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2 Estudos de implementação e a clivagem top-

down x bottom-up

Nesta seção, faço alguns apontamentos muito breves com relação à implementação de políticas, com ênfase na divisão que ocorreu entre duas escolas ou perspectivas analíticas neste campo de estudos. Revisões mais abrangentes acerca deste debate ao longo da década de 1980 podem ser encontradas em Pulzl e Treib (2007), Hill (2009), Sabatier (1986) e Najberg e Barbosa (2006).

De modo sintético, é possível dizer que os primeiros estudos sobre implementação de políticas públicas (como o clássico de Pressman e Wildansky de 1973) partiam de uma perspectiva de identificação dos problemas de implementação, dos déficits de implementação ou, ainda, dos desvios de rota, isto é, o comportamento de burocratas que não aderiam à política formulada. Trata-se de uma visão rigidamente administrativa e hierárquica, daí a nomenclatura de um modo de implementação que vai de cima para baixo num formato rígido e centralizador em que estratégias de controle da burocracia ganham centralidade como solução para o problema. Ao mesmo tempo, eles inauguram o entendimento da implementação como um campo próprio de estudos, mostrando ser ilusório partir da premissa de que se trata de um processo natural de pôr em prática os objetivos da política aprovada (no plano da formulação). Esses primeiros estudos, especialmente nos Estados Unidos, mostravam que o “desvio de rota” é frequente e suas conclusões são bastante pessimistas com relação à possibilidade de qualquer política pública de maior complexidade ser efetivamente implementada como esperado (SABATIER, 1986).

Em seguida, os analistas conhecidos como da vertente bottom-up passam a mostrar como a implementação na prática é afetada por um conjunto de atores que não estava sendo considerado na perspectiva

top-down, observando-se interações, interesses, decisões e visões de

mundo que contêm, inclusive, elementos políticos, de negociação e barganha entre atores e agências (BARRET, 2004). No limite, burocratas

agiriam de acordo com seus próprios interesses ou motivações e, portanto, não existiria uma burocracia implementadora neutra. Mais do que isto, o “sucesso” de uma política pública em termos de eficácia ou efetividade seria mais dependente dos comportamentos (diversos) de agentes implementadores específicos do que de decisões centralizadas no topo da hierarquia burocrática (HJERN et al. apud SABATIER, 1986). As razões pelas quais a burocracia se “desviaria” da rota esperada na formulação da política seriam diversas: alguns problemas serão conhecidos apenas no momento da implementação, desenhos institucionais podem conter premissas ou relações de causa e efeito que se mostram equivocadas, burocratas são atores com visões de mundo e com suas variadas possibilidades de decisões discricionárias podem ou não aderir aos princípios, ideais ou objetivos contidos na política formulada entre outros. A literatura bottom-up desloca os termos do debate: da pergunta inicial por que os burocratas se desviam dos objetivos definidos na política formulada para como burocratas implementam, na prática, esta política.

Essa nova forma de compreender a implementação vai gerar uma série de estudos de nível micro, isto é, a partir das bases da implementação (ou de baixo para cima): análises ao nível de indivíduos, em especial os burocratas, em seus contextos de trabalho, suas visões de mundo e decisões discricionárias.

A discricionariedade dos burocratas (LOTTA; SANTIAGO, 2017) ganha centralidade e certa radicalidade no estudo de Lipsky (1980) sobre os burocratas de nível de rua. Esses, que atuam na ponta do sistema, tomam decisões o tempo todo e, de acordo com Lipsky (1980), estão sempre sob pressão (dos governos, de seus superiores, da sociedade, da falta de recursos, muito trabalho etc.) e desenvolvem rotinas (ou mecanismos) para lidar com este ambiente: escolhem tarefas prioritárias, criam procedimentos padrão para atender os “clientes” (inclusive favorecendo alguns em detrimento de outros) ou, ainda, adotam formas “cínicas” (estereótipos) com relação a seus “clientes”.

No limite, diz Lipsky (1980), burocratas de nível de rua são os que estão efetivamente formulando as políticas e há pouco, ou quase nada, que qualquer desenho institucional possa fazer para alterar essa realidade. Nessa perspectiva, os estudos sobre implementação têm um fim em si mesmo, não há possibilidade de se gerar aprendizados para a reformulação ou ajustes de desenhos institucionais.

Em suma, se inicialmente esses estudos apontavam para a não adesão às diretrizes e diretivas contidas na política formulada pela burocracia estatal3 responsável por sua implementação como causa principal do insucesso de políticas – conhecida como vertente top-down (PRESSMAN; WILDAVSKY, 1984; SABATIER, 1986), uma inversão nesse debate mostra que, muitas vezes, a política formulada ignora a dinâmica e formas de interações complexas entre os agentes implementadores e cidadãos afetados pelas políticas, típicas do cotidiano rotineiro de funções administrativas. Neste caso, muitas vezes a política falha por não reconhecer que seu desenho institucional continha expectativas equivocadas sobre o comportamento dos agentes e, consequentemente, de seus efeitos na realidade – vertente bottom-up (BARRET, 2004; HJERN et

al. apud SABATIER, 1986). Mas, ao final, conclui-se pelo entendimento de

que esses dois olhares analíticos são válidos e especialmente relevantes se o objetivo for permitir experimentações e produzir aprendizados para a política (SABATIER, 1986).

2 Esta visão inicial de tipo top-down detinha, até mesmo, uma versão fortemente

“legalística” no sentido de compliance (conformidade): agentes implementadores deveriam seguir rigorosamente as normas e diretrizes legais estipuladas ou pensadas na política mesmo quando essas são vagas ou impossíveis de se executar na prática. A solução, neste caso, seria aumentar formas de controle do comportamento dos implementadores.

3 Output e Outcome da implementação como