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3 Os objetivos através da lente dos modelos de análise em implementação

Em trabalho anterior afirmamos que “a semelhança ou o distanciamento da implementação em relação ao plano que lhe deu origem é, aparentemente, um objeto de pesquisa dos mais valorizados” [no campo de análise da implementação] (LIMA; D’ASCENZI, 2014, p. 52). Utilizando como critério a maior ou menor interdependência entre os dois elementos, e inspirados em Majone e Wildavsky (1984), agrupamos as abordagens de análise em três grupos, os quais nos oferecerão uma visão diferente sobre o papel dos objetivos na implementação.

A primeira perspectiva trata a implementação como produto do plano. Lembrando Pressman e Wildavsky (1984): afinal, o que é implementar? É executar alguma coisa! Neste caso, uma política pública. Esta, por sua vez, é produto da atividade política, elaborada pelos atores que têm legitimidade para decidir sobre a alocação dos recursos sociais.

Os objetivos aqui desempenhariam, pelo menos, três funções fundamentais: orientariam o desenho dos processos, informando a escolha dos instrumentos de implementação; serviriam de parâmetro

para a avaliação, e; funcionariam como mecanismos de coordenação. Dessa forma, eles seriam o elo entre a administração e a decisão política, representando o mecanismo de orientação da caixa preta que é a burocracia. Esta percebida como um ator fragmentado, com interesses próprios e capaz de promover visões específicas acerca das políticas públicas nas quais atua (HART; WILLE, 2012). Daí adviria a necessidade do controle: do pressuposto de que o comportamento dos indivíduos em organizações pode não ser colaborativo. Eles podem, por uma série de razões, se afastar dos objetivos definidos a priori, o que geraria a imprescindibilidade de promover o alinhamento e a conformidade.

Aqui estamos nos movendo entre perspectivas gerenciais com viés

top-down. E, como podemos notar, diferentemente do que muitas

vezes é sustentado, abordagens desse tipo centralizado não ignoram a discricionariedade. Pelo contrário, a necessidade do controle advém justamente da assunção da existência e da natureza pervasiva desse modo de decisão. Com efeito, presume-se que o plano não será executado automaticamente, conforme as intenções de seus formuladores. Sendo assim, se nenhuma ação for tomada, as decisões dos executores podem (e irão) modificar a política.

Nesse cenário, do ponto de vista burocrático, a discricionariedade é percebida como uma disfunção inevitável e, por isso, merecedora de esforços no sentido de garantir conformidade. Ilustrativamente, na administração, encontramos diversas tecnologias passíveis de se tornarem voltadas a essa tarefa: as linhas tradicionais e hegemônicas de planejamento estratégico, a administração por objetivos, o

balanced scorecard e, talvez a mais dirigida ao controle, a gestão pela

qualidade.

Portanto, nessa primeira perspectiva, os objetivos são centrais, e grande esforço deveria ser efetuado para garantir sua consecução. Como pressuposto, obviamente, admite-se que a sociedade valorizaria os eventuais objetivos, e que a relação causal provar-se-ia válida.

As avaliações nesse arcabouço são justamente as que se dedicam a identificar os problemas de implementação, vistos como possíveis mudanças nas políticas durante sua execução. E a conclusão é de que esses percalços explicariam o não atingimento dos objetivos. Entretanto, tudo isso poderia ser evitado se os formuladores fossem capazes de manter a política clara, evitando objetivos ambíguos (HILL, 2006); se os executores fossem treinados e controlados nos marcos desses entendimentos; assim como se as condições práticas de funcionamento da política estivessem garantidas, como disponibilidade de recursos normativos, humanos e materiais.

No segundo conjunto de abordagens, aceitar-se-ia que a implementação pode ser influenciada pelo plano. A política pública é considerada um conjunto de disposições que funcionam como ponto de partida para um processo de experimentação que envolve aprender com os erros, detectando-os e corrigindo-os (MAJONE; WILDAVSKY, 1984). O plano seria, então, a expressão de ideias básicas, e existiria apenas como potencialidade, cuja implementação dependeria de suas características intrínsecas e de circunstâncias externas, ou seja, das estruturas e dinâmicas dos contextos de ação.

Aqui, entende-se que os objetivos de políticas públicas tendem a ser múltiplos, vagos e conflitantes (WILDAVSKY, 2007). Tal conformação seria resultado das diversas preferências dos atores, da heteroglossia, da multicausalidade dos problemas sociais, da racionalidade limitada, dos diferentes níveis de consensualidade atingidos durante as diversas rodadas de interação, entre outros. Nessa situação, a adaptação do plano ao contexto assume papel relevante.

Em consequência, a implementação é percebida como um processo aberto e descentralizado, com uma dinâmica própria dada pelos atores (seus interesses, preferências, matrizes cognitivas, redes etc.) e pelas instituições formais e informais que imperam nos contextos locais de ação. Vê-se que a agência dos implementadores é central, e eles seriam os promotores do ajuste entre as intenções e as capacidades e

demandas locais. A partir dessas ideias, é possível conceber a figura dos objetivos flexíveis: redefinidos em função do contexto.

Para ilustrar, podemos citar a proposta de Elmore (1980): a perspectiva

backward mapping. O autor recomenda iniciar a análise da política

pelo último ponto da cadeia de implementação, em que se pode encontrar o comportamento específico que gerou a necessidade da intervenção. A partir da descrição desse comportamento, devem-se definir os objetivos a serem perseguidos. Esses devem ser desenhados, primeiro, em termos de processos organizacionais e, depois, na forma de resultados esperados. Com isso, parte-se para os demais níveis organizacionais, perguntando para cada unidade: qual sua habilidade para afetar o comportamento que é alvo da política? E, quais os recursos que dispõem para tanto? Cabe frisar que Elmore está se referindo a um processo analítico e propositivo.

Nessa segunda linha, o foco recai sobre a habilidade de resolução de problemas, um recurso já existente nos espaços de implementação. Diferentemente da primeira abordagem, a legitimidade da política está em sua capacidade de promover mudança social, de modificar o problema que justificou sua formulação. Por isso, uma proposição comum é a maximização da discricionariedade no ponto em que as organizações executoras encontram o problema social.

Logo, nos marcos dessas ideias, a relação entre o plano e sua implementação deve ser examinada, e não assumida antecipadamente. Inclusive porque os efeitos da menor aderência ao plano podem não ser prejudiciais à resolução do problema social. Lipsky (2010) defende que a ação de adaptação promovida pelos implementadores pode promover ajustes necessários para que a política gere efetividade. Por fim, para a terceira perspectiva o plano e a implementação são coisas completamente diferentes. Nesse espírito, Bardach (1979) define a implementação como um processo de interação estratégica entre numerosos interesses, perseguindo seus próprios objetivos,

que podem ser compatíveis ou não com os objetivos da política. Nessa dinâmica, os implementadores teriam suas próprias agendas e estariam interessados em ver como e se os objetivos definidos a priori se encaixariam nela. Por conseguinte, o processo e os problemas de implementação seriam imprevisíveis. Nesse caso, estaríamos diante das chamadas implementações monstro, nas quais a execução não possui relação com a ideia original (MAJONE; WILDAVSKY, 1984).

Essas ideias são contraintuitivas e não costumam receber apreço junto ao mainstream em avaliação, pois colocam em xeque o parâmetro, a base do julgamento e, em última instância, a ideia de que a legitimidade da política restaria em sua vinculação com alguma demanda social. Na administração não é diferente, pois a imprevisibilidade e a autonomia do executor sugerem a existência de um elevado nível de ingovernabilidade.

Enfim, vimos que os objetivos mudarão de papel dependendo da perspectiva de implementação adotada. Ainda, devemos atentar para o fato de que a escolha da abordagem traz consequências analíticas e propositivas, já que guia nosso olhar para determinadas estruturas e dinâmicas, bem como elege pressupostos distintos.

4 Uma proposta de avaliação: o Sistema