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estudo do arranjo institucional e dos agentes implementadores do PAIC

Pires (2016, p. 197) conceitua arranjo institucional de implementação como “o conjunto de regras, mecanismos e processos que definem a forma pela qual se articulam atores e interesses na implementação de uma política pública específica”, e que condicionam as capacidades do Estado em levar a cabo seus objetivos. Tais capacidades podem ser classificadas em duas dimensões: a técnico-administrativa e a política. A primeira se refere à competência das burocracias do Estado para mobilizar ações coordenadas e orientadas para a produção de resultados. A segunda diz respeito às habilidades do executivo para expandir os canais de inclusão, interlocução e negociação dos diferentes atores envolvidos, processando conflitos e prevenindo a captura de interesses específicos (PIRES, 2016, p. 198).

A abordagem dos arranjos institucionais de implementação busca identificar os atores que se envolvem na implementação de uma política, os processos e os mecanismos que estabelecem papéis e vínculos entre eles e avaliar, também, como esses atores e processos estão aptos a produzir os objetivos pretendidos.

Em suma, essa abordagem leva em consideração a natureza indeterminada dos processos de implementação, as características específicas do contexto político-institucional e a necessidade de articulação e coordenação dos múltiplos atores envolvidos (burocráticos, sociais e políticos) (PIRES, 2016, p. 198).

Na análise do PAIC, aplicamos esse enfoque pautando-nos numa leitura dos passos sintetizados por Gomide e Pires (2014) e Pires (2016), na abordagem dos arranjos institucionais de implementação desse programa. Nessa perspectiva, discutimos os objetivos da política, identificamos os atores envolvidos nas ações de implementação e

os processos, mecanismos e espaços que organizam suas relações e interações, bem como os instrumentos e mecanismos de coordenação (intragovernamental e intergovernamental) e de gestão (monitoramento e avaliação) que proporcionam tais interações. Por último, identificamos as capacidades estatais produzidas por esse arranjo e discutimos a forma como a conformação do processo de implementação condiciona os resultados obtidos.

Neste estudo, também consideramos o papel central do gerente municipal do PAIC – burocrata de médio escalão – na mediação das relações entre a formulação e a implementação desse programa. Se, por um lado, a literatura especializada não deixa de reconhecer o papel dos atores no processo de formulação e de implementação de políticas públicas, por outro lado, isto tem sido feito principalmente em relação aos burocratas de alto escalão e, mais recentemente, aos burocratas de nível de rua, sem que os burocratas de médio escalão tenham recebido uma atenção equivalente (LOTTA; PAVEZ, 2010; FUSTER, 2016).

Situados em uma posição intermediária, entre os burocratas responsáveis pela formulação de regras e normas gerais e os burocratas que trabalham diretamente no contato com os usuários dos serviços públicos, estão os burocratas de médio escalão (BME), responsáveis pela coordenação da implementação da política. Sua importância reside tanto no papel de elo entre o alto escalão e os executores das políticas públicas, como em sua responsabilidade por conectar formulação e implementação (LOTTA; PAVEZ, 2010; FUSTER, 2016).

Em artigo que sistematiza diferentes olhares da literatura especializada sobre os BMRs, Lotta, Pires e Oliveira (2015) identificam três perspectivas para o exame da atuação desses agentes nas políticas públicas.

A primeira é a perspectiva estrutural, que concebe de maneira predefinida a atuação dos burocratas, “como função do lugar que ocupam nas estruturas organizacionais e dos papéis definidos nos ordenamentos

formais”. Nessa perspectiva, as condutas desses burocratas são orientadas “pela obediência a regras formais (estatutos)” e sua inserção se dá em “cadeias de comando hierárquico bem definidas”, que permitem aos superiores determinar “o cumprimento de tarefas pelos subordinados” (LOTTA; PIRES; OLIVEIRA, 2015, p. 38).

Por olhar para os burocratas de nível de rua de maneira “estanque” e “predefinida”, essa perspectiva “não oferece recursos analíticos” para uma compreensão “particularizada da atuação dos BMEs” e “das relações entre distintas burocracias e suas consequências para a produção de políticas públicas” (Ibid, p. 39).

