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3.4 A TEORIA FUNDAMENTADA NOS DADOS (TFD): A HORA DA CHEGADA É

3.4.1 Bases Conceituais da TFD: O Processo Interpretativo

Venho discutindo a essência da TFD e enfatizando que esta consiste em compreender o fenômeno a partir dos dados coletados. Nesta perspectiva, a TFD contribuiu para que eu pudesse, por meio dos dados observados e coletados, e após serem tratados com o enfoque sensível, entender questões relativas ao contexto da Fundição, principalmente, como e por que seus sujeitos agem de determinada maneira. Imbuída deste intuito, foquei meu olhar de pesquisadora no cotidiano de trabalho e na interação dos sujeitos da pesquisa.

As concepções epistemológicas da TFD foram desenvolvidas por Barney Glaser e Anselm Strauss e alicerçam-se na forma de coleta e de tratamento dos dados. A princípio, este método analítico deixou-me receosa – como usá-lo? Todavia à medida que me aprofundava nas leituras e me apropriava de suas bases conceituais, ia clarificando sua proposição metodológica, as quais estão arraigadas na etnografia e no Interacionismo Simbólico e referem-se aos processos de coleta de dados, codificação e análise dos dados ou construção da teoria.

Preocupei-me em compreender estes três processos fundamentais, segundo Charmaz (2009), tudo o que o pesquisador descobre no ambiente de pesquisa ou sobre seu tema de pesquisa pode servir como dados. “Porém os dados variam na qualidade, na relevância dos seus interesses emergentes e na utilidade para a

interpretação” (CHARMAZ, 2009, p. 33), cabe ao pesquisador discernir o que é ou não relevante para o seu estudo.

Desde o início da observação registrei tudo que conseguia perceber no diário de campo, posteriormente, com bases nas orientações metódicas da TFD, iniciei minhas primeiras reflexões fazendo perguntas como: o que estes documentos (contrato social, ficha cadastral) revelam? O que está acontecendo na fundição neste exato momento? E a partir daí, busquei captar o que o campo revelava, a coleta de dados foi realizada até ocorrer a repetição ou a ausência de dados, a chamada “saturação”. (CHARMAZ, 2009, p. 33)

O interessante deste método analítico é a estratégica que pode ser adotada a partir dos dados coletados, assim, o passo seguinte foi a codificação, primeira etapa analítica dos dados, ou seja, examinar os dados cuidadosamente, visando reduzi- los. Li as minhas anotações no diário de campo e passei a destacar as relevantes, nomeando-as. Este processo gerou os códigos preliminares, que posteriormente foram classificados e categorizados. Segundo (CHARMAZ, 2009, p. 69), codificar significa “nomear segmentos de dados com uma classificação que, simultaneamente, categoriza, resume e representa cada parte dos dados”. O processo de codificação, ou seja, de análise preliminar dos dados ocorre em três etapas: codificação aberta ou inicial; codificação axial e codificação seletiva ou redação da teoria, etapas são importantes para a interpretação dos dados coletados. A codificação aberta ou inicial, como o próprio nome suscita, exigiu de mim senso de percepção, uma vez que precisava estar aberta à exploração de quaisquer possibilidades teóricas que os dados pudessem sinalizar ou revelar. Nessa etapa, fiz leituras atentas das entrevistas, codificando-as por meio de palavras, símbolos ou frases a essência do discurso dos entrevistados, obtendo-se os códigos preliminares, conforme ilustra o Quadro 1, na próxima página:

Quadro 1 – Codificação inicial com base nas entrevistas Bloco A: situação no trabalho

Fiz uso desta representação gráfica por possibilitar uma visão ampla do processo de codificação, por apresentar os significados e sentidos que os sujeitos atribuíram às suas práticas no cotidiano de trabalho e também para demostrar o processo analítico dos dados, os quais revelaram o histórico sócio-econômico- cultural dos sujeitos, principalmente a semelhança na trajetória de vida com a maioria iniciando o labor ainda na infância.

A codificação mostra que são muitas as particularidades que cercam a cultura profissional da fundição, evidenciadas nos posicionamentos dos trabalhadores que trouxeram seus pontos de vistas acerca do dia a dia, em que cada um desenvolve sua percepção em função da experiência pessoal, por isso a diversidade de posicionamento, muitas vezes antagônicos, mas que revelam nuances do contexto e das experiências de vida, principalmente no que concerne às condições de trabalho, às inter-relações e aos valores.

