• Nenhum resultado encontrado

4 Sob quais condições uma política é implementada e alcança seus objetivos?

Se assumirmos que a variação nos modos de implementação de políticas é a regra e não exceção, então, mesmo estudos que estejam interessados em apreender os efeitos da implementação no resultado ou na efetividade das políticas (outcome) não podem prescindir do entendimento de como a burocracia estatal se comporta na prática (output).

Alguns estudos que partem de uma análise microssocial têm contribuído para a compreensão sobre como implementadores solucionam problemas cotidianos e como suas decisões afetam, inclusive, o acesso que indivíduos têm a determinadas soluções para seus problemas. Por

exemplo, estudo de Oliveira e Carvalho (2017) sobre a implementação de uma política de combate à distorção idade-série em uma escola mostra que gestores escolares pré-classificam alunos que são “merecedores” de apoio extra para superar suas dificuldades de aprendizagem daqueles que “não se esforçam” para estudar ou os que “não querem nada”. Esses critérios acabam por determinar o acesso e o apoio que será recebido por alunos nas classes de aceleração. A análise das autoras mostra que a visão normativa contida no desenho institucional da política formulada – encontrar formas de melhorar o fluxo escolar – um problema reconhecidamente persistente e excludente no Brasil – é apropriada de modos distintos pelos burocratas de nível de rua, isto é, na sua dimensão microssocial, (re)produzindo exclusões sociais previamente existentes por meio da discricionariedade inerente às suas atividades rotineiras, que são soluções para problemas cotidianos. Outros estudos, como discutirei à frente, também chegam a resultados similares. A minha questão no momento é: seria possível produzir aprendizados para rever ou ajustar o modelo de formulação de uma política pública a partir de resultados desse tipo?

Eu creio que sim, a partir de algumas perguntas básicas. Por exemplo: quais instrumentos ou ferramentas de implementação foram adotados? Há problemas de comunicação ou de linguagem? Quais as capacidades estatais disponíveis para a implementação? Quais atores ou órgãos foram acionados para pensar a formulação? Quais atores, órgãos ou níveis de governo foram mobilizados para a implementação? Muitos? Poucos? Isso faz alguma diferença? Parece-me que essa junção de agendas de pesquisas tem um grande potencial para responder parte dessas questões.

Honig (2006a) propõe uma saída, ainda que audaciosa, para aumentarmos nosso conhecimento sobre possíveis relações de causalidade entre tipos ou modos de implementação e resultado substantivo das políticas. A premissa é a construção de um trabalho coletivo, que parta de uma questão comum e orientadora de compreensão do que funciona e em quais condições (what works under what conditions) como solução

para encontrar ordem na natureza complexa que é o fenômeno da implementação de políticas.

Uma proposta similar de análise da implementação no Brasil tem sido oferecida por meio da categoria analítica de arranjos institucionais (PIRES; GOMIDE, 2016) combinando o estudo das capacidades estatais a partir do conceito de governança. Os autores distinguem entre duas capacidades: as técnicas-administrativas, associadas à burocracia estatal clássica, e as político-relacionais, relacionadas à incorporação e articulação entre atores estatais e societais. Essas últimas mostraram-se centrais para explicar o resultado final das políticas em análise: quando os atores societais afetados por programas governamentais são incorporados à discussão antes de sua implementação, a capacidade de entrega dos bens ou serviços previstos aumenta. Outros estudos (LOTTA; FAVARETO, 2016; NICOLETTI, 2017; ver também BONAMINO et al. neste livro) têm adotado essa perspectiva e também identificam fatores relevantes para explicar o resultado final. A diferença com a proposta de Honig seria a introdução de dois novos fatores para a análise: o desenho institucional da política e os contextos de implementação, adicionando mais complexidade à empreitada.

Honig (2006a, p 14-20) propõe, então, um modelo analítico que adote a observação de três aspectos centrais: as políticas, as pessoas e os lugares. O objetivo, ao final, seria apresentar uma análise global da interação entre esses três fatores, isto é, apesar de serem analisados de modo separado, a proposta é que, aos poucos, a construção de conhecimento ilumine a compreensão do que funciona e em quais condições.