A perspectiva de ação individual é a segunda apresentada por Lotta, Pires e Oliveira (2015). Tem foco nas decisões e ações individuais, que incorporam cálculos racionais sobre as “recompensas e expectativas de sanções”. Nesta perspectiva, a atuação de burocratas é interpretada por referência a um modelo de competição entre agentes “motivada pela maximização de seus próprios interesses e ganhos pessoais” e compreendida como “produto de decisões racionais que, por sua vez, decorrem de incentivos disponíveis e das expectativas de controle sobre o cumprimento de objetivos e metas propostas” (ibid, p. 39-40). A perspectiva relacional, por último, enfatiza as relações que os BMEs estabelecem com os outros atores. Considera que as “políticas são marcadas por múltiplas redes de atores internos e externos ao Estado capazes de alterar o desenho e os resultados das políticas”. Essa perspectiva também comporta autores interessados em compreender como os BMEs “influenciam e regulam as relações dos próprios implementadores” e como “mediam e mobilizam as relações entre implementação e formulação” (Ibid, p. 41).

Nesta perspectiva, os BMEs são concebidos como “elo fundamental entre as regras e sua aplicação prática, entre o mundo da política e o implementador que se relaciona com o usuário”, e entre as múltiplas agências e seus entendimentos para construção de consensos em

torno das políticas públicas”. São destacadas suas responsabilidades cognitivas e comunicacionais e a interação constante que mantém com os outros atores, dirigida a conciliar distintas perspectivas do topo e da base. Suas decisões e comportamentos

só́ podem ser compreendidos, assim, levando em conta sua inserção em dinâmicas coletivas, a partir das quais ensinam os subordinados a cooperarem com os reguladores e vice-versa e a serem complacentes na implementação das regras da política (LOTTA; PIRES; OLIVERA, 2015, p. 42).

Faz parte também dessa perspectiva a consideração de que o sucesso da atuação dos BMEs requer condições relacionadas à “existência de um ator externo que cobre resultados e transparência, e a garantia de flexibilidade e liberdade para adaptação das regras” e, portanto, um espaço para o exercício da discricionariedade.

Parte da literatura que opera nesta perspectiva destaca, ainda, o papel central dos BMEs não apenas junto aos burocratas implementadores, mas também, na construção de consensos e de valores compartilhados junto a atores de outras agências, tendo em vista a regulação dessas interações e o direcionamento da implementação.

Os autores concluem que “as três perspectivas analíticas sobre a atuação dos BMEs tornam inevitável a percepção de suas correspondências com os três princípios organizacionais – hierarquia, mercado e redes – que têm marcado os debates sobre governança e teorias do Estado”. E, ainda, que quanto

mais a organização e operação do Estado se complexifica, partindo de um padrão marcado pela predominância de arranjos hierárquicos para padrões que mesclam os princípios do mercado e das redes, mais sofisticadas precisam ser as perspectivas analíticas para interpretação da atuação de atores burocráticos. Conforme se percebe ao longo desta revisão da literatura, as abordagens analíticas mais recentes

têm procurado introduzir um componente relacional-interativo às perspectivas anteriores, limitadas às reflexões a partir de estruturas ou da ação individual (LOTTA; PIRES; OLIVEIRA, 2015, p.45).

No caso do arranjo institucional do PAIC, uma das categorias de BMEs é composta pelos gerentes municipais, que estão alocados na estrutura organizacional das secretarias municipais de educação e atuam desempenhando papéis gerenciais.

No desenho do PAIC, cada município possui um GM que coordena uma equipe responsável pela implementação dos diferentes eixos do programa. Sua principal atribuição é a formação para a gestão oferecida aos burocratas das secretarias municipais de educação, e a formação e o acompanhamento cotidiano do desenvolvimento de ações de diretores e professores nas escolas do município. Os GMs são, ainda, responsáveis por manter interlocução com a SME, a SEDUC e a CREDE. Esse conjunto de atribuições delegadas ao GM e à sua equipe pelo arranjo do PAIC demonstra a importância e complexidade de papéis desempenhados por esses agentes. Formalmente colocados como mediadores entre a formulação e a implementação são considerados, pelas burocracias de todos os níveis hierárquicos entrevistados, como peças chaves do sucesso do programa.

Buscando uma aproximação preliminar ao modo como estes burocratas atuam na articulação entre diversos atores e as diretrizes do programa, bem como às suas possíveis influências na implementação do PAIC, olhamos para os GMs com base na percepção de gerentes regionais e de diretores escolares, na intenção de produzir descrições iniciais de suas ações e interações, a partir de um número discreto de entrevistas. Assim, em síntese, a análise do PAIC envolveu pesquisa bibliográfica e documental da legislação referente ao programa, o uso de dados educacionais nacionais e estaduais e entrevistas semiestruturadas