A análise dos dados revela claramente que os trabalhadores têm consciência das condições de trabalho, reconhecendo a precariedade relativa à segurança, inclusive identificando alguns agentes de insalubridade e também reconhecendo que não dão a importância devida no uso dos EPI‟s. Sinalizam para a necessidade de melhoria das instalações físicas da fundição, acompanhada de uma modernização, com novos equipamentos mais tecnológicos. Reivindicam benefícios sociais como plano de saúde, por exemplo, e um tratamento mais digno. A interação com o outro é mostrada de forma positiva e como fator preponderante no processo de aprendizagem situada, o aprender acontece na prática, conversando como fazer o que foi designado e é desconhecido, ou seja, na troca de ideias sobre qual a melhor maneira para se produzir a peça.

A interpretação dos dados codificados tem como esteio também o que consegui perceber, ver, ouvir e sentir durante a interação com os sujeitos no processo de observação participante e da entrevista.

Dando continuidade ao processo de análise dos dados mais profundamente, passei para a etapa da codificação axial, reagrupando os códigos preliminares em maior nível de abstração e realizando conexões entre estes, assim, constituindo as categorias. Nesta etapa, como estratégica para construir as categorias, fiz muitas perguntas usando o como, quando, onde, por que, quem, e com quais consequências isso ocorre. Dessa forma, busquei descobrir o ponto de vista dos sujeitos da pesquisa, ou seja, o que os entrevistados queriam dizer.

O avanço analítico da pesquisa me animava, embora o processo não tenha sido linear como pode parecer nesta exposição. Enfrentei dificuldades em realizar a codificação dos dados, recorria sempre às orientações do método e também encontrava outras possibilidades singulares, próprias do contexto em estudo, de modo que à medida que as categorias iam se constituindo, vislumbrava o surgimento

das categorias mais relevantes e a seleção de uma categoria principal, na qual todas as outras pudessem se relacionar.

Segundo Charmaz (2009), neste estágio de análise, o pesquisador já se encontra na última etapa do processo de categorização – a codificação seletiva ou redação da teoria – e deve ser capaz de sintetizar explicitamente a experiência vivenciada pela perspectiva dos sujeitos da pesquisa, passando a redigir a teoria que expresse com maior rigor possível o objeto de pesquisa.

Estas bases conceituais da TFD foram sendo desbravadas com muito cuidado e reflexão crítica, as quais permearam o traçado metodológico. Isso contribuiu para a construção do conhecimento da realidade investigada, visando à construção da teoria com maior veracidade e fidelidade possível. Nesta perspectiva produzi o Quadro 2, próxima página, o qual apresenta os dados extraídos das entrevistas relativos ao saber profissional.

Quadro 2 – Codificação inicial com base nas entrevistas Bloco B: saber profissional

O quadro apresenta os dados relacionados ao processo de produção do saber profissional construído no contexto de trabalho pelos sujeitos. Analisando-os, consegui ratificar o que vinha observando e registrando no diário de campo e explorado mais profundamente na entrevista - a intensidade da interação - favorecida pela natureza do serviço, o trabalho é realizado, no mínimo, em dupla, devido a isso os trabalhadores conversam mais frequentemente e trocam ideias. Consegui perceber mais intensamente a cultura deste grupo profissional, marcada pelas contradições, conflitos e relações de poder. O aspecto relacional do saber profissional se destaca nas falas dos sujeitos que a todo o momento enfatizavam a importância do outro na produção do seu saber, existindo uma interdependência para aprender, uma vez que o aprendizado se processa por meio da troca de experiência, da curiosidade, do interesse, do se dispor a ajudar e ser ajudado.

A linguagem com expressões predominantes no gerúndio indica uma ação contínua que está em andamento, um processo inacabado – trabalhando e aprendendo – ou seja, à medida que o sujeito vai realizando seu trabalho, vai interagindo, vai “olhando”, vai “ajudando”, vai “perguntando” e aprendendo.

Assim o saber profissional mobiliza conhecimentos provenientes da trajetória de vida de cada sujeito. Isto é claramente percebido nos excertos dos relatos contidos no quadro acima, razão pela qual, para mim, encontra congruência em Tardif (2002) ao proferir que “o saber profissional está, de certo modo, na confluência entre várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da instituição escolar, dos outros autores educativos, dos lugares de formação, etc.” (TARDIF, 2002, p. 64) Dessa forma, entendo que os saberes profissionais destes trabalhadores são mobilizados à medida que cada um apresenta o que sabe com jeito peculiar e consegue aprender nesta interação.