O primeiro elemento – as políticas – refere-se à identificação dos efeitos de escolhas institucionais feitas no momento da formulação da política. Pode ser entendido também como os aspectos macro da análise. Por exemplo, há variação nos objetivos de políticas públicas, alguns são mais amplos, outros bastante restritos e focados tanto no que se refere ao seu escopo populacional e abrangência territorial quanto a aspectos temporais (quanto tempo leva para se observar

resultados?). Quais efeitos isso gera na forma de implementação e no resultado das políticas? A política formulada também indica – explícita ou implicitamente – os atores ou instituições que serão objeto da sua ação ou, ainda, os que serão mobilizados para sua operacionalização. Políticas definem ainda os instrumentos ou ferramentas que serão utilizados, inclusive se a implementação terá um formato mais hierárquico e pré-definido ou, ao contrário, mais aberto à interação e participação de implementadores ou do próprio público-alvo na especificação desses instrumentos. Políticas mais participativas e que engajam implementadores ou seu público-alvo produzem resultados mais próximos do esperado? E se a resposta for sim, qual o mecanismo que explicaria essa potencial relação de causa e efeito? Quais instrumentos têm se mostrado mais eficazes para uma implementação que se aproxime dos objetivos estabelecidos nos marcos institucionais de uma política? A premissa aqui é que todas essas possíveis configurações irão gerar incentivos e constrangimentos distintos. Caberia, nesse sentido, especificar o que e como cada um desses elementos contidos no desenho institucional da política produz, seja do ponto de vista do output (como afetou a forma de implementação) quanto do outcome (quais resultados substantivos). O segundo elemento é o que Honig (2006a) chama de as pessoas. Nesse caso, trata-se de especificar quem são as pessoas envolvidas na implementação, seus lugares institucionais, suas visões normativas sobre a política formulada ou de seu público-alvo, em suma, terreno dos estudos já clássicos sobre implementação, especialmente daqueles que adotam um olhar microssocial. Por exemplo: tipos diferentes de burocratas, a depender de suas posições no interior de organizações, de suas visões e interações com outros atores sociais ou institucionais produzem resultados diferentes? Se sim, de que tipo e como? Burocratas que têm ou constroem relações de proximidade com o público-alvo de uma política conseguem resultados mais próximos ao estipulado na formulação? (LOTTA; PEREIRA; BICHIR, 2018). As soluções cotidianas que burocratas de médio escalão ou de nível de rua, sob pressão de tempo e recursos limitados, adotam impactam no resultado da política?

De que forma? Essas decisões cotidianas são capazes de diminuir as desigualdades entre o público-alvo de uma política ou, ao contrário, acabam por reproduzir as existentes?

Por fim, para compreendermos como e em quais condições determinadas políticas funcionam ou não, a análise do contexto de sua implementação é destacada como um terceiro fator de análise. O contexto – que Honig (2006a) chama de lugares – parte da premissa de que uma política, ainda que implementada por atores ou burocratas em posições organizacionais similares pode – e, provavelmente, irá – gerar resultados diversos a depender das condições ou características locais. Esta, me parece, é a questão que permite a maior união possível de propósitos entre os estudos de implementação, resultado de políticas e formulação.

Uma iniciativa educacional qualquer com orientações universais mesmo que contenha objetivos de promover maior igualdade ou equidade de resultados ou de recursos, por exemplo, pode gerar resultados diversos do esperado dependendo do contexto local em que ocorre a implementação. Escolas urbanas localizadas em áreas segregadas e periféricas ou as rurais, situadas no campo, com um perfil de alunado de maior vulnerabilidade socioeconômica no Brasil têm, sistematicamente, apresentado resultados piores mesmo quando têm acesso às mesmas políticas (ALVES; SOARES, 2013; TORRES et al., 2010). Resultados similares são verificados em outros países, como no caso do peso da segregação racial em escolas americanas (HILL, 2017; PELLETIER; MANNA, 2017). O contexto da implementação, nesses casos, importa. O fato é que as políticas educacionais brasileiras têm sido bem-sucedidas em adotar iniciativas de cunho universal, impessoais, com critérios públicos e objetivos, mas os contextos são distintos: as capacidades burocráticas de secretarias municipais ou estaduais de educação variam, escolas permanecem tendo condições pedagógicas e de pessoal diferentes (mesmo no interior de uma mesma rede de ensino), entre inúmeros outros fatores de contexto que podem afetar a implementação e, portanto, os resultados. É possível que uma boa parte dos problemas da educação no país, na atualidade, esteja

relacionada à inadequação de desenhos institucionais universais às peculiaridades de certos contextos de implementação.

Em suma, o argumento é que quando aplicamos as categorias analíticas políticas, pessoas e lugares de modo integrado e coletivo para a análise de implementação de políticas públicas, seria possível especificar evidências sobre o que funciona e em quais condições acumulando conhecimento que, por sua vez, teria o potencial de se tornar aprendizados para a (re)formulação de políticas.