motorista/Comprador 02 Auxiliares Administrativas

Fonte: Setor administrativo da Fundição em mar. 2015

A Fundição utiliza como referência para designar as funções dos seus trabalhadores o Catálogo Brasileiro de Ocupações (CBO), um guia no qual constam as descrições das características de todas as profissões e ocupações que o Ministério do Trabalho (MTE) reconhece.

Conforme o MTE, a ocupação está relacionada com as atividades que se executa no dia a dia, ou seja, com a espécie de trabalho realizado, enquanto que o conceito de profissão se refere a uma formação reconhecida e geralmente regulamentada por lei cuja apreciação é feita pelo Congresso Nacional, por meio de seus Deputados e Senadores e submetida à sanção do Presidente da República. Assim, o CBO não tem poder de regulamentar profissões.

Segundo o CBO (2015), os moldadores e ajudantes de moldação têm como ocupação confeccionar à mão e à máquina, moldes de areia para moldagem de metais e machos para fundição de peças ocas, preparar a areia para moldagem e macharia, operar equipamentos de preparação da areia e desenformar. Para o

exercício dessas ocupações, requer-se Ensino Fundamental e o aprendizado ocorre no próprio local de trabalho.

As atividades descritas pelo CBO (2015) para o forneiro correspondem à realização do processo de fundição e de tratamento térmico de metais e ligas, desde a preparação dos fornos para operação, carregando-os com metais até o vazamento. Também prepara o forno para manutenção e deve trabalhar em conformidade com normas e procedimentos técnicos e de qualidade, de segurança, de higiene, de saúde e de preservação ambiental.

O lixador, segundo o CBO (2015), trabalha com o polimento de superfícies metálicas e afiação de ferramentas utilizando processos manuais, semiautomáticos e automáticos, controlando a qualidade do serviço e aplicando normas de segurança.

O operador de máquinas prepara a movimentação de carga e a movimenta, também realiza manutenções previstas em equipamentos para movimentação de cargas, seguindo normas de segurança, de higiene, de qualidade e de proteção ao ambiente (CBO, 2015).

O torneiro, segundo o CBO (2015), prepara, regula e opera máquinas- ferramentas que usinam peças de metal e controla os parâmetros e a qualidade das peças usinadas, aplicando procedimentos de segurança às tarefas realizadas. Também planeja sequências de operações, executa cálculos técnicos. Para o exercício dessa ocupação, requer-se o Ensino Fundamental e cursos de qualificação profissional.

O motorista tem como ocupação segundo o CBO (2015), transportar, coletar e entregar cargas em geral, além de verificar documentação de veículos e de cargas, podem também operar equipamentos.

Enquanto que o comprador executa processo de cotação e concretiza a compra de serviços, produtos, matérias-primas e equipamentos para a indústria, acompanhando o fluxo da entrega (CBO, 2015).

Os auxiliares administrativos têm como ocupação, segundo o CBO (2015), executarem serviços de apoio nas áreas de recursos humanos, administração, finanças e logística, atendem fornecedores e clientes, fornecendo e recebendo

informações sobre produtos e serviços, tratam de documentos variados, cumprindo todo o procedimento necessário referente aos mesmos.

Não localizei no CBO as descrições das características profissionais para o técnico em metalurgia, mas para o sócio-gerente consta especificamente “gerente administrativo”, o qual exerce a gerência dos serviços administrativos e das operações financeiras. Gerencia recursos humanos, administra recursos materiais e serviços terceirizados de sua área de competência. Planeja, dirige e controla os recursos e as atividades de uma organização (CBO, 2015).

As descrições sucintas das ocupações encontradas na Fundição foram feitas visando a compreender o papel que cada sujeito desempenha na Fundição de acordo com as atividades que desenvolve. Como características, o grupo profissional pesquisado é constituído exclusivamente por pessoas do gênero masculino, oriundos da zona rural ou de cidades do interior, faixa etária entre 20 e 56 anos e com baixa escolaridade.

Compreender a construção do saber profissional, por meio da mobilização e recontextualização dos seus conhecimentos e como interagem os membros desse grupo profissional, ou analogicamente “a liga não-metálica sujeitos-objeto”, em situação de trabalho, identificando quais os significados que atribuem às suas práticas, foram os desafios perseguidos neste estudo.

4 SABERES PROFISSIONAIS: A FUSÃO DOS CONHECIMENTOS PELOS TRABALHADORES EM SITUAÇÃO DE TRABALHO

Somente uma pequena parte do meu conhecimento tem origem na minha experiência pessoal. A parte mais importante é de origem social (social derived), foi-me transmitida pelos meus amigos, meus pais, meus professores e os professores de meus professores.

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A metáfora “Saberes Profissionais: a fusão dos conhecimentos pelos trabalhadores em situação de trabalho” inspira-se no processo de fundição, ou seja, de fusão dos metais, o qual consiste em preencher com metal liquefeito, um molde cuja cavidade apresenta dimensões similares às da peça que se deseja produzir, conforme explicitado na Introdução. Assim analogicamente, faço menção aos saberes dos trabalhadores da Fundição que no cotidiano de trabalho, no processo de interação, compartilham seus saberes para realização das atividades, produzindo não só mais saberes profissionais – fusão dos conhecimentos, mas também se fortalecendo nas suas práticas.

Neste capítulo, apresento o embasamento epistemológico, conceituações e diálogos teóricos sobre saberes profissionais. Discuto os conceitos-chave da minha pesquisa: diferenciação entre conhecimento/saber e saber profissional, situação de trabalho, conhecimento tácito, cultura profissional, autonomia, reflexividade, recontextualização, poder profissional. Nesta apropriação epistemológica, articulo transversalmente as concepções teóricas com as observações e os relatos dos trabalhadores.

Assim como Caria (2014), vejo que o conhecimento e o saber tendem a ser considerados como sinônimos, a semelhança semântica suscita muitas interrogações: o que é conhecimento e o que é saber? Qual a diferença entre conhecimento e saber? Qual a significação destes termos no contexto de interesse deste estudo? E o saber profissional, o que significa? Por isso é imprescindível a reflexão e a distinção conceitual e teórica dos termos. Principalmente porque o problema gerador desta pesquisa e a abordagem metodológica enfatizam um campo

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pouco explorado – o saber profissional do trabalhador em situação de trabalho em uma indústria de fundição, compreender os sentidos semânticos destes termos se torna impositivo.

Os questionamentos acima são feitos desde os primórdios da humanidade, mormente por filósofos, dentre outros Platão, Aristóteles, Descartes, Locke, Habermas, Foucault, Bourdieu. As teorias geradas por estes filósofos através da história mostram a complexidade da temática e possibilitam compreender o mundo sobre várias abordagens e contextos.