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3 A experiência da estação de pesquisa urbana M’Bo

Desde 2012, um grupo de pesquisadores de cinco universidades da região metropolitana de São Paulo (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo – FGV/SP, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/ SP, Universidade Federal do ABC – UFABC, Universidade de Santo Amaro – Unisa – e Universidade de São Paulo – USP) trabalham juntas numa proposta de pesquisa de foco territorial diferente à prática mais comum em que a pesquisa programática e interdisciplinar é ancorada em um tema específico. Aqui a situação é o inverso. Há pesquisas variadas, sobre tópicos diferentes e pesquisadores de disciplinas diferentes, mas, programaticamente, a interdisciplinaridade é ancorada no mesmo território: os distritos de Jardim Ângela, Jardim São Luís e áreas adjacentes da Zona Sul do município de São Paulo. Em tamanho, Jardim Ângela e Jardim São Luís (os dois distritos da subprefeitura de M’Boi Mirim) têm juntos o tamanho de municípios paulistas, como Piracicaba, Ribeirão Preto e São José dos Campos, mas sem suas bases institucionais formais.

O município de São Paulo (maior em população do que Portugal) tem uma estrutura institucional submunicipal fraca e em muitos casos inexistente, com diferentes conceitos de coordenação territorial e prefeituras regionais voltadas a pequenas obras e trabalhos de manutenção. Sozinho, os dois distritos de M’Boi formariam o nono maior município do estado de São Paulo e a região seria maior em termos populacionais de 99% dos municípios brasileiros. Quando adicionado ao distrito vizinho de Capão Redondo, a população fica perto de um milhão de pessoas, o equivalente ao 18o maior município do país e muito próximo a Campinas. Há duas diferenças sutis entre Campinas e os três distritos: Campinas ocupa um território municipal de 790 km2 e o trio da periferia sul de São Paulo 76 km2; Campinas tem o conjunto completo de instituições constitucionais, impostos e governo e a “cidade invisível” de M’Boi pouco ou nada.

Iniciado em 2012, a partir de contatos anteriores com fóruns e organizações sociais da região, esta experiência de colaboração interdisciplinar e interuniversitária na criação de uma estação de pesquisa coletiva, demonstra que o foco numa área territorial específica possibilita a maximização das sinergias possíveis entre diferentes temáticas urbanas, tanto na troca de informações quantitativas e qualitativas entre pesquisadores, quanto no potencial de impacto dos resultados de suas investigações no desenvolvimento territorial local. São atualmente mais de trinta pesquisadores, incluindo alunos de doutorado, mestrado e graduação, envolvidos em diversas áreas, entre essas: moradia, pessoas com deficiência, saúde materno infantil, desenvolvimento econômico, microfinanças, agricultura urbana, juventude, cultura, mobilização social e mobilidade e gênero. A expressão Estação de Pesquisa Urbana M’Boi, foi criada em 2016 depois dos três primeiros anos do trabalho, para dar maior visibilidade a essa conectividade investigativa e se refere a um conjunto de informações, relações e vínculos organizacionais que tem como objetivo maximizar as sinergias entre diferentes temáticas urbanas, por meio da troca de experiências, ideias e informações e pela promoção do desenvolvimento territorial local.

Com o apoio do Fundo de Pesquisa Aplicada da FGV foi possível criar uma plataforma on-line de informações dentro do site do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (CEAPG) sobre as diferentes atividades e, respondendo a demandas das organizações locais, tornar público em acesso aberto os trabalhos acadêmicos, estudos de organizações não governamentais e também do setor público (secretarias e agências de nível estadual e municipal) que já haviam sido feitos sobre a região. Em setembro de 2018, a estação iniciou um boletim mensal com informação sobre os mais de 170 documentos que já foram identificados e tornados disponíveis, e também textos breves escritos pelos pesquisadores da estação sobre tópicos de interesse geral da região.

Pouco a pouco ao longo desses anos de trabalho, nos contatos com outros pesquisadores, nas discussões dos fóruns da região e nas

conversas com membros de organizações de base, foi se estabelecendo uma relação territorial diferente daquela mais presente na pesquisa científica em que estudos são feitos, relatórios apresentados, às vezes discutidos com os envolvidos, e depois os pesquisadores partem para outros estudos em outros lugares. Mais ainda, normalmente quando há conexões entre pesquisadores essas tendem a ter o formato de grupos de pesquisa interuniversitário sobre as mesmas questões teóricas em que o comum é uma mescla de tema, disciplina acadêmica, base teórica e/ou metodológica. No caso da Estação de Pesquisa Urbana M’Boi o agregador é o inverso, o território, as relações são interdisciplinares e multitemáticas e os pesquisadores não foram embora.

A partir dessas diferentes observações começamos a argumentar – apoiados pela leitura de experiências em outros países – que se nossos estudos estavam sendo feitos no mesmo lugar, a fim de poder aprofundar a análise das complexidades urbanas e facilitar a coleta e troca de informações, é nossa obrigação ética buscar meios de ser útil para o próprio lugar. Uma postura que vem sendo chamada pesquisa em ação.

Essa abordagem na pesquisa urbana – diferentes estudos ocorrendo no mesmo território – acabou nos colocando no meio das tensões existentes entre os dois olhares, já comentado, de Friend (1977). Por um lado, estávamos trabalhando em diversas áreas de ação governamental, conversando com gestores e técnicos, lendo os relatórios e documentos sendo produzidos no “espaço de política governamental”. Mas, ao mesmo tempo, estando em lugares similares, participando em fóruns locais e conversas com ativistas, lideranças comunitárias e moradores, ficamos mais cientes das especificidades do cotidiano porque suas questões se vincularam com a temática territorial. Muitos dos trabalhadores dos serviços públicos eram também moradores e falaram sobre as tensões e as dificuldades de lidar com as interfaces. Começamos a nos perguntar se as diferenças eram somente aquelas já identificadas por autores como Lipsky (1980), Maynard-Mood e Musheno (2000); se as diferentes posições eram apenas perspectivas

diversas, ou se faziam parte de diferentes comunidades discursivos e ontológicas (LAW; MOL, 1995